O que significa meus pais serem brasileiros para mim? Eu sou brasileiro simplesmente porque o único lugar possível para meus pais, que nunca saíram do país, se encontrarem era dentro do Brasil. O que isso muda? A educação que recebi no Brasil contribuiu para formar a pessoa que sou hoje, mas a mesma educação leva diferentes pessoas a pensarem diferente no fundamental da mesma forma que educações diferentes podem levar pessoas diferentes a pensarem igual no que interessa. Mas se eu fosse uma pessoa diferente, na maioria das vezes eu só seria diferente, não melhor ou pior.
Por que a nação sou eu e por que eu sou a nação? Só porque nasci e vivi aqui? Orgulho de pertencer a algum lugar não pertence á minha personalidade, talvez por culpa de minha própria história. Eu nasci no interior do Rio, mas fui para a Bahia tão cedo que só me lembro de fragmentos da minha vida em meu estado natal, e essas lembranças são da capital, não da minúscula Paracambi onde nasci, portanto não tenho lembranças para me orgulhar de nada. Quanto à Bahia, nunca vi motivos para ter orgulho de ter crescido nela. Posso ter orgulho ou vergonha das coisas que fiz, posso admirar ou repudiar o trabalho que os governantes fizeram pelo estado ou pela cidade mas ter orgulho de um lugar? De uma convenção inanimada?
Ora, as fronteiras que dividem a Bahia de Minas são arbitrárias. Estivessem elas míseros 120 km mais ao norte e Vitória da Conquista estaria em Minas, então só porque alguém há não sei quanto tempo atrás achou melhor desenhar a fronteira onde ela está hoje e não mais acima ou mais abaixo eu devo gostar mais da Bahia do que de Minas? E o mesmo vale também para o país; se o Nordeste fosse um país independente eu deveria amá-lo, mas não amar o resto do território brasileiro como me dizem que devo amar hoje? E por que amar ao Brasil mais do que à Colômbia se eu não consigo nem ver onde acaba o Brasil e onde começa a Colômbia?
Enfim, se formos pensar bem, orgulhar-me de um pedacinho de terra e não de outro não tem outro motivo que não o acaso, convenções arbitrárias motivadas pel contexto histórico de um passado do qual eu não participei. Se é para nutrir algum sentimento nativista então, que seja um sentimento natural dirigido a algo real, verdadeiro e universal, um sentimento por algo, portanto, de que eu mesmo possa participar, que me seja caro e não um sentimento que me foi imposto pelos caprichos dos mandachuvas do mundo de sei lá quantos séculos atrás que de tanto repetirem a mentira de que somos humanos diferentes em essência uns dos ourtos acabamos aceitando sermos separados em brasileiros, colombianos, europeus, asiáticos, brancos e pretos em vez de em indivíduos do planeta Terra. Indivíduos únicos, é verdade, mas cujas diferenças são superficiais enquanto que as semelhanças são profundas. Se é para nutrir um sentimento de nativismo, que seja um sentimento que resgate nossa identidade verdadeira e mais importante de seres humanos antes de tudo, cujas afinidades não dependem do lugar de onde nasceram, mas das idéias que compartilham e do respeito que se oferecem. Um sentimento humanista de verdade pela pátria verdadeira de todos nós: o planeta Terra.