Com a palavra, Niemeyerhttp://www.terra.com.br/istoedinheiro/especiais/niemeyer/niemeyer.htmAo final da entrevista que você vai ler a seguir, amigos do arquiteto Oscar Niemeyer que estavam próximos a ele em seu apartamento na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, ficaram em suspense. Todos impressionados com a profundidade e o ineditismo de muitas das declarações do criador de Brasília. No auge da forma aos 97 anos de idade, Niemeyer afirmou estar absolutamente tranqüilo diante do presente e do futuro da cidade, que segundo ele está sendo administrada com ?entusiasmo e coragem? por parte do Governo do Distrito Federal. ?O povo de Brasília está percebendo isso?, julga o arquiteto, cuja entrevista está nas próximas páginas.
O crescimento de Brasília está sendo bem administrado?
Oscar Niemeyer ? Estou vendo o que está acontecendo em Brasília, hoje, com muito otimismo. O GDF completou o Eixo Monumental. Antes, era a Catedral e terra vazia, sem nada. Agora, ali vai ter um museu e depois uma biblioteca. Do outro lado, um grande edifício de música popular e cinema. Haverá, ainda, no Eixo Monumental, o projeto que eu fiz do Pássaro da Paz. Isso mostra que o GDF está interessado em completar a nossa obra.
O que mais está sendo feito que o sr. poderia destacar?
Brasília está chegando num momento em que, finalmente, a cidade vai sendo completada. Há uma boa intenção e ações concretas neste sentido. Os planos para o estacionamento subterrâneo na Esplanada dos Ministérios estão adiantados. Ele será importante para tirar os carros daquele setor. O GDF também quer fazer um sambódromo.
A idéia é que seja na Ceilândia.
A experiência de fazer o Carnaval deste ano na Ceilândia foi um sucesso. É a festa do povo, é lá mesmo que tem de ser feita. O que se quer fazer é um sambódromo moderno, com uma construção que atenda as necessidades para as escolas de samba fazerem seus espetáculos. É um sambódromo diferente. Ele vai servir para outros assuntos e eventos. Vai dar vida para Brasília. Principalmente para as cidades-satélites, que precisam ser modernizadas. O primeiro prédio moderno feito nas satélites foi a Escola do Cantador, por José Aparecido de Oliveira, que funciona até hoje. É preciso levar os prédios modernos para as cidades-satélites, para elas poderem crescer em um nível melhor.
O sr. já havia desenhado um sambódromo para o Plano Piloto. Esse projeto será mantido?
O projeto ficou pronto, mas agora vai mudar. Agora, o GDF quer um sambódromo também para outros eventos, para enriquecer o local. Vai ficar mais interessante e melhor. O primeiro projeto limitava-se à criação de um espaço para as escolas de samba.
O sr. está acompanhando as obras do Museu e da Biblioteca?
Sim, e o povo também. O povo está começando a ver que as obras estão sendo feitas. Que o Museu e a Biblioteca estão sendo concluídos. O GDF está mostrando que isso tudo não é um sonho, que as obras estão sendo feitas com muito entusiasmo. Isso me agrada muito porque quero ver as obras que eu fiz com a base do plano de Lúcio Costa. É muito bom ver as obras sendo completadas como nós pensávamos.
As obras do Museu e da Biblioteca ficaram paradas quase 40 anos. O sr. acreditava na retomada?
Eu sei que as coisas são difíceis, e compreendi o atraso das obras. Mas, de repente surgiu o GDF com um novo empenho. Isso está sendo fundamental para a nova capital. Demonstra que o GDF quer ser útil, fazer as coisas com entusiasmo e coragem, de modo que a gente pode acreditar nas suas intenções.
Há mais alguma obra que o sr. queira realizar em Brasília?
Se o GDF fizer o projeto do Pássaro da Paz vai mostrar que não se interessa apenas pelos assuntos de arquitetura, mas também pelos assuntos do ser humano oprimido. Isso é muito importante, porque mostra que o mundo pode caminhar melhor. Em um clima de paz, sucesso e fraternidade, além de ver o companheiro com otimismo. Por tudo isso, quando penso em Brasília confesso que fico tranqüilo.
Em que momento a cidade nasceu?
Brasília começou em Pampulha, com Juscelino. Durante dois anos fizemos Pampulha com problemas de dinheiro, com angústia. Lembro do entusiasmo do JK fazendo a Pampulha. Ele me chamava para ir de barco ver os prédios refletindo na lagoa. Quando a obra ficou pronta, ele veio à minha casa e disse que iríamos começar a construir a Nova Capital. Então começamos a aventura de Brasília, a terra longe, no fim do mundo. A gente metido lá, tentando realizar as coisas.
No começo as pessoas não acreditavam que alguém pudesse morar em Brasília. O sr. chegou a pensar assim?
Eu confesso que quando fui pela primeira vez achei longe demais. Mas depois que eu vi o entusiasmo do JK, mudei essa visão. Ele tinha permanentemente pressa para que as obras tivessem um bom ritmo, queria cumprir os prazos. Tinha o entusiasmo. Brasília começou a ser pensada em um bar da cidade. A gente queria fazer Brasília e combinamos de fazer o Catetinho. Então tocamos a obra e tudo foi feito. JK fez ponto de apoio para criar entusiasmo visitando as obras. Brasília foi criada de forma espontânea, sem muito alarde. Brasília nasceu na surdina, mas com entusiasmo de todos. Foi fantástico.
O sr. é admirado no mundo inteiro. O que Brasília representa em sua vida dentro do seu conjunto de obras?
Meu trabalho começou na Pampulha. Foi nessa obra que comecei minha arquitetura. Sempre pensei em uma arquitetura mais livre. Eu faço a minha arquitetura e não critico outros colegas. Os outros fazem de forma diferente e acho que cada um deve ter a sua arquitetura. Agora, quando eu converso com os amigos, ou algum aluno me procura, sempre digo que a arquitetura é importante, mas a vida é mais. A arquitetura não muda nada. Ao contrário, são os mais ricos que utilizam dela. A vida pode mudar a arquitetura e mudar o mundo, fazendo tudo ficar mais decente. O prazer de ter contato com as pessoas e o otimismo de sentir que todo mundo tem um lado bom. Precisamos ler, saber as coisas, não para ser um intelectual e sim ser um sujeito que conheça o mundo que espera por ele. Eu percebo que temos que tomar essas atitudes agora.
O senhor tem orgulho de Brasília?
Foi uma fase importante do meu trabalho. Já trabalhei no exterior e um dos trabalhos que eu mais gosto foi uma praça que eu fiz. Eu cheguei na praça e percebi os fortes ventos frios que vinham do mar. Então eu disse que queria abaixar a praça a quatro metros. Eles se espantaram, mas fizeram o rebaixamento. Agora é a única praça que eu conheço que é rebaixada. As pessoas que andam na calçada vêem a praça lá embaixo e descem a rampa para passear. Brasília foi feita na correria, mas eu estou tranqüilo. Você pode ir a Brasília e gostar ou não dos palácios, mas você não pode dizer que viu coisa parecida. Pode ter visto melhor, parecida não. Ninguém viu um prédio como o Congresso Nacional, com cúpulas soltas em cima de uma placa. Nem a Catedral. Pode ter outras melhores, mas igual não. O importante é a inversão. Brasília é isso. Você pode chegar e discordar, mas é diferente. Eu fiz, por exemplo, o Museu de Niterói, Rio de Janeiro. Eu cheguei e tinha uma paisagem diante de mim. O mar, as montanhas, eu tinha de preservar. Assim é muito fácil. A arquitetura tem de ser diferente, mas também ter função.
Dos prédios que o senhor fez em Brasília, qual é o seu favorito?
O Congresso Nacional. Quando fiz o projeto tudo era tão claro! Um representa os deputados e outro, os senadores. Tinha de dar ênfase no mais importante. Ali tem invenção. Arquitetura é uma coisa de criar espanto. Um poeta francês dizia que as artes têm que causar uma sensação diferente.
O senhor vai à festa de 45 anos de Brasília?
Não sei se vou. Não gosto de festas, de luxo. Não fui nem na inauguração de Brasília. Olhei tudo de longe. É luxo demais para mim. Eu fiz o que pude e não dou muita importância a esses eventos. Tenho de dar importância para a vida, ao ser humano.
Qual sua mensagem para os brasilienses?
Desejo que a vida seja boa para eles, porque a cidade ajuda. O plano do Lúcio Costa é inteligente. Você vai a Brasília e a residência está do lado da escola, do comércio local. O céu parece maior. Brasília é bonita.