Queria dar a minha opinião sobre o tema em geral. Como o tempo é curto e a preguiça grande, fiz algumas modificações no que postei recentemente em outro fórum sobre esse assunto.
Os problemas do Brasil em 64 não justificavam a implantação de uma ditadura militar assassina e extremamente corrupta. O governo João Goulart tinha muitos defeitos, não maiores do que os de outros anteriores e posteriores. Nunca houve risco de um "golpe comunista" ou algo semelhante. As forças de esquerda eram pequenas e divididas. Isso foi apenas um pretexto para a tomada do poder por um setor militar e sua clientela política e empresarial, que já haviam tentado uma vez, dez anos antes.
Em relação à probabilidade de o Brasil se tornar uma "grande Cuba" em 64, simplesmente não tem o menor cabimento. Essa foi uma invenção do aparato repressor para justificar sua própria existência. O partido comunista estava na ilegalidade em 64 e, no máximo, conseguiria sua legalização. Mas seus quadros eram minguados até para dirigir greves, quanto mais para fazer uma revolução. Com que armas? Com que logística? Como se faria isso num país deste tamanho?
Nada justificava uma intervenção militar naquele momento. Em 1965 haveria eleições e o país continuaria aperfeiçoando a democracia. A ditadura militar não foi apenas tão injusta quanto os regimes anteriores e posteriores. Foi o pior regime político que o Brasil teve desde a independência, incluídos aí o império escravocrata e a ditadura do Estado Novo de Vargas.
Foi, ao mesmo tempo obscurantista, corrupta, violenta, falsamente moralista e responsável pela deformação de pelo menos duas gerações, desacostumadas à participação política.
O estímulo à participação foi substituído pela
patriotada. Tenho idade bastante para me lembrar de campanhas do tipo "Brasil ame-o ou deixe-o", bem como da piada que o meu pai fazia: "quem sair por último apaga a luz"...
Para quem não viveu aquela época e deseja uma amostra da mentalidade e do nivel da gente que governou o Brasil, sugiro uma visita ao site
www.ternuma.com.br , onde alguns "sobremorrentes" choram suas mágoas. Recomendo especialmente a seção
Onde estão eles?Foi a época do domínio de uma ideologia da "guerra fria", combinada com uma série de interesses escusos, além da simples necessidade do aparato repressor de justificar sua própria existência. Quando falo em "aparato repressor", não me refiro às forças armadas, uma vez que não sou louco o bastante para pensar que o Brasil seja uma Costa Rica que pode se dar ao luxo de não tê-las. Refiro-me aos órgãos (militares civis ou mistos) criados para combater a "subversão" e que, mesmo depois de destruídos os arremedos de guerrilha urbana e rural, continuavam a produzir documentos atribuindo uma força inexistente aos movimentos "subversivos".
Por outro lado, não penso que aqueles que partiram para a luta armada contra a ditadura militar tivessem, naquele momento, convicções democráticas. O fechamento imposto pelo regime não permitiu que as prezassem, vendo nos atos de violência a única forma de lutar contra a ordem imposta, já que a oposição "tolerada" era inócua e, ainda assim, sujeita a perseguições.
Penso enfim, que nenhuma categoria, mesmo armada, pode ter a pretensão de tutelar uma sociedade. A partir do momento em que os militares quiseram controlar todas as atividades do Estado, acabaram por se meter num cipoal em que, afinal, não sabiam mais quem mandava em que...
Só como exemplo, cito um caso retirado do livro "A Ditadura Encurralada" de Elio Gaspari, que contou com a colaboração de vários militares para ser escrito, além da entrega ao autor dos arquivos do general Golbery do Couto e Silva. O livro traz um bilhete do general, então chefe do gabinete civil do governo Geisel, ao seu colega Heitor de Aquino Ferreira, secretário do presidente, também de origem militar: "Acabo de passar horas numa reunião em que se discutia o aumento dos taxis de Curitiba. Eu não ando de taxi faz uns três anos e não vou a Curitiba há mais de dez. O que eu estava fazendo lá?"
Quando se quer cuidar de tudo, tutelando o país, em geral os poderosos acabam se perdendo...
Em resumo: "Foi tão ruim assim?"
Não, foi pior!