Irracionalidade cristã ou tendenciosidade atéia?
Por Karl Rove (a.k.a. user f.k.a. Cabeção)
Nota Inicial: Devo dizer, antes de começar, que nunca fui cristão, nem me tornei cristão agora. Minha qualidade de observador permitiu-me tecer esses comentários que talvez não sejam a completa expressão da realidade cristã, mas é como a percebo. Também cabe afirmar que as visões dos ateus expostas aqui sobre os cristãos podem não cobrir toda a fauna ideológica ateísta, mas pretende abarcar a maior parte dela.
Cristãos em geral não compreendem como ateus podem simplesmente negar seu Deus, o ser supremo e provedor daquilo que é Bom no espírito humano, e por isso tendem a supor que ateus não existem. Ou então, que são dominados pelo mal ou pelo relativismo, já que negam o Bem.
Ateus, por sua vez, não entendem como cristãos possam devotar seu amor incondicional a um ser punitivo, moralmente inconstante e por vezes pérfido e mesquinho, chegando até mesmo ao genocídio sistemático, segundo algumas interpretações da Bíblia Sagrada.
Tanto cristãos como ateus não compreendem ou têm ressalvas em aceitar a existência de racionalidade na defesa do argumento contrário. Cristãos vêem o ateísmo chafurdar na irracionalidade e na rebeldia para algo que consideram transcender a qualquer tipo de aceitação, já ateus vêem cristãos como prisioneiros de uma fé que os cega para a realidade. Já advoguei muito pelo lado dos ateus, apresentando a racionalidade nessa posição, segundo meu ponto de vista. Não retiro uma palavra do que disse, no que diz respeito a isso, mas agora apresentarei o (um) conceito de racionalidade cristã.
Pode-se notar uma grande incompatibilidade entre as concepções de Deus por parte dos teístas e dos ateus. O deus que os ateus afirmam não existir (ou não acreditar) definitivamente não é o mesmo que os cristãos têm como o Criador.
Por mais que leituras bíblicas possam sugerir (principalmente em leituras apressadas ou previamente sugestionadas) que os ateus tenham sua razão, o que há na verdade é muito mais uma incompreensão no sentimento cristão para com seu Deus. Ateus costumam reduzir Deus a um simples produto do raciocínio conhecido como Aposta de Pascal. Um fictício monstro psicótico onipotente adicto à adoração humana e cruel a ponto de legar uma eternidade de sofrimento lancinante a quem ousar não o louvar corretamente (entenda-se, não se filiar à religião certa, uma dentre milhares de erradas criações demoníacas).
Talvez essa seja uma imagem coerente com algumas correntes fundamentalistas derivadas do cristianismo, mas é incompatível com a real noção de Deus que se pode extrair dos valores cristãos e de sua teologia, chegando a ser ridícula de tão superficial e distorcida, quando se propõe a estender-se a todo o cristianismo.
Outros tendem a escolher a versão de que Deus seria a muleta psicológica necessária às mentes menos dotadas (que às deles). Há um tanto de pretensão e congratulação própria nessa posição. Ao considerar-se superior às massas de desvalidos, que clamam por algo que os dê sentido para viver, sente-se próximo de um super-homem, desvencilhando-se das necessidades vis dos seres abaixo dele. A ironia é que esse tipo de pensamento muitas vezes não passa de um pedestal e de uma viseira psicológica, pois serve aos interesses de elevar o ego daquele ateu, além de fechar seus olhos para a complexidade do quadro, que não se restringe apenas àquilo que ele quer ver.
Essas duas visões de Deus, que muitas vezes caminham de mãos dadas, é que impedem o ateu de vislumbrar alguma racionalidade na perspectiva cristã, mas isso se dá simplesmente porque o ateu construiu habilmente um fantoche, e o atacou sem se dar conta que nem sequer se aproximou do verdadeiro conceito cristão de Deus.
Deus, diante dos olhos do cristão não-fundamentalista, é um antropomorfismo daquilo que é, e deve ser, considerado moralmente válido, justo e verdadeiro. Antes de ser um ente supremo sedento de pecadores para condenar à punição infinita, Ele é a semente do que é Bom, daquilo que o espírito humano necessita para se fortalecer e ser livre e sábio. Pois é exatamente nisso que se traduzem os valores cristãos, bondade e justiça (pois ambos não existem em separado), e finalmente liberdade. Deus é feito desses valores, eles são idênticos.
Adorar a Deus, nessa perspectiva, não seria uma forma de adquirir créditos que se acumulariam e no final da vida garantiriam um passe para o paraíso. Seria entrar em contato com tudo aquilo que se tem por Bom, Belo e Verdadeiro, e procurando ser um ser humano melhor.
Esse cristão, afinal, não precisa prescindir do ceticismo ou da racionalidade para aceitar seu Deus, pois nada disso é incompatível entre si. Através da racionalidade podemos chegar a valores universais, a uma moral intrinsecamente superior, e dar a esses valores contornos antropomórficos não é perverter a realidade deles, é apenas uma das formas de se compreender a Verdade. Pois a Verdade pode se vestir nas mais variadas formas, desde que como resultado conduza para valores fundamentalmente bons.
Talvez, para o verdadeiro cristão, aquele mais interessado no que os valores da sua religião transmitem de importante e belo, ao invés da compreensão ipsis literis de determinada passagem bíblica, esteja pouco preocupado se essa personificação é uma construção mental sua, uma alegoria. Até porque, faz pouca ou nenhuma diferença. A única coisa que esse cristão sabe, é que esse Ser existe, pois é feito da reunião de valores e coisas verdadeiras, por essência, e cuja natureza está sim ao alcance da mente humana.
Talvez convenha separarmos religiosidade de outros subprodutos, talvez repulsivos e irracionais que geralmente andam acompanhados da religião, como parasitas. Se subtrairmos ideários de teor venenoso claramente manipuladores, produtos do Mal e da falta de Fé dos homens que ironicamente valem-se da Fé alheia para se perpetrarem, o que restará é um sentimento que anda muito em falta na humanidade. O sentimento de uma moral absoluta, de algo a contrapor tanto relativismo quanto o fundamentalismo que corroem a sociedade. Seja na forma de Deus, seja sob qualquer ótica preferível. Pois até mesmo o ateísmo, recoberto da sua aura de cientificidade e racionalismo, por tantas vezes defendida com fervor religioso, pode acompanhar-se de elementos tão ou mais perniciosos que àquilo que vemos de pior nas religiões organizadas.