Autor Tópico: Lógica paraconsistente  (Lida 6343 vezes)

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Lógica paraconsistente
« Online: 11 de Março de 2006, 22:39:20 »
http://www.criticanarede.com/log_paraconsistente.html

Lógica paraconsistente
Décio Krause
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Acredito que a paraconsistência seja uma das maiores novidades em lógica da segunda metade do século XX.
G. H. von Wright
Tradicionalmente, a presença de contradições em teorias, sistemas matemáticos ou mesmo no discurso usual sempre foi considerada como sintoma de erro. A própria idéia de racionalidade, de difícil explicação, parece passar pelo requisito da ausência de contradição. Alguém que se contradiz não pode ser "racional", é o que geralmente se pensa. Como então pode haver sistemas teóricos dedutivos que admitam teses contraditórias, e em particular contradições? Que utilidade teriam esses sistemas? Na maioria dos sistemas lógicos, a presença de dois teoremas contraditórios (ou seja, um deles sendo a negação do outro) acarreta sua trivialização (todas as expressões bem formadas de sua linguagem podem ser derivadas como teoremas), e então a sua aplicação torna-se questionável.

Isso significa o seguinte: chamemos de S um sistema dedutivo baseado na lógica tradicional. Suponha que em S se possam provar dois teoremas contraditórios, B e sua negação, não-B. Resulta então que se pode formar a sua conjunção, "B e não-B", e então, pelo chamado princípio da explosão (ou Lei de Scotus), que vale nessa lógica, em S pode-se derivar como teorema qualquer expressão que seja formulada em sua linguagem (chamada de "fórmula" de S) de acordo com as suas regras gramaticais. Um sistema que prove todas as suas fórmulas aparentemente não tem qualquer utilidade, pois em tais S, dito de modo abreviado, não se poderia distinguir entre o verdadeiro e o falso. É preciso, então, ao que tudo indica, evitar contradições a todo custo. Esse sempre foi um desejo, ao menos inconsciente, de qualquer teórico. Aliás, o grande matemático alemão David Hilbert (1862-1943) associava a idéia de "existência" em matemática precisamente à consistência dos variados sistemas, ou seja, à ausência de contradições internas a eles.

Aplicações
Adiante, veremos com mais detalhe como tais sistemas que incluem contradições podem ser erigidos e um pouco de sua história. Por ora, vale salientar que as aplicações da lógica paraconsistente não se limitam a aspectos teóricos ou filosóficos, envolvendo a possibilidade ou impossibilidade de admitir contradições. Alguns dos campos mais férteis aplicação dessas lógicas têm sido a ciência da computação, a engenharia e a medicina. Por exemplo, na inteligência artificial essas lógicas foram usadas a partir da década de 1980 por H. Blair e V. S. Subrahmanian, da Universidade de Siracusa, Estados Unidos, e colaboradores, na elaboração de sistemas para serem utilizados especialmente em medicina. De forma simplificada, a idéia básica é a seguinte. É possível imaginar situações em que um paciente pode "se entrevistar" com um computador e este, mediante perguntas e respostas, devidamente municiado com uma base de dados adequada e com um programa que lhe permita "fazer inferências", poderia chegar a diagnosticar e a medicar o paciente, ou então remetê-lo ao médico nos casos mais sérios. Isso poderia reduzir consideravelmente as filas nos postos de saúde (sistemas desse tipo existem nos Estados Unidos desde a década de 1970, porém, ao menos idealmente, sem envolver bases de dados contraditórias).

Na elaboração de tais sistemas, que devem ser erigidos em linguagens nas quais se possam fazer determinadas inferências — em suma, tirar conclusões a partir de certas premissas —, os cientistas em geral entrevistam vários especialistas. O que acontece é que, para o programa funcionar, cria-se um banco de dados que contenha as opiniões dos diversos médicos entrevistados, e é a partir desse banco de dados que o sistema vai "tirar conclusões", valendo-se das regras de alguma lógica. Porém, devido principalmente à grande complexidade envolvida com sua ciência, os médicos podem ter opiniões divergentes (e mesmo contraditórias) sobre um certo assunto, ou sobre a causa de um certo mal. Logo, se no banco de dados há duas informações que se contradizem, se o sistema opera com a lógica clássica, pode ocorrer a dedução de duas proposições contraditórias, o que torna trivial — ou inviabiliza — o sistema como um todo. Para que seja possível considerar bancos de dados amplos, que eventualmente contenham informações contraditórias, e sem que se corra o risco de trivialização, a lógica a ser utilizada deve ser paraconsistente, como constataram Blair e Subrahmanian. Desta forma, é possível absorver inconsistências nos bancos de dados sem ter de eliminá-las (o que pode ser impossível).

Pode-se ainda mostrar de que forma as lógicas paraconsistentes (na verdade, certas teorias de conjuntos que delas se originam) generalizam a teoria de conjuntos nebulosos (fuzzy sets). Isso traz uma outra variedade de aplicações, onde é possível que se construam mecanismos (para-analisadores e para-processadores) que permitem considerar uma variedade de situações, muito mais abrangentes do que os "sim" e "não" da lógica tradicional.Isso pode ser entendido do seguinte modo; relativamente aos conjuntos tradicionais, tem-se o fato que: dado um conjunto X e um objeto a, tem-se que a pertence a X ou a não pertence a X. Pelo princípio do terceiro excluído, uma dessas proposições tem de ser verdadeira. Em um conjunto nebuloso, no entanto, há muito mais possibilidades além de "pertence a X" e "não pertence a X", surgindo a possibilidade de se ter elementos que "estejam mais para dentro de X" do que outros. A analogia com uma nuvem é imediata: para certos objetos (um pássaro, por exemplo) pode-se afirmar que eles estão "dentro" da nuvem, enquanto outros estão "fora", mas devido ao seu contorno impreciso, alguns objetos podem estar em regiões intermediárias. Algumas lógicas paraconsistentes ganham essa característica fuzzy.

A partir desse fato, têm sido feitos ensaios de aplicações (principalmente por cientistas brasileiros e japoneses) no controle de qualidade, na robótica, no de tráfego aéreo e urbano e, mais recentemente, em várias questões em medicina, em que certas decisões não podem ser tomadas a partir de um mero "sim" ou de um mero "não". Um exemplo simples, em robótica: um robô está equipado com vários tipos de sensores, que geram informações contraditórias. Um dos casos é o de um visor óptico, que talvez não consiga detectar uma parede de vidro, dizendo "posso passar", enquanto um sonar a detecta, dizendo "não posso passar".

Um robô "clássico", isto é, funcionando com a lógica clássica, e tendo ambos os sensores, terá dificuldades óbvias na presença de uma informação do tipo "passe e não passe", mas isso é superado com o uso das lógicas paraconsistentes (o robô não "trivializa"). Da mesma forma, para que o tráfego em uma rua flua melhor, seria conveniente que os sinaleiros não ficassem simplesmente abertos ou fechados durante tempos fixos, mas que abrissem ou fechassem por tempos maiores ou menores em função do fluxo de veículos. É sabido que essas aplicações já vêm sendo realizadas há algum tempo (até os controles remotos de televisão vêm com a designação fuzzy logic), mas as lógicas paraconsistentes têm oferecido possibilidades de elaboração de sistemas alternativos.

Vários outros assuntos relacionados às lógicas paraconsistentes surgem da aplicação das lógicas paraconsistentes à ciência do direito e à ética. Nas lógicas deônticas, noções como "obrigatório" e "permitido" podem ser tratadas formalmente, e esses operadores podem ser interpretados como obrigatoriedade ou permissividade perante a lei, ou em conformidade com algum sistema moral ou ético. Por exemplo, a tomada de decisões que envolvem a possibilidade da existência "real" dos chamados dilemas deônticos é de interesse filosófico e científico.

Um dilema deôntico, falando por alto, seria como: "algo é obrigatório, mas sua negação também o é", como na recente discussão sobre a anencefalia de certos fetos, caso em que a obrigatoriedade (ética) da gestação até o fim conflita com a obrigatoriedade da saúde física e psicológica da mãe. Nesses há conflito de normas, de modo que dilemas deônticos surgem como "reais", e não como algo apenas aparente.

As lógicas paraconsistentes vêm auxiliar na discussão de como podemos compatibilizar sistemas éticos e jurídicos conflitantes (e até contraditórios) sem sermos tachados de irracionais. Aliás, a possibilidade dessas lógicas (e de outras não-clássicas) traz à tona uma discussão interessante sobre a própria questão da racionalidade, que tradicionalmente sempre esteve ligada a alguma noção de consistência (ou ausência de contradição).

Há vários outros exemplos importantes de usos dessas lógicas. Por exemplo, o desenvolvimento recente de lógicas quânticas paraconsistentes. Ou a aplicação de algumas lógicas paraconsistentes (ditas lógicas paraclássicas) em física, em especial para possibilitar a existência de proposições "complementares", que são proposições que devem ambas ser consideradas numa certa teoria, mas tais que uma delas implique a negação da outra. Ou, então, na análise de questões que envolvem crença e aceitabilidade, entre outros. Importa ainda mencionar que têm sido desenvolvidas as bases de uma "matemática paraconsistente", mas que ainda precisa ser devidamente explorada. Tais estudos acham-se enquadrados no campo da matemática pura,mas o tema é promissor e, com toda certeza, não desconsiderando o seu valor como atividade teórica, alcançará mais destaque no meio científico na medida em que forem sendo encontradas outras aplicações relevantes.

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #1 Online: 11 de Março de 2006, 22:39:50 »
Relevância do tema
Com relação ao reconhecimento internacional das lógicas paraconsistentes, temos o seguinte. Em 1997, realizou-se em Gent, na Bélgica, o Primeiro Congresso Mundial sobre Paraconsistência. O segundo congresso foi realizado em São Sebastião, São Paulo, em maio de 2000, e o terceiro em Toulouse, França, em julho de 2003, cada um deles atraindo um número maior de pesquisadores e demais interessados no "fenômeno da paraconsistência". Um quarto congresso está sendo programado para a Austrália em futuro breve. A realização de eventos desse porte, envolvendo pesquisadores de grande credibilidade, oriundos de alguns dos maiores centros de pesquisa do mundo, atesta que a "paraconsistência" é um fenômeno que merece atenção.

Os célebres periódicos Mathematical Reviews (publicado pelaAmerican Mathematical Society,) e o alemão Zentralblatt für Ma-thematik passaram a contar com uma seção sobre a lógica para-consistente a partir de 1991. Essas publicações mensais trazem resenhas, descritivas ou críticas, de artigos das mais importantes publicações do que se considera matemática hoje, e apresentam uma detalhada subdivisão da matemática nas suas diversas áreas.

A referência explícita às lógicas paraconsistentes e a realização dos referidos congressos mundiais sobre paraconsistência representam muito em termos da ciência brasileira. Por um lado, constata-se que as lógicas paraconsistentes passaram a constituir tópico oficial não só da matemática mas da atividade científica e filosófica de hoje. De outro lado, os desenvolvimentos subseqüentes, o reconhecimento da importância e possibilidade de aplicações as mais variadas dessas lógicas fizeram o assunto constituir-se em um campo extremamente amplo e fértil em aplicações, o que de certo modo justifica os mencionados congressos mundiais.

A importância disso para nós é que um dos passos decisivos para a criação das lógicas paraconsistentes foi dado no Brasil a partir das décadas de 1950 e 1960. Para apreciarmos melhor o valor disso, é conveniente regredirmos um pouco na história da lógica, ainda que façamos isso de forma incompleta e sem muito rigor. Aristóteles (384-322 a.C.) apresentou a primeira sistematização da lógica da qual se tem notícia. Não obstante alguns desenvolvimentos importantes, como aqueles feitos pelas escolas megárica e estóica, ainda na Antigüidade grega, os princípios básicos da lógica de tradição aristotélica permaneceram sem alterações significativas até meados do século XIX. O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) chegou mesmo a dizer que, em matéria de lógica, nada mais poderia ser acrescentado ao que fez Aristóteles. No século XIX, matemáticos como George Boole (1815-1864), Gottlob Frege (1848-1925) e Giuseppe Peano (1858-1932) deram contribuições significativas para a criação daquilo que ficou conhecido como lógica matemática. A lógica tornou-se então uma disciplina com características matemáticas, tendo alcançado desenvolvimento extraordinário, com implicações diversas em praticamente todos os campos do saber.

Entre os princípios básicos da lógica hoje dita "clássica", de tradição aristotélica, figura o princípio da contradição, ou da não-contradição, como preferem alguns. Esse princípio pode ser formulado de vários modos, os quais não são equivalentes entre si. Um deles diz que, dentre duas proposições contraditórias, isto é, tais que uma delas seja a negação da outra, uma delas deve ser falsa.Por exemplo, dado um certo número natural n, então, dentre as duas proposições "o número n é par" e "o número n não é par", uma delas deve ser falsa. Em outros termos, proposições contraditórias não podem ser verdadeiras simultaneamente; assim, uma contradição, ou seja, uma proposição que é a conjunção de duas proposições contraditórias, como por exemplo "o número n é par e o número n não é par", não pode nunca ser verdadeira. Vimos acima que a presença de uma contradição, no âmbito da lógica clássica, ocasiona a trivialização do sistema considerado.

Entre 1910 e 1913, o lógico polonês Jean Lukasiewicz (1876-1956) e o lógico russo Nicolai Vasiliev (1880-1940) chamaram a atenção, de forma independente, para o fato de que, similarmente ao que se deu com os axiomas da geometria euclidiana, alguns princípios da lógica aristotélica poderiam ser revisados, inclusive o da contradição. Como se sabe, o questionamento do chamado quinto postulado de Euclides, o famoso "postulado das paralelas", mostrou que ele era independente dos demais axiomas da geometria euclidiana, podendo portanto ser substituído por alguma forma denegação. Isso deu origem às chamadas "geometrias não-euclidianas", de extrema importância inclusive em física. No campo da lógica, Lukasiewicz restringiu-se a análises críticas do princípio da contradição, ao passo que Vasiliev chegou a desenvolver uma silogística que limitava o uso do referido princípio.

Foi no entanto um discípulo de Lukasiewicz, S. Jaskowski´(1906-1965), quem apresentou em 1948 uma lógica que pode-ria ser aplicada a sistemas que envolvem contradições, mas sem ser trivial. O sistema de Jaskowski, conhecido como lógica discussiva, ou discursiva, limitou-se a uma parte da lógica, que tecnicamente é denominada cálculo proposicional, não tendo ele se ocupado da elaboração de lógicas paraconsistentes em sentido profundo (envolvendo quantificação, por exemplo).

O lógico brasileiro Newton C. A. da Costa (1929-), então professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi quem, independentemente de Jaskowski (cujos trabalhos haviam saído em polonês em uma publicação sem circulação internacional), iniciou a partir da década de 1950 estudos no sentido de desenvolver sistemas lógicos que pudessem envolver contradições, motivado por questões de natureza tanto filosóficas quanto matemáticas. Os sistemas de da Costa, em que ele definiu uma hierarquia com uma infinidade de sistemas, as "lógicas-C", estenderam-se muito além do nível proposicional. Da Costa desenvolveu cálculos proposicionais, de predicados com e sem igualdade, cálculos com descrições, teorias de conjuntos (mais tarde desenvolveu vários outros sistemas), e é reconhecido internacionalmente como o principal criador das lógicas paraconsistentes. Aliás, o termo "paraconsistente", que literalmente significa "ao lado da consistência", foi cunhado pelo filósofo peruano Francisco Miró Quesada, em 1976, em uma correspondência com da Costa. Apo-sentado pela Universidade de São Paulo (USP), hoje da Costa é professor do curso de pós-graduação em filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Como vimos, uma lógica é paraconsistente se pode fundamentar sistemas dedutivos inconsistentes (ou seja, que admitam teses contraditórias, e em particular uma contradição) mas que não sejam triviais, no sentido de que nem todas as fórmulas (ex-pressões bem formadas de sua linguagem) sejam teoremas do sis-tema. Os detalhes técnicos não podem ser dados aqui; o leitor interessado pode consultar as obras listadas no final do artigo.

Como campo de pesquisa, a lógica paraconsistente desenvolveu-se extraordinariamente a partir de então, tendo atraído a atenção de um grande número de pensadores em todo o mundo. No Brasil, grande parte devido à influência de da Costa, originou-se uma forte escola de lógica, inicialmente em São Paulo e Campinas, mas que hoje se estende a quase todo o país, havendo surgido lógicos que granjearam reputação internacional. Como da Costa mesmo diz, nos anos 1950 ele era o único lógico brasileiro que publicava em revistas internacionais; hoje, estima-se que haja perto de 150 pesquisadores ativos nas várias áreas da lógica. Atualmente, a lógica paraconsistente constitui tema obrigatório de estudo de qualquer estudante de lógica, filosofia ou ciência da computação. Devido às aplicações recentes cada vez mais interessantes que tem encontrado, interessa também a estudantes de física e engenharia, além de matemática, obviamente.

Importante salientar que sistemas distintos dos de da Costa, da mesma forma envolvendo inconsistências, foram elaborados posteriormente, sobretudo por pesquisadores australianos, belgas, americanos, japoneses, italianos e também brasileiros. Alguns cultores desses sistemas alternativos proclamam que a lógica clássica deve ser substituída pelos sistemas que propõem, mais ou menos como no caso do grande matemático holandês L. E. J.Brouwer (1881-1966), que no início do século XX sustentava que a matemática tradicional deveria ser substituída pela intuicionista, que ele e colaboradores haviam desenvolvido. Esta não é a opinião de da Costa, bem como de boa parte dos lógicos brasileiros. Para da Costa, a lógica clássica, que qualifica como a "mãe de todas as lógicas", tem valor eterno em seu particular campo de aplicação, e não há por que ser substituída nesses domínios. Assim, apesar de ser o criador das lógicas paraconsistentes, da Costa não assevera que as lógicas paraconsistentes devam ser as únicas verdadeiras. Devem ser usadas quando se mostrarem convenientes, para que se alcance um melhor entendimento ou tratamento de certos fenômenos ou áreas do saber.

Por exemplo, as lógicas paraconsistentes prestaram-se para termos uma visão mais clara do significado da negação, bem como para conhecermos melhor o status do conjunto de Russell. Com elas, podemos entender melhor a possibilidade de sistematizar, de modo rigoroso, teorias que envolvem a noção de complementaridade (proposições complementares são aquelas que, se tomadas em conjunto, acarretam uma contradição) ou a teoria do átomo de Bohr (que combina sistemas incompatíveis, como a mecânica newtoniana, a teoria eletromagnética de Maxwell e a quantização), também seria possível esquematizar sistemas que incluem vagueza e mesmo contradições estrito senso.

Sobre a natureza da lógica
Se desejarmos entender o significado e a natureza da lógica, podemos nos valer do fato, salientado acima, de que a lógica é, hoje, uma disciplina de mesma natureza que a matemática. Com efeito, os resultados alcançados nesse campo em nada ficam devendo, seja em profundidade, seja em alcance dos resultados, a qualquer área da matemática ou das ciências empíricas. Para tanto, basta recordar os teoremas de incompletude de Gödel, os resultados da teoria da recursão, da teoria dos modelos ou dos fundamentos da teoria de conjuntos, ainda que não possamos detalhar tais desenvolvimentos aqui. Porém, valendo-nos desta analogia, podemos olhar a lógica da mesma forma como usualmente se faz com a matemática, dividindo-a (ainda que, como na matemática, algo artificialmente) em lógica pura e em lógica aplicada.

A lógica pura pode ser desenvolvida in abstrato, independentemente de qualquer aplicação. Assim, estudam-se certos tipos de estruturas abstratas, tais como as linguagens formais ou as máquinas de Turing (que fundamentam o conceito usual que temos de computação), entre as quais estão os próprios sistemas lógicos, como a lógica paraconsistente ou a intuicionista. Pode-se, portanto, estudar a lógica (ou algum sistema particular) de um ponto de vista "puro".

A lógica aplicada, por sua vez, tem um duplo sentido: primeiro, pode-se aplicar um determinado sistema lógico a uma certa área do saber, visando certos propósitos. Esse foi o rumo de algumas das aplicações da lógica paraconsistente vistas anteriormente. Um segundo sentido seria o do desenvolvimento de algum sistema lógico para dar conta de situações para as quais a lógica clássica — ou os sistemas conhecidos — apresentaria limitações, ou mesmo onde ouso de algum outro sistema poderia ser mais elucidativo. A lógica quântica, por exemplo, tal como originalmente sugerida por VonNeumann, é um exemplo. É discutível se a mecânica quântica ou qualquer outro sistema conceitual conhecido realmente carece de uma lógica distinta da clássica, mas é certo que o seu uso apresenta vantagens em algumas situações, como por exemplo, ao que tudo indica, casos envolvendo o conceito de complementaridade, no sentido dado por Bohr. Cabe salientar que alguns sistemas paraconsistentes surgiram desse modo.

Assim, o desenvolvimento das lógicas paraconsistentes não pretende sugerir que a lógica clássica esteja errada, e que deva ser substituída, em particular pela paraconsistente. A lógica clássica constitui um campo fantástico de estudo, permanecendo válida em seu particular domínio de aplicações, não precisando, pelo menos por enquanto, ser substituída por qualquer outro sistema. Assim, usamos um sistema paraconsistente quando for conveniente, e a lógica clássica em outras situações, sem ter de optar por uma ou outra como a "verdadeira lógica". Fato semelhante acontece na física. É sabido que a mecânica newtoniana deve ser substituída pela relatividade em certas situações, mas continua a ser usada em outras.

Em síntese, não há uma lógica verdadeira, assim como não há uma mecânica "verdadeira". Distintos sistemas lógicos podem ser úteis na abordagem de diferentes aspectos dos vários campos do conhecimento. É razoável aceitar, hoje, alguma forma de pluralismo lógico, no qual vários sistemas (mesmo que incompatíveis entre si) possam conviver, cada um se prestando ao esclarecimento ou fundamentação de um determinado conceito ou área do saber, sem que isso apresente qualquer problema envolvendo contradições; afinal, a metalógica que rege tudo isso é paraconsistente.

Décio Krause

Para conhecer mais
Obras em português

N.A. Vasiliev e a Lógica Paraconsistente, A. Y. Arruda, Unicamp, Coleção CLE, 7, Campinas, 1990.
Ensaio sobre os Fundamentos da Lógica, N. C. A. da Costa, São Paulo, Hucitec, 2. ed., 1994.
O Conhecimento Científico, N. C. A. da Costa, São Paulo, Discurso Editorial, 1997.
Sistemas Formais Inconsistentes, N. C. A. da Costa, Curitiba, Editora da UFPR, 1994.

Publicado na revista Scientific American Brasil (Novembro de 2004)

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Lógica paraconsistente
« Resposta #2 Online: 18 de Junho de 2008, 21:26:01 »
Paixão e contradição

Matemático Newton da Costa, criador da lógica paraconsistente, tem três livros reeditados

O matemático e lógico Newton da Costa compartilha com outros pesquisadores a mesma paixão pelo que fazem. Com freqüência, se emociona ao falar de assuntos que parecem estranhos àqueles alheios a sua paixão. Alguns geólogos sentem ternura por pedras que contam histórias de outras eras e entomólogos têm grande carinho por insetos repugnantes. Costa vê beleza em cálculos intrincados, problemas sem solução e teorias que, de tão abstratas, só são entendidas por um número pequeno de pessoas.

Newton Carneiro Affonso da Costa, paranaense nascido em Curitiba há 78 anos, casado, pai de uma filha e dois filhos e avô de duas netas, talvez tenha mais motivos que os demais pesquisadores para se entusiasmar ao falar do próprio trabalho. Ele é reconhecido no Brasil e exterior – provavelmente mais no exterior – como autor de uma teoria original criada a partir de 1958, mas muito citada e aplicada de 1976 para frente, quando finalmente ganhou o nome pelo qual ficou conhecida, a lógica paraconsistente. Trata-se de uma teoria que permite trabalhar com situações e opiniões contraditórias. Não à toa, é chamado pelos discípulos e colaboradores de “pensador da contradição”.

Costa formou-se engenheiro na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1952 e chegou a trabalhar por 1 ano no ramo, na empreiteira do pai de sua mulher. Mas parou de resistir à própria vocação e cursou matemática, fez licenciatura na mesma área e virou professor e pesquisador em tempo integral na UFPR, ganhando menos da metade do que ganhava na empreiteira. Lá fez seu doutorado e virou catedrático. Nos anos 1960 migrou para o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME/USP) e ficou 2 anos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nos dois lugares foi professor titular.

Passou por instituições da Austrália, França, Estados Unidos, Polônia, Itália, Argentina, México e Peru como professor visitante ou pesquisador. Tem mais de 200 trabalhos publicados entre artigos, capítulos e livros. Entre outros prêmios, ganhou o Moinho Santista e o Jabuti em Ciências Exatas. Na segunda quinzena deste mês, a editora Hucitec vai relançar três de seus livros esgotados há muitos anos. São eles: Introdução aos fundamentos da matemática, de 1961, Ensaio sobre os fundamentos da lógica, de 1979, e Lógica indutiva e probabilidade, de 1990.

Quando se aposentou do IME/USP, Newton da Costa tornou-se professor titular da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP e passou a estudar e ensinar filosofia da ciência. Há 4 anos decidiu morar perto dos dois filhos em Florianópolis e lecionar filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Sua paixão pela pesquisa e ensino continua intacta. Quando fui entrevistá-lo em seu apartamento no centro de Florianópolis, ele entregou um artigo sobre lógica, escrito especialmente para a revista. No final desta entrevista, o leitor poderá ler o artigo.

Newton da Costa prefere escrever à mão e admite ter grande aversão em lidar com computadores. O que torna ainda mais curioso um dos seus últimos trabalhos, ainda não publicado. O título é How to build a hypercomputer (Como construir um supercomputador) e trata de uma investigação sobre os limites da teoria da computação. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

O senhor se formou em engenharia, fez carreira na matemática e terminou na filosofia. Como foi isso?
Quando eu tinha uns 15 anos, mais ou menos, dois acontecimentos foram fundamentais para mim. Primeiro, ler o Discurso do método, de Descartes, que se tornou minha bíblia. Em segundo lugar, a convivência com meu tio Milton Carneiro, professor da Universidade Federal do Paraná. Nós discutíamos muito sobre filosofia e ciência. Ele me deu dois livros que nunca mais saíram da minha cabeça, O sentido da nova lógica, de W.O. Quine, de 1944, publicado naquela época no Brasil, e Logique, de L. Liard, um livro de lógica absolutamente clássico, embora tenha uma parte sobre metodologia científica.

Pode-se dizer então que seu maior trabalho, sobre a lógica paraconsistente, começou a brotar naqueles momentos?
Acho que custou um pouco ainda. As conversas com o meu tio e ler Descartes obviamente ajudaram. Meu problema central sempre foi pensar sistematicamente o que é o conhecimento. Especialmente o que é o conhecimento científico. Até hoje penso nisso. Então percebi perfeitamente que teria que estudar lógica, matemática e alguma ciência, como física. Pouco tempo depois comecei a ler Bertrand Russell por sugestão da minha mãe. Russell motiva qualquer um a estudar questões desse tipo. Foi quando notei que precisava conhecer também as aplicações da matemática, não só matemática. Por isso, estudar engenharia seria interessante. Mas precisava, especialmente, conhecer matemática melhor. E cursei matemática. Finalmente percebi que tudo isso, no fundo, tem a ver com filosofia – que, aliás, é o que eu mais gostava mesmo.

Mais do que a matemática?
Ah, muito mais. A matemática e a lógica são para mim instrumentos para entender o que é o conhecimento científico. O que vai levar, depois, ao que é o conhecimento em geral e se há conhecimento metafísico. Daí a necessidade de me embrenhar na filosofia. Ainda não cheguei à metafísica porque preciso compreender direito o conhecimento científico.

Eu gostaria de entrar na lógica paraconsistente. Como o senhor a explicaria para alguém que não entende nem de lógica nem de matemática?
Em 1874, um matemático russo chamado Georg Cantor criou a teoria dos conjuntos. Em pouco tempo se viu que toda a matemática padrão poderia ser construída sobre a teoria dos conjuntos e ela se tornou essencialmente a base da matemática. Convém observar, no entanto, que a noção de conjunto é algo extremamente abstrato e não se confunde com o sistema de objetos ou totalidades da vida cotidiana. Mas cerca de 30 anos depois começaram a surgir paradoxos nessa teoria. O paradoxo de Russell, o paradoxo de Burali-Forti e vários outros, que não convém explicar aqui porque levaria muito tempo. Essas questões se tornaram um problema filosoficamente incrível: como eram possíveis paradoxos na matemática e na lógica tradicionais, até então o exemplo mais perfeito de conhecimento? Aquilo era aterrador, completamente estranho, ninguém conseguia explicar, causou um rebuliço. Essa foi considerada a terceira grande crise da história da matemática. A primeira foi com os pitagóricos, quando descobriram os números irracionais. A segunda foi com o cálculo diferencial e integral, que era uma área completamente sem fundamento lógico, mas também foi superada. E, finalmente, a terceira grande crise foi a cantoriana, quando se descobriu que a teoria dos conjuntos era inconsistente e contraditória, não se sustentava. Tentou-se então resolver a questão mantendo a lógica clássica e imaginando quais as modificações que poderíamos fazer na teoria dos conjuntos para superar os paradoxos. A lógica clássica é essencialmente a lógica que nasceu com Aristóteles e teve sua formulação atual por Gottlob Frege e Russell por volta de 1870 e 1914, respectivamente.  O problema da contradição é absolutamente fundamental para a lógica clássica, que não a admite.

A idéia era corrigir a teoria dos conjuntos sem destruí-la ou abandoná-la?
Era isso. Em meio a esses estudos e análises surgiu algo interessantíssimo. Ficou claro que havia caminhos alternativos para superar essas dificuldades, que não eram equivalentes entre si. Ou seja, havia várias teorias de conjuntos possíveis baseadas na lógica clássica. A idéia básica quando se começou a estudar essas questões era manter a lógica clássica nas soluções usuais desses paradoxos e mudar os princípios da teoria ingênua dos conjuntos. Baseado numa frase do próprio Cantor – “A essência da matemática radica na sua completa liberdade” –, pensei, “Por que não fazer o contrário?”. Eu quero manter o máximo possível dos princípios da teoria dos conjuntos, mas mudar a lógica subjacente clássica.

O que isso quer dizer?
Significa que essa lógica tem de suportar contradição. Na lógica clássica, a razão básica de ela não aceitar a contradição, do ponto de vista técnico, é que a mais simples contradição numa teoria a destrói, porque tudo vira teorema. Era preciso mudar e eu comecei a construir várias lógicas. Demonstrei que existem infinitas lógicas que satisfazem essas condições e que existem infinitas teorias dos conjuntos correspondentes. Comecei a desenvolver e aplicar a lógica em outras coisas. Mas, na verdade, a saída, o pontapé inicial, foi um ponto puramente matemático relativo aos fundamentos da teoria dos conjuntos da obra cantoriana.

Não o acusaram de destruir a lógica clássica?
Todo mundo já disse isso, especialmente no começo, quando apresentava minha teoria por aqui. É uma das coisas que mais me deixam amolado.

Por quê?
Eu seria um idiota se achasse que a lógica clássica está errada. O que acredito é que ela tem um domínio de aplicações, mas, em certas circunstâncias, não se aplica. Vou dar só um exemplo: a teoria geral da relatividade e a mecânica quântica são duas das teorias mais assombrosas que apareceram na história da cultura até hoje – pelas aplicações, pela precisão das medidas, por tudo enfim. É uma loucura o que elas explicam. Por exemplo, mecânica quântica explica o laser, o maser, a estrutura química... No entanto, essas duas teorias, se você olhar bem de perto, são logicamente incompatíveis. Só tem uma maneira de juntar as duas e os físicos fazem isso com freqüência, embora não saibam como isso se faz, do ponto de vista lógico.

Quer dizer, eles juntam as duas teorias naturalmente para resolver problemas que surgem, sem saber que estão usando uma lógica diferente?
Exatamente. Essa lógica é a lógica paraconsistente. No momento estou trabalhando nisso, esclarecendo que a lógica da física tem de ser uma lógica paraconsistente. Ela é localmente clássica, mas globalmente paraconsistente. A física atual, que trabalha com uma combinação de teorias incompatíveis, só é possível porque existe a lógica paraconsistente. Por exemplo, a teoria do plasma tem muitas aplicações e envolve três outras teorias: a mecânica clássica, o eletromagnetismo e a quantização. Duas a duas, elas são contraditórias. No entanto, são usadas. Todo o estudo que faço no momento utiliza a teoria quântica de campo, a mecânica quântica, a relatividade e outras, para sistematizar a ciência. Essa é uma das tarefas do filósofo da ciência, sistematizar diversas ciências e compará-las. Não há solução se não fizermos isso com uma lógica diferente da lógica tradicional. Não nos dias de hoje.

E quanto às aplicações da lógica paraconsistente?
Durante uns 30 anos desenvolvi a lógica paraconsistente do ponto de vista puramente abstrato. Interessado apenas na beleza matemática que ela implica. Qual não foi minha surpresa quando comecei a receber do exterior, principalmente dos Estados Unidos, informações sobre aplicações em economia, na computação, em robótica, nos sistemas especialistas... No Brasil, o grupo de Jair Abe, da Universidade Paulista (Unip), tem obtido resultados muito interes­san­tes em inteligência artificial. Recente­mente um amigo japonês, Kazumi Na­ka­matsu, esteve comigo e mostrou as aplicações de certo tipo de lógica paraconsistente para o controle de tráfego de trens, no Japão.

Nada mais prático do que isso.
Já se sabe que se pode usar a lógica paraconsistente no controle do tráfego aéreo também. Quando se tem muitos aviões que não podem aterrissar, por exemplo, por mau tempo, o controlador de vôo recebe e manda informações. Elas nunca são exatas porque não se sabe exatamente a qual altura o avião está. A altura sempre tem um pequeno erro. Logo, deve ser corretamente interpretada pelo computador do controlador para evitar acidentes. A lógica paraconsistente é uma das maneiras pensadas para resolver o problema.

A lógica paraconsistente é, então, uma teoria que aceita e acomoda situações contraditórias?
Situações e opiniões contraditórias. Hoje há centenas de pessoas que se dedicam à lógica paraconsistente no mundo inteiro. Alguns são fundamentalistas. Acham que é a única lógica verdadeira e a lógica clássica não passa de besteira. Um dos meus melhores amigos, que foi professor na Universidade Nacional da Austrália e esteve várias vezes no Brasil, professor Richard Routley, todos os dias pela manhã quando me encontrava lá em Canberra ou mesmo em São Paulo, me saudava dizendo, “A lógica clássica está acabada”. Eu dizia sempre que não, as duas têm seu campo. A lógica clássica é a mãe da lógica paraconsistente.

Poderia ser usada também em outros campos, como na psicanálise?
Segundo vários psicanalistas, especialmente os lacanianos, ela tem uma aplicação enorme nessa área. Já existe uma literatura grande na psicanálise sobre isso.

A repercussão da lógica paraconsis­tente parece não ter arrefecido após tantos anos.
Isso é algo inacreditável para mim até hoje. Pensava nisso quando era muito jovem, em 1949, 1950, meus primeiros trabalhos começaram em 1958, mas só comecei a publicar na França em 1963. Até que, lá por meados dos anos 1970, escrevi uma carta para um grande amigo, o filósofo da ciência Francisco Miró Quesada, ex-ministro da Educação no Peru. Pedi a ele, “Preciso de um nome para essa minha lógica”. Quesada foi um dos primeiros a defender a teoria pelo mundo afora, quando era embaixador. Ele me sugeriu “paraconsistente”, “ultraconsistente” ou “metaconsistente”. Escolhi paraconsistente. Depois que comecei a escrever com esse nome, não se passou 1 ano e todo o mundo da lógica começou a falar de lógica paraconsistente. Da França à ex-União Soviética, dos Estados Unidos ao Japão surgiram artigos citando de alguma forma a lógica paraconsistente. Essa é uma daquelas coisas muito difíceis de acontecer outra vez. Quesada passou a brincar dizendo, “Newton, na verdade o criador da lógica paraconsistente fui eu, porque uma coisa só existe depois que tem nome. Está na Bíblia, ‘No começo foi o verbo...’”.

O que o atraiu exatamente na palavra paraconsistente?
“Para” quer dizer “ao lado”. Eu nunca quis destruir a lógica clássica. É “ao lado de”, “complemento de”. Assim como a relatividade geral não destruiu a mecânica newtoniana. Nem a mecânica quântica acabou com a mecânica newtoniana. E elas não existem sem a mecânica newtoniana.

Qual era o nome da lógica antes de ser batizada pelo Quesada?
Teoria dos sistemas formais inconsistentes. Comprido demais.

As muitas aplicações de sua teoria fez o senhor ganhar algum dinheiro com ela?
Viajei muito, conheci o mundo inteiro e nunca despendi um tostão. Agora ganhar dinheiro mesmo não. Teoria não tem patente. Mas quando chegava à ex-União Soviética, por exemplo, eu tinha um automóvel com motorista à disposição, um intérprete, um quebra-galho para tudo.

Aos 78 anos o senhor parece seguir mantendo suas atividades de pesquisa com vigor.
Fazer o que faço é um prazer tão grande que sou capaz de pagar para continuar fazendo. O dia em que não puder estudar o que gosto, dar minhas aulas, é melhor morrer mesmo. Aliás, contam que para Einstein parecia que a diferença entre estar vivo e estar morto era que enquanto ele estava vivo tinha certeza de que podia fazer física. Depois de morto não sabia se dava para fazer.

Por que saiu da UFPR?
Jamais quis sair do Paraná. Minha família toda é de lá e eu estava bem na UFPR. Mas gostaria de montar um grupo de lógica e fundamentos da ciência. Aos poucos, porém, cheguei à conclusão de que isso era inexeqüível lá, nos anos 1950 e 1960, por mais que eu me esforçasse.

Qual a razão?
Acho que, com exceção da USP, nenhuma outra universidade dava condições para se fazer um trabalho de nível internacional em lógica e matemática no Brasil. Convidar professores estrangeiros, passar temporadas no exterior, mandar jovens para estudar em outros países. Eu me tornei catedrático na UFPR, mas, por mais boa vontade que tivessem comigo, eu me sentia patinando, sem sair do lugar.

Foi para a USP, mas passou primeiro pela Unicamp, não é?
Rapidamente. Tenho uma relação muito grande com a Unicamp. Quando fui professor do IME era permitido acumular por 2 anos tempo integral na USP e tempo parcial na Unicamp, desde que fosse bem justificado. Fiquei nos dois lugares e, surpreendentemente, consegui formar um grupo muito maior de pesquisa na Unicamp. Posteriormente doei minha biblioteca e arquivos para o Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Unicamp.

O senhor é um daqueles cientistas que consideram matemática e física mais difíceis de entender do que as demais ciências?
Não sei se são mais difíceis. Sei que para alguns trabalhos nessas duas áreas é preciso ter um grande senso de abstração, principalmente em física-matemática e física teórica. É preciso dizer que há um sentido de beleza nessas teorias. Edgar Allan Poe dizia, “A beleza é aquilo que resiste à familiaridade”. Quanto mais voltamos a ela, mais somos atraídos a voltar. E sempre que voltamos percebemos coisas novas. A música de Bach é eterna porque se pode ouvir milhões de vezes sem cansar. Sempre veremos um aspecto novo nela. Se ouvirmos uma música comum qualquer ela não desperta novas idéias, basta repetir três ou quatro vezes e ela não oferece nada a mais. Já Bach, Beethoven, Brahms jamais cansam. Um artigo de matemática trivial você lê e não se interessa mais. Agora, a um bom artigo podemos voltar dezenas, centenas de vezes. Sempre tem mais uma coisinha, mais uma idéia, mais um aspecto que não percebemos antes. Sempre digo aos meus alunos que a matemática tem uma suprema beleza exatamente por isso. Mesmo em obras como a de Isaac Newton, em que ninguém mais vai estudar mecânica, nem astronomia pelos princípios já muito conhecidos e, algumas vezes, superados, isso ocorre. Mas se voltarmos lá e entrarmos nos detalhes da obra vai ver que lá não tem fim. É uma sinfonia à la Bach. E, veja, não importa o tamanho da obra. O doutorado do matemático americano John Nash, Prêmio Nobel de Economia, tinha cinco páginas. É genial. Eu andava com cópias na minha pasta para distribuir aos alunos e mostrar que tamanho não significa nada. Se Nash tivesse escrito essa tese na USP, não teria sido aprovado porque hoje parece que exigem pelo menos cem páginas.

Como vê o baixo nível do ensino e aprendizagem de matemática no Brasil?
É uma barbaridade. Convivi com o ensino secundário dos Estados Unidos, na escola pública de Berkeley. Lá existe o que eles chamam de honour courses, cursos de honra. Os alunos que querem fazer cursos técnicos, como mecânica de automóveis, têm um mínimo de aulas de inglês, história etc. Depois, se quiserem, podem completar os créditos com os outros cursos. Mas os honour courses só fazem aqueles que querem ir para a universidade. São turmas pequenas, de 10, 12 alunos, com professores em tempo integral. O ensino envolve cálculo diferencial, cálculo integral, computação, geometria analítica... A pessoa entra de livre e espontânea vontade e se compromete a não ter nota baixa. Se não acompanhar, sai. Depois que acaba o curso, bastam duas cartas de recomendação dos professores para entrar na universidade. Se o aluno for bom nesses cursos, já está na universidade. Por várias vezes sugeri fazer algo semelhante aqui, mas sempre me dizem que não é democrático, que é elitista...

O senhor é contra essa espécie de cobrança social que há no Brasil para todos cursarem universidade, mesmo os que não têm nenhuma vontade ou vocação?
Nivelar todos é impossível. Não dá. Os honour courses e os demais cursos disponíveis são um jeito de contemplar todos os interessados. Faz quem quer. Vi lá, também em Berkeley, um ótimo curso de mecânica de automóveis. Os alunos pegavam um automóvel e o desmontavam inteiro, parafuso por parafuso, para depois reconstruí-lo sem deixar nenhuma peça sobrando. O estudante sai entendendo de carro, vira um excelente mecânico e pode ser tão feliz no trabalho quanto alguém que passa a vida estudando algo muito teórico e abstrato. Havia um encanador no campus da Universidade da Califórnia, quando trabalhei lá, tão competente e eficiente que ganhava mais do que um dos meus colegas mais brilhantes, o professor polonês Alfred Tarski, um grande lógico e o melhor salário do departamento.

Gostaria que falasse sobre filosofia da ciência. Como é o conceito quase verdade ou verdade parcial?
Acho que a ciência hoje não é algo que procura retratar o real. Quando uma proposição quer refletir o real como ele é, isso se chama teoria da correspondência da verdade. Quer dizer, o pensamento corresponde à verdade. Eu acho que a ciência não é assim, ela reflete apenas em parte o real. Ela é uma quase verdade. A mecânica quântica funciona por quê? Porque ela diz que, em certas circunstâncias, se eu apertar um parafuso, obtenho certo resultado. As grandes proposições, as grandes teorias, tudo se passa no Universo como se isso fosse verdade. Formalizei essa noção de verdade – é uma generalização da noção clássica de verdade. Ela é uma generalização da definição clássica de verdade de Tarski. Esse lógico deu uma definição notável para se poder tratar da noção de verdade em matemática, que é onde funciona. Quando se trata de física, é preciso de algo mais elástico. Propus para isso o conceito de quase verdade ou verdade parcial. Mas acho que minha concepção de verdade, rigorosamente, que é matemática, reflete mais ou menos as idéias de Charles Sanders Peirce [1839-1914], um dos maiores filósofos de todos os tempos. E acho que as grandes teorias, como a teoria quântica de campo, a mecânica quântica, a mecânica clássica de Newton, todas elas são quase verdadeiras, por exemplo. É comum dizerem que a relatividade desbancou a mecânica newtoniana. Isso é falso. Um avião ou uma ponte, por exemplo, são calculados pela mecânica newtoniana. E a mecânica quântica e a relatividade precisam da mecânica newtoniana. Senão, não funcionam. Como algo falso é usado em ciência? Exatamente porque, embora seja falso, é quase verdadeiro entre certos limites.

Porque ela funciona para algumas coisas em algumas situações.
Exatamente, tudo se passa em certas circunstâncias como se ela fosse verdadeira. É o “como se”.

E isso é expresso matematicamente.
Matematicamente. Sistematizei a teoria da ciência atual na quase verdade. Todas as grandes teorias físicas não são verdadeiras ipsis litteris, são quase verdadeiras. Se compararmos exatamente a relatividade com a realidade, há divergências. E, mesmo que ela refletisse exatamente a realidade, como é que saberíamos que ela reflete? Não dá para comparar teoria com realidade, estritamente falando.

De quando é essa sua teoria?
Da década de 1980, já faz algum tem­­­po. E, note o seguinte, para a mesma teo­ria quase verdadeira há infinitas outras teorias quase verdadeiras, posso provar isso. E essas infinitas teorias quase verdadeiras são incompatíveis entre si. Então, a lógica da quase verdade é uma lógica paraconsistente.

Para terminar, o que é o conhecimento científico?
Penso que conhecimento científico é uma crença quase verdadeira e justificada. Essa é minha versão da concepção clássica de conhecimento que remonta a Platão. Nesta, o conhecimento deveria ser verdade estritamente falando; o que fiz foi substituir verdade por quase verdade.

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SOBRE A LÓGICA EM GERAL

Por Newton da Costa


A lógica, segundo a tradição, nasceu com Aristóteles (384-322 a.C). Pouco evoluiu no curso da história até os séculos XIX e XX, quando sofreu uma transformação extraordinária, dando origem, por assim dizer, a uma nova ciência.

A lógica era a disciplina das inferências válidas, das deduções. Porém, hoje, ela é uma ciência matemática, absolutamente não trivial, como tinha sido até o século XIX. O estudo das inferências válidas constitui, apenas, uma das possíveis aplicações da lógica. Ela encerra atualmente temas tais como lógica algébrica, teoria de modelos, teoria da recursão, lógicas probabilísticas, forcing, fundamentos da teoria de conjuntos e de categorias, forking, lógicas não clássicas, máquinas de Turing e teoria das valorações. Ela está intimamente correlacionada com a matemática e tem contribuído para a solução de problemas abertos em matemática.

Por outro lado, sua influência na cultura em geral é extraordinária. Os teoremas de incompletude de Gödel, por exemplo, contribuíram para a melhor compreensão do poder da matemática e da própria razão, evidenciando que um tema técnico e difícil de lógica pode ter conseqüências filosóficas de relevo. Os trabalhos de computação teórica, ramo muito rico da teoria lógica da recursão, devidos ao lógico Turing, governam toda a informática atual, com enorme influência em ciência, tanto pura como aplicada, e em filosofia da matemática e da ciência em geral.

A lógica encontrou aplicações as mais variadas: em filosofia, ciência e tecnologia. Deixando-se de lado as aplicações à filosofia (definição de verdade de Tarski, axiomatigação de aspectos da ética, fundamentação de sistemas metafísicos, etc.), à ciência (reformulação da lógica da inferência indutiva, lógica quântica, etc.), mencionaremos algumas tecnologias de uma lógica não-clássica, a lógica paraconsistente: em controle de tráfico de trens, em controle de tráfego aéreo, em finanças e economia, em inteligência artificial e em teoria da decisão.

Sobre a lógica paraconsistente

A lógica clássica, bem como várias outras lógicas, não é apropriada para a manipulação de sistemas de premissas ou de teorias que encerram contradições (nas quais uma proposição e sua negação são ambas teoremas da teoria ou conseqüências dos sistemas de premissas). Porém, nas ciências figuram contradições que são difíceis ou impossíveis de serem eliminadas (o que ocorre, por exemplo, em física, onde a teoria da relatividade geral e a mecânica quântica são logicamente incompatíveis, em direito, onde os códices jurídicos sempre apresentam inconsistências, etc.). Por isso, tornou-se imperativo que se criassem lógicas que pudessem “suportar” contradições: tal é essa essência da paraconsistência. Em geral, uma lógica paraconsistente não implica que a clássica está errada, mas a generaliza. A lógica paraconsistente engloba a lógica fuzzy e tem encontrado as mais variadas aplicações, tanto teórica como práticas. Em especial, ela inspirou uma nova filosofia da ciência e estendeu o campo da razão.

http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=3536&bd=1&pg=1&lg=

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Offline Tupac

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #3 Online: 20 de Junho de 2008, 21:48:26 »
Nunca havia ouvido falar desse brasileiro fantastico. O Brasil perde ao não valorizar seus talentos, enquanto Paulo Coelho e o Bispo são aclamados pela midia, verdadeiras mentes pensantes ficam no anonimato, pelo menos no Brasil. Temos muito que aprender com os EUA e todos os outros países que "endeusam" seus habitantes proeminentes em ciencias.

Só não concordo muito com sua logica quando ele diz que bach é eterno, não tenho o minimo gosto por musica classica, bom talvez tenha o minimo, mas não gosto, e colocaria outro estilo musical no lugar dela, mas enfim...
"O primeiro pecado da humanidade foi a fé; a primeira virtude foi a dúvida."
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Offline Luiz Souto

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #4 Online: 20 de Junho de 2008, 23:46:14 »
Nunca havia ouvido falar desse brasileiro fantastico. O Brasil perde ao não valorizar seus talentos, enquanto Paulo Coelho e o Bispo são aclamados pela midia, verdadeiras mentes pensantes ficam no anonimato, pelo menos no Brasil. Temos muito que aprender com os EUA e todos os outros países que "endeusam" seus habitantes proeminentes em ciencias.

Só não concordo muito com sua logica quando ele diz que bach é eterno, não tenho o minimo gosto por musica classica, bom talvez tenha o minimo, mas não gosto, e colocaria outro estilo musical no lugar dela, mas enfim...

Blasfêmia, blasfêmia !!
Saiba que únicos argumentos com alguma validade do Design Inteligente são a música de Bach e a Isabelle Adjani.


Muito boa a entrevista  , vou ver se compro o livo de fundamentos de lógica.
Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

A liberdade só para os que apóiam o governo,só para os membros de um partido (por mais numeroso que este seja) não é liberdade em absoluto.A liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para quem pensa de maneira diferente. - Rosa Luxemburgo

Conheça a seção em português do Marxists Internet Archive

Offline Herf

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #5 Online: 21 de Junho de 2008, 00:13:54 »
Boa entrevista mesmo.

Offline Herf

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #6 Online: 21 de Junho de 2008, 00:19:25 »
Como vê o baixo nível do ensino e aprendizagem de matemática no Brasil?

É uma barbaridade. Convivi com o ensino secundário dos Estados Unidos, na escola pública de Berkeley. Lá existe o que eles chamam de honour courses, cursos de honra. Os alunos que querem fazer cursos técnicos, como mecânica de automóveis, têm um mínimo de aulas de inglês, história etc. Depois, se quiserem, podem completar os créditos com os outros cursos. Mas os honour courses só fazem aqueles que querem ir para a universidade. São turmas pequenas, de 10, 12 alunos, com professores em tempo integral. O ensino envolve cálculo diferencial, cálculo integral, computação, geometria analítica... A pessoa entra de livre e espontânea vontade e se compromete a não ter nota baixa. Se não acompanhar, sai. Depois que acaba o curso, bastam duas cartas de recomendação dos professores para entrar na universidade. Se o aluno for bom nesses cursos, já está na universidade. Por várias vezes sugeri fazer algo semelhante aqui, mas sempre me dizem que não é democrático, que é elitista...
Lamentável.

Offline Tupac

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #7 Online: 21 de Junho de 2008, 00:25:44 »
lamentavel³³³³²²²³²³²³³²³³³³²³³³²²²³³²³²³³³³³³³³²²³²³³²²³³² ³³²²³³²²³³

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Blasfêmia, blasfêmia !!
Saiba que únicos argumentos com alguma validade do Design Inteligente são a música de Bach e a Isabelle Adjani.
talvezzzz por isso que o design Inteligente esteja tão desacreditado :histeria:
« Última modificação: 21 de Junho de 2008, 00:27:54 por Tupac »
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Offline FxF

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #8 Online: 21 de Junho de 2008, 00:30:10 »
Típico. Valorizar um talento aqui é considerado discriminação. Aí o diploma "merece" ir para o mais incompetente, para fazer justiça social.
« Última modificação: 21 de Junho de 2008, 01:12:47 por Ilovefoxes »

Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #9 Online: 21 de Junho de 2008, 00:57:18 »
Conheço pessoalmente. Uma figura! Uma pessoa culta e bem humorada. É o brasileiro vivo mais citado no mundo inteiro.

Offline Tupac

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #10 Online: 21 de Junho de 2008, 01:00:50 »
Citar
É o brasileiro vivo mais citado no mundo inteiro.
Menos no Brasil.*
Que privilégio você tem hein!?


*Ou talvez eu que seja mal informado :lol:
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Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #11 Online: 21 de Junho de 2008, 01:11:58 »
Citar
É o brasileiro vivo mais citado no mundo inteiro.
Menos no Brasil.*
Que privilégio você tem hein!?


O mundo da lógica é pequeno. Todos meus professores de lógica foram alunos do Costa.
Para ilustrar como o mundo da lógica é pequeno, este ano eu fui para o XIV Simpósio Latino-Americano de Lógica Matemática em Paraty e do meu lado no ônibus sentou ninguém menos que o Raymond Smullyan! E eu estava lendo um livro dele!

Offline Tupac

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #12 Online: 21 de Junho de 2008, 01:26:18 »
kkk, ele é a cara de Deus, sera que são gemeos separados no nascimento???

putz cara, mesmo sendo pecado, te invejo.

Você conversou com ele??? se sim, sobre o que???

que legal, adoro "celebs" :lol:

vamos fazer uma especie de TV fama da ciencia que tal?? kkkk
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Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #13 Online: 21 de Junho de 2008, 01:43:24 »
kkk, ele é a cara de Deus, sera que são gemeos separados no nascimento???

putz cara, mesmo sendo pecado, te invejo.

Você conversou com ele??? se sim, sobre o que???


Claro que conversei! Pedi para ele assinar o livro e até discuti uma questão tratada nele. Depois, na parada, eu ainda o ajudei a pedir um lanche.

vamos fazer uma especie de TV fama da ciencia que tal?? kkkk


Ninguém iria assistir.

Offline JUS EST ARS

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #14 Online: 11 de Outubro de 2008, 15:55:05 »


Citação de: Dante, the Wicked
Vários outros assuntos relacionados às lógicas paraconsistentes surgem da aplicação das lógicas paraconsistentes à ciência do direito e à ética. Nas lógicas deônticas, noções como "obrigatório" e "permitido" podem ser tratadas formalmente, e esses operadores podem ser interpretados como obrigatoriedade ou permissividade perante a lei, ou em conformidade com algum sistema moral ou ético. Por exemplo, a tomada de decisões que envolvem a possibilidade da existência "real" dos chamados dilemas deônticos é de interesse filosófico e científico.

Um dilema deôntico, falando por alto, seria como: "algo é obrigatório, mas sua negação também o é", como na recente discussão sobre a anencefalia de certos fetos, caso em que a obrigatoriedade (ética) da gestação até o fim conflita com a obrigatoriedade da saúde física e psicológica da mãe. Nesses há conflito de normas, de modo que dilemas deônticos surgem como "reais", e não como algo apenas aparente.

Em faculdades de Direito há muito tempo foi abolida a lógica como disciplina obrigatória, e por isso, quase não há cursos que a incluam em sua grade; eu particularmente nunca vi sequer como opcional.

A lógica clássica possui pouca aplicabilidade prática no Direito, na medida em afirmativas falaciosas (sob o critério da lógica clássica) como as abaixo, são tidas como verdadeiras para o universo jurídico:


  • "quem pode o mais, pode o menos";
  • "onde há uma mesma razão, deve haver um mesmo direito";
  • "a vontade da lei é a vontade do povo";
  • "o povo criou a Constituição, mas as cláusulas pétreas não podem ser alteradas pelo povo";
  • "o réu que perde o prazo de resposta está concordando com os termos do pedido do autor";
  • "ninguém pode alegar a própria torpeza em sua defesa"; etc.


De outro lado, a dialética e o silogismo são inerentes ao raciocínio jurídico, e há critérios hermenêuticos próprios do Direito.

Gostei especialmente da lógica deôntica, que não conhecia, mas não há no wikipedia artigo tratando dela. É mencionada pontualmente no artigo de lógica, da seguinte forma:

Citação de: Wikipedia, Lógica
Lógica deôntica: forma de lógica vinculada à moral, agrega os princípios dos direitos, proibições e obrigações. As sentenças na lógica deôntica são da seguinte forma: "é proibido fumar mas é permitido beber", "se você é obrigado a pagar impostos, você é proibido de sonegar", etc.

Como você fez referência a ela em sua mensagem, gostaria de saber como a lógica deôntica trata os exemplos dados que mencionei acima, e se você sabe me indicar algum autor que trata da lógica deôntica aplicada ao Direito.



« Última modificação: 11 de Outubro de 2008, 15:58:43 por JUS EST ARS »

Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #15 Online: 11 de Outubro de 2008, 19:44:44 »


Citação de: Dante, the Wicked
Vários outros assuntos relacionados às lógicas paraconsistentes surgem da aplicação das lógicas paraconsistentes à ciência do direito e à ética. Nas lógicas deônticas, noções como "obrigatório" e "permitido" podem ser tratadas formalmente, e esses operadores podem ser interpretados como obrigatoriedade ou permissividade perante a lei, ou em conformidade com algum sistema moral ou ético. Por exemplo, a tomada de decisões que envolvem a possibilidade da existência "real" dos chamados dilemas deônticos é de interesse filosófico e científico.

Um dilema deôntico, falando por alto, seria como: "algo é obrigatório, mas sua negação também o é", como na recente discussão sobre a anencefalia de certos fetos, caso em que a obrigatoriedade (ética) da gestação até o fim conflita com a obrigatoriedade da saúde física e psicológica da mãe. Nesses há conflito de normas, de modo que dilemas deônticos surgem como "reais", e não como algo apenas aparente.

Em faculdades de Direito há muito tempo foi abolida a lógica como disciplina obrigatória, e por isso, quase não há cursos que a incluam em sua grade; eu particularmente nunca vi sequer como opcional.

A lógica clássica possui pouca aplicabilidade prática no Direito, na medida em afirmativas falaciosas (sob o critério da lógica clássica) como as abaixo, são tidas como verdadeiras para o universo jurídico:


  • "quem pode o mais, pode o menos";
  • "onde há uma mesma razão, deve haver um mesmo direito";
  • "a vontade da lei é a vontade do povo";
  • "o povo criou a Constituição, mas as cláusulas pétreas não podem ser alteradas pelo povo";
  • "o réu que perde o prazo de resposta está concordando com os termos do pedido do autor";
  • "ninguém pode alegar a própria torpeza em sua defesa"; etc.


De outro lado, a dialética e o silogismo são inerentes ao raciocínio jurídico, e há critérios hermenêuticos próprios do Direito.

Gostei especialmente da lógica deôntica, que não conhecia, mas não há no wikipedia artigo tratando dela. É mencionada pontualmente no artigo de lógica, da seguinte forma:

Citação de: Wikipedia, Lógica
Lógica deôntica: forma de lógica vinculada à moral, agrega os princípios dos direitos, proibições e obrigações. As sentenças na lógica deôntica são da seguinte forma: "é proibido fumar mas é permitido beber", "se você é obrigado a pagar impostos, você é proibido de sonegar", etc.

Como você fez referência a ela em sua mensagem, gostaria de saber como a lógica deôntica trata os exemplos dados que mencionei acima, e se você sabe me indicar algum autor que trata da lógica deôntica aplicada ao Direito.





As lógicas deônticas adicionam certos operadores intensionais ao vocabulário lógico tais como:

"é obrigatório que" (OB)
"é permissível que" (PE)
"é impermissível que" (IM)
"é gratuito que" (GR)
"é opcional que" (OP)

Agora, entendendo letras minúsculas (p, q, r...) como variáveis sentenciais ("fazer isto", "fazer aquilo"), "=" como "é o mesmo que" ou "equivale a", "~" como "não", temos as seguintes relações entre estes operadores:

PEp = ~OB~p (i.e., ser permitido p equivale a não ser obrigatório não-p)
IMp = OB~p (i.e., ser impermissivel p equivale a ser obrigatório não-p)
GRp = ~OBp (i.e., ser gratuito p equivale a não ser obrigatório p)
OPp = (~OBp & ~OB~p) (i.e., ser opcional p equivale a não ser obrigatório p e não ser obrigatório não-p)

Geralmente sistemas de lógica deôntica são regidos pelos seguintes axiomas:

OBp -> PEp (i.e., se é obrigatório p, então é permitido p)
OB(p->q) = OBp->OBq (i.e., 'se é obrigatório que se p, então q' equivale a 'se é obrigatório p, então é obrigatório q').

Assim, podemos formalizar algumas das sentenças que você postou assim:

  • "onde há uma mesma razão, deve haver um mesmo direito";
%5Cforall+x+%5Cforall+p+%5Cforall+q%28px+%5Crightarrow+OBqx%29+%5Cto+%5Cneg+%5Cexists+y%28px%26amp%3B+%5Cneg+OBqy%29
i.e.: Se 'para todo indivíduo x, para toda situação p e para toda situação q, p leva x a estar obrigado a q', então 'não existe [sequer] um indivíduo y tal que y esteja em situação p e não esteja obrigado a q'.

  • "ninguém pode alegar a própria torpeza em sua defesa"; etc.
IMp%5Cto%5Cneg+%5Cexists+x+%28Ax%5Cto+PEpx%29
i.e.: Se é impermissível p, então não há sequer um indivíduo x que, por verificar um atributo A, lhe seja permitido p.

  • "o povo criou a Constituição, mas as cláusulas pétreas não podem ser alteradas pelo povo";
Bem... já é uma limitação de todos os sistemas de lógica monotônicos que as premissas sejam pétreas.

Offline JUS EST ARS

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #16 Online: 12 de Outubro de 2008, 04:51:10 »


Bom, como imaginei, não adiantou muito :D

Ela traduz para a forma de operadores lógicos postulados jurídicos, mas que na prática, por existirem exceções, de nada adianta. É que, p. ex., a regra geral é que não se pode alegar a própria torpeza em defesa, mas se o ato for absolutamente nulo então se poderá usar de tal afirmativa.

Assim, creio que formular por operadores lógicos as proposições e mais as exceções cabíveis será trabalho especialmente complexo. Isso se for considerar somente as regras positivadas. Considerar os princípios que se sobrepõe às regras é trabalho virtualmente impossível.

Ex:
Quem subtrai coisa alheia móvel comete crime de furto.
Quem furta está sujeito à pena de reclusão de um a quatro anos, e multa.
Portanto, quem subtrai coisa alheia móvel está sujeito à pena de reclusão de um a quatro anos, e multa.

Acontece que, de acordo com as exceções positivadas:
1. A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
2. Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
3. Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
4. A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; ou com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; ou com emprego de chave falsa; ou mediante concurso de duas ou mais pessoas.
5. A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

Há outros ainda a serem considerados (a pena pelo crime tentado; a prescrição; o arrependimento eficaz; o estado de necessidade; a incidência de outras causas de extinção da tipicidade, ilicitude ou culpabilidade; ser o réu maior de 18 anos; outras causas de exclusão de imputabilidade; etc.).

Há ainda as exceções não positivadas, que são regidas por princípios que não se encontram em qualquer lei (princípio da insignificância; furto de uso; furto famélico; etc.).



Ter-se-ia que incluir na regra por operadores lógicos todas essas variáveis para se ter um postulado verdadeiro ante o direito positivado e o jusnaturalismo. Em resumo, o operador lógico ficaria de tal forma complexo que perderia sua utilidade prática frente a se ter normas escritas por extenso, que já existem.

Agradeço a resposta de qualquer forma  :ok:


Offline JUS EST ARS

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #17 Online: 12 de Outubro de 2008, 05:54:59 »


Além disso, a hermenêutica jurídica se pauta por valores não dogmáticos e flexíveis, de forma que mesmo feito um sistema lógico que abrangesse todas as possibilidades acima, ele ainda assim seria falho.

Perelman, ilustrando a questão da problematicidade envolvida num dos mais prosaicos casos jurídicos, merece transcrição. Ele supõe uma regra:

"É proibida a entrada de veículos neste parque".

Uma regra singularmente clara, higienizada de qualquer ambigüidade ou subjetividade. Ainda assim, o dispositivo daria azo a extensas indagações, quando de sua aplicação à concretude dos fatos. Perelman discorre:

"Suponhamos que um guarda postado na frente dos gradis do parque seja o primeiro juiz. Esse guarda vê alguém entrar com um carrinho de bebê. Pergunta-se: será que é um veículo? Não, diz com seus botões, não é um veículo, deixemos passar. Depois entra uma criança pequena com um automóvel elétrico: bem, vamos deixá-la entrar. Diz ele consigo mesmo: um veículo é um automóvel, ou uma motocicleta, tudo que faz barulho, que polui o ar, é isso que se quer eliminar. Há, aí, uma primeira interpretação da palavra veículo, que se interpreta consoante certa finalidade do regulamento, pergunta-se o porquê dessa prescrição. E, depois, eis que vem uma ambulância, alguém teve uma crise cardíaca: deve-se deixar entrar a ambulância dentro do parque? Que irá dizer o juiz, a lei é clara e sem ambigüidade? Mas, dirá ele: caso de força maior. E, depois, uma criança caiu e quebrou a perna e chamam um táxi para conduzi-la ao hospital, e, depois, uma mulher grávida foi pega de surpresa no parque, e queriam levá-la de carro à maternidade."


Reduzido o mandamento "É proibida a entrada de veículos neste parque" aos resultados de verdadeiro / falso, que se exige de um sistema lógico, as situações mencionadas acima se tornariam falsas, em dissonância com o sistema, e inaplicáveis; assim, injustas.

Creio que a lógica é muito útil ao Direito, mas por não ser uma ciência dogmática do ponto de vista da adequação do trinômio fato - valor protegido - lei, não há realmente como depender exclusivamente dela.



Offline Nyx

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #18 Online: 12 de Outubro de 2008, 22:12:09 »
 :) Oiê, um amigo pediu que eu postasse um texto dele aqui, então estou postando tá?   :P


Citar
Muito interessante a sagacidade com que os doutos acadêmicos fazem acreditar que o saber a lógica é alguma coisa para não mais que estudantes e motivo de simples especulações.

Não, a Lógica não, mas sabem o que é um silogismo, que fique muito bem claro isto!

Sabem o exemplo típico de regra universal vulgarizada na época de Aristóteles, isso se, ja não se esqueceu de modo que só tenha sobrado uma tripa de reminiscência que faz lembrar como eram lógicos os Aristotélicos:

Citação de: Aristoteles
Todo Homem é mortal
Ora, Sócrates e Homem
logo
Sócrates é mortal.

Ou seja, a causa valida, o feito lógico, mas, para efeito de todas as causas, a santa afirmação falsa: todo homem é mortal, ou será que é mesmo todos mortais, lógicos ?

E eu digo porque é falsa.

Porque ela conduz esse lógico à um retrocesso na gênese do que é o "homem", "racional", "mortal" ou qualquer outro atributo, "conceito" postulado, por mais universal que se arrisque fazer, e tem de o fazer recorrendo então para a História; Porém, a história em si é que é a própria chaga que esteja necessariamente fora do diálogo para que se chegue a ser lógico.

Mas não desespereis! Só não se aventurem em alucinações lógicas com esta pretensão, pois ja lhes disse qual vai ser a resposta!

Está célebre figura do Aristóteles fazendo alusão aos discursos de Sócrates ouve de repercutir muito neste meio "intelectualizado" sem sequer ser compreendida em essência e causando esse equívoco... multívoco.

O espécime mais vivo dos silogismos do mundo antigo, esse é o mito.

Citar
Acredito que a paraconsistência seja uma das maiores novidades em lógica da segunda metade do século XX.
G. H. von Wright

Como se a lógica viesse mudando muito desde Aristóteles, ou melhor, "melhorado" muito, porque mudada foi, e muito, invertendo-a em papel: tornaram-na a regra !!

Parei aqui, ja que posso começar ensinando uma pequena parte da lógica pela falsidade dessa afirmação: quando uma premissa é falsa, a consequência dela será necessariamente falsa.

É essa as vossas únicas lógica: A lembrança de um único silogismo. O silogismo, ou seja, a regra, equanto a lógica em si, cuida das excessões desta regra.

Ora pois:

Se todos vós conhecem um silogismo
Ora, um único silogismo não é a lógica
logo
Nenhum de vós conhece a lógica.

Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #19 Online: 12 de Outubro de 2008, 22:59:08 »
Lela, seu amigo disse, disse... e não disse nada.
Diz para o seu amigo que eu disse que o texto dele é uma merda sem sentido.
« Última modificação: 12 de Outubro de 2008, 23:04:27 por Dante, the Wicked »

Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #20 Online: 12 de Outubro de 2008, 23:11:18 »
JUS, a placa poderia ser menos ambígua caso estivesse escrito "salvo motivos de força maior, é proibida a entrada de veículos auto-motivos neste parque". A condição é tão óbvia que pode ser assumida tacitamente.

Offline Moro

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #21 Online: 12 de Outubro de 2008, 23:14:47 »
Lela, seu amigo é o Dionisiosbruble/Bluepill??

Pode falar que eu disse que o texto dele é uma merda também... hahaha
“If an ideology is peaceful, we will see its extremists and literalists as the most peaceful people on earth, that's called common sense.”

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"To claim that someone is not motivated by what they say is motivating them, means you know what motivates them better than they do."

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Offline JUS EST ARS

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #22 Online: 12 de Outubro de 2008, 23:42:10 »


JUS, a placa poderia ser menos ambígua caso estivesse escrito "salvo motivos de força maior, é proibida a entrada de veículos auto-motivos neste parque". A condição é tão óbvia que pode ser assumida tacitamente.

Isso é meramente um exemplo para demonstrar que nem sempre o que uma regra   quer dizer deve ser levado ao pé da letra. A mesma situação se aplica às placas comumente encontradas de "proibido pisar na grama"; "proibido estacionar"; "proibido se deslocar a mais de 80 km/h" etc.

O que importa para realçar a diferença é a questão dos valores. Estes não são dogmáticos, e daí porque não se pode aplicar um sistema meramente lógico na esfera do Direito.

Enquanto que para as exatas o sistema lógico verdadeiro/falso se refere a algo de valor dogmático, objetivamente apreciável (se houver movimento, tocar alarme), no âmbito do Direito, os valores não são desta forma dogmáticos nem objetivamente apreciáveis (se matar, vai preso - pode ter ocorrido legítima defesa, estado de necessidade, etc.).

Ainda, o Direito trata da reconstrução de um fato verdadeiro, de forma que o que se revela no processo, não necessariamente é o que de fato aconteceu. Enquanto que em sistemas dogmáticos se trabalha a partir de elementos cuja veracidade é explícita, e dirigidos para o presente ou futuro (quero que toque o alarme se houver movimento), no Direito visa, na maior parte do tempo a solucionar eventos que já ocorreram, e por isso, a verdade não é verificável na igual proporção (quero punição a este que furtou minha carteira).

A lei é criada de modo a contemplar situações gerais e abstratas (é proibido matar), ao passo que a solução do litígio é sempre voltada para situações concretas (a punição do sujeito que matou), onde se avalia a adequação do que a lei estabelece, o valor que ela pretende resguardar, e sua subsunção ao fato concreto em análise. A partir de quando se coloca a questão valorativa em pauta, qualquer sistema de lógica perde a utilidade.

A chave do problema, e que não se resolve simplesmente fazendo uma ressalva do tipo "salvo motivo de força maior", são os valores. Imagine um sistema puramente lógico que previsse a regra "é proibido furtar", e dois réus, um que se apropria de um real e outro que se apropria de um milhão. A solução lógica de ambos casos é o envio de ambos à prisão.

Aplicando-se a análise valorativa, que é o juízo de desvalor sobre o furto de um real, se verifica que a norma que proíbe o furto visa resguardar o bem jurídico patrimônio alheio; se a lesão a esse bem jurídico é insignificante, então não há como se enviar à prisão quem comete um ato insignificante; portanto, o réu de um real deve ser absolvido.

Isso é apenas um exemplo de situação em que a lógica teve que ser consertada. Enquanto que em sistemas lógicos se considera a análise de fatos com valor dogmático, objetivamente apreciável, e de veracidade explícita (se houver movimento, tocar alarme), o Direito lida com fatos sem valores dogmáticos, não objetivamente apreciáveis, e sem veracidade explícita (se for culpado, irá preso).

Logo, a lógica ajuda na análise do texto da lei e da aferição do fato, mas é inútil na tratativa dos valores.



Offline Eleitor de Mário Oliveira

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #23 Online: 13 de Outubro de 2008, 01:10:11 »
JUS, você apontou algo delicado que é o problema da vagueza. Existe um paradoxo famoso chamado "paradoxo de sorites", cuja uma das formulações mais famosas é assim:

Premissa 1: Se x grãos de areia são um monte de areia, então x-1 grãos de areia também são um monte de areia.
Premissa 2: 1.000.000 grãos de areia são um monte de areia.
Conclusão 1: 999.999 grãos de areia são um monte de areia.
Conclusão 2: 999.998 grãos de areia são um monte de areia.
Conclusão 3: 999.997 grãos de areia são um monte de areia.
...
Bem, antes de chegar a zero grãos de areia, já terá deixado de ser um monte de areia faz tempo. Mas em que ponto exatamente deixa de ser um monte de areia?
« Última modificação: 13 de Outubro de 2008, 12:42:33 por Dante, the Wicked »

Offline JUS EST ARS

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Re: Lógica paraconsistente
« Resposta #24 Online: 13 de Outubro de 2008, 09:49:45 »


Exato. Esse raciocínio se aplica ao exemplo dado do cara que furta um real (isso é furto?); ao cara que se excede na legítima defesa (é legítima defesa?); ao que furta comida para saciar fome (é furto?); etc.



 

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