Veja bem. Antes de termos compromissos com a doutrina, temos compromissos com a nação.
Qual nação, e por que ela merece seu comprometimento? E por que esse compromisso viria antes da sua convicção religiosa?
Se você fosse soldado e fosse ordenado a cometer assassínio de civis estrangeiros sem provocação, como se aplicaria essa questão? O compromisso com a nação viria primeiro, realmente?
Sim. O respeito às leis humanas é um princípio básico da doutrina. Respeitar as leis humanas é respeitar as leis de Deus, em nossa opinião. Se fizesse parte das forças armadas e uma ordem dessas me fosse dada sem recurso, faria todo o possível ao meu alcance para evitar que tal coisa acontecesse. Se não pudesse evitar, faria todo o possível para atenuar o máximo que pudesse. Lembra-se do general alemão que salvou O Pianista? Era um general que não concordava com o regime nazista, mas nem por isso desertou e atenuou o máximo que pôde os efeitos da guerra. Mas, entretanto, quantas pessoas não devem ter morrido sob suas ordens? Bastante, eu acredito. Mas nem por isso deixou de ser uma boa pessoa e teríamos muito orgulho se tivesse sido espírita.
Não fazer parte das forças armadas não significa resolver o problema da guerra. Muito pelo contrário, seria torná-la muito mais cruel, porque então deixaríamos as forças armadas para os carniceiros de fato. Isso vale para qualquer religião, não só a espírita.
Aqui você deixa escapar uma convicção de que espíritas são menos cruéis do que outros. É perigoso pensar dessa maneira.
Pensei ter escrito que isso valia para qualquer religião, não só a espírita. Mas vou retirar a palavra "religião". Se as pessoas de bem (de qualquer religião ou mesmo ateus e céticos) se recusarem a exercer cargos "duros" como polícia e forças armadas, na realidade estaremos entregando a guarda do galinheiro para as raposas. Felizmente isso não acontece todo o tempo.
Estamos no mundo para atuar nele, e não para sermos indiferentes. Covardia e indiferença não é o nosso lema. As forças armadas representam um trabalho como outro qualquer, como ser um policial, um bombeiro, etc... Vamos viver sem essas coisas e abandonar a sociedade aos arruaceiros? Isso é inteligente? Isso é moral? Acho que não.
Bombeiros existem porque há incêndios e emergências, policiais porque há crime, Forças Armadas para usar de força em nome do Estado. O que essas profissões tem em comum é que devemos buscar torná-las o menos necessárias possível. Não falta evidência prática de que as Forças Armadas (e a Polícia) podem ser usadas de forma abusiva e imoral.
Concordo com você que devemos tornar essas profissões o menos necessárias possível. Mas ainda não chegamos nesse nível e elas ainda são bastante necessárias. Não é abstendo-se de exercê-las que resolveremos o problema.
Ninguém nunca disse que os espíritas são perfeitos.
Nem é essa a questão que estou apresentando. Perfeito ninguém é. Mas muitos tem doutrinas ou filosofias de vida menos contraditórias e menos encorajadoras de corrupção moral do que a espírita.
Isso é uma opinião sua, suponho.
Também temos a nossa "banda não evoluída". E quem sabe eu mesmo não faça parte dela? Quanto aos espíritas dizerem estarem sempre certos, pelo menos com relação a mim, quantas vezes você me ouviu dizer isso?
Se bem me lembro eu falei de convicção descuidada, não de anúncio público. Anúncio não é algo tão sério, pois a comunicação leva naturalmente à reação de outras pessoas. Mas acreditar que se é mais evoluído do que os outros é algo muito sério, pois leva a distorções de caráter difíceis de corrigir.
O fato de crermos termos uma doutrina melhor do que as outras, não nos faz acreditar sermos melhores do que os outros e muito menos de estarmos sempre certos. O que a doutrina recomenda é que procuremos praticar o "conhecimento de si mesmo", buscando as nossas imperfeições e corrigindo-as na medida do possível (questão 919 do LE).
Agora, quanto a dizer que os espíritas acham que sua doutrina está certa, não há nada mais natural. Caso contrário não seriam espíritas. Não posso ser espírita pensando ser o catolicismo o mais certo. Seria incoerência.
Claro. Mas, novamente: esse não é o ponto. Uma coisa é ter uma crença, outra é fazer dela o eixo central da sua vida.
Essa afirmação sua não contradiz frontalmente a sua opinião na primeira citação?
Eu não diria um eixo central, mas um eixo muito importante. Ter uma crença qualquer e ela não influenciar o seu comportamento de alguma forma, é ter uma crença inútil. O meu comportamento, por exemplo, é profundamente influenciado pela DE.
Um abraço.