Autor Tópico: Populismo destrói democracia na América Latina, diz estudo  (Lida 3149 vezes)

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Offline JJ

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Re:Populismo destrói democracia na América Latina, diz estudo
« Resposta #25 Online: 28 de Julho de 2017, 13:18:37 »
Os dez mandamentos do populismo

Enrique Krauze*


O populismo na América Latina adotou um amálgama desconcertante de posições ideológicas. Esquerdas e direitas poderiam reivindicar a paternidade do populismo, todas ao conjuro da palavra mágica "povo". Populista quintessencial foi o general Juan Domingo Perón, que havia atestado diretamente a ascensão do fascismo italiano e admirava Mussolini a ponto de querer "erigir-lhe um monumento em cada esquina". Populista pós-moderno é Hugo Chávez, que venera Fidel Castro a ponto de tentar converter a Venezuela numa colônia experimental do "novo socialismo". Os extremos se tocam, são cara e coroa de um mesmo fenômeno político cuja caracterização não se deve tentar, contudo, pela via de seu conteúdo ideológico, mas sim de seu funcionamento. Proponho dez traços.


1 - O populismo exalta o líder carismático. Não há populismo sem a figura do homem providencial que resolverá os problemas do povo. "A entrega ao carisma do profeta, do caudilho na guerra ou do grande demagogo - recorda Max Weber - não ocorre porque a mande o costume ou a norma legal, mas porque os homens crêem nele."


2 - O populista não só usa e abusa da palavra: ele se apropria dela. A palavra é o veículo específico de seu carisma. O populista se sente o intérprete supremo da verdade geral e também a agência de notícias do povo. Fala com o povo de modo constante, incita suas paixões, "ilumina o caminho", e faz isso sem restrições nem intermediários. Weber assinala que o caudilhismo político surge primeiro nas cidades-Estado do Mediterrâneo na figura do "demagogo".


Aristóteles sustenta que a demagogia é a causa principal das "revoluções nas democracias", e percebe uma convergência entre o poder militar e o poder da retórica que parece uma prefiguração de Perón e Chávez: "Nos tempos antigos, quando o demagogo era também general, a democracia se transformava em tirania." Mais tarde desenvolveu-se a habilidade retórica e chegou a hora dos demagogos puros: "Agora os que dirigem o povo são os que sabem falar." Há 25 séculos essa distorção da verdade pública se desenvolvia na Ágora real; no século 20 ela o fezna Ágora virtual das ondas sonoras e visuais: de Mussolini (e Goebbels), Perón aprendeu a importância política do rádio para hipnotizar as massas. E Chávez superou o mentor Fidel ao usar até o paroxismo a oratória televisiva.


3 - O populismo fabrica a verdade. Os populistas levam às últimas conseqüências o provérbio latino: "Vox populi, vox Dei." Mas como Deus não se manifesta todos os dias e o povo não tem uma única voz, o governo "popular" interpreta a voz do povo, eleva essa versão à condição de verdade oficial, e sonha com decretar a verdade única. Os populistas abominam a liberdade de expressão. Confundem a crítica com inimizade militante, por isso buscam desprestigiá-la, controlá-la, silenciá-la. Na Argentina peronista, os jornais oficiais - incluindo um órgão nazista - contavam com generosos privilégios, mas a imprensa livre esteve a um passo de desaparecer. A situação venezuelana, com a "lei da mordaça" pendendo como uma espada sobre a liberdade de expressão, aponta no mesmo sentido; terminará por esmagá-la.


4 - O populista usa de modo discricionário os recursos públicos. Não tem paciência com as sutilezas da economia e das finanças. O erário é seu patrimônio privado, que ele pode usar para enriquecer-se ou para embarcar em projetos que considere importantes ou gloriosos sem levar em conta os custos. O populista tem uma concepção mágica da economia: para ele, todo gasto é investimento. A ignorância ou incompreensão dos governos populistas em matéria econômica se
traduziu em desastres descomunais dos quais os países levam décadas para se recuperar.


5 - O populista divide diretamente a riqueza. O que não é criticável em si (sobretudo em países pobres, onde há argumentos extremamente sérios para dividir, de fato, uma parte da receita, à margem das dispendiosas burocracias estatais e prevenindo efeitos inflacionários), mas o populista não divide de graça: focaliza sua ajuda e a cobra em obediência. "Vocês têm o dever de pedir!", exclamava Evita a seus beneficiários. Criou-se assim uma idéia fictícia da realidade econômica e entronizou-se uma mentalidade assistencialista. No fim, quem pagava a conta? Não a própria Evita (que cobrou seus serviços com juros e resguardou na Suíça suas contas multimilionárias), mas sim as reservas acumuladas em décadas, os próprios operários com suas doações "voluntárias" e, sobretudo, a posteridade endividada, devorada pela inflação. Quanto à Venezuela, até as estatísticas oficiais admitem que a pobreza aumentou, mas a improdutividade do assistencialismo só será sentida no futuro, quando os preços dispararem e o regime levar às últimas conseqüências seu propósito ditatorial.


6 - O populista alimenta o ódio de classes. "As revoluções nas democracias são causadas sobretudo pela intemperança dos demagogos", explica Aristóteles. O conteúdo dessa intemperança foi o ódio contra os ricos: "Algumas vezes por sua política de denúncias... e outras atacando-os como classe, (os demagogos) incitam contra eles o povo." Os populistas latinoamericanos correspondem à definição clássica, com uma nuance: fustigam "os ricos", mas atraem os "empresários patrióticos" que apóiam o seu regime. O populista não busca, necessariamente, abolir o mercado: sujeita seus agentes e os manipula a seu favor.


7 - O populista mobiliza permanentemente os grupos sociais. O populismo apela, organiza, inflama as massas. A praça pública é o teatro onde comparece "Sua Majestade, o Povo" para demonstrar sua força e escutar as inventivas contra "os maus" de dentro e de fora. "O povo", claro, não é a soma de vontades individuais expressas em um voto e representadas por um Parlamento; nem sequer a encarnação da "vontade geral" de Rousseau, mas uma massa seletiva e vociferante que caracterizou outro clássico, Marx - não Karl, mas Groucho: "O poder para os que gritam 'O poder para o povo!'"


8 - O populismo fustiga sistematicamente o "inimigo externo". Imune à crítica e alérgico à autocrítica, precisando apontar bodes expiatórios para os fracassos, o regime populista (mais nacionalista que patriótico) precisa desviar a atenção interna para o adversário de fora. A Argentina peronista reavivou as velhas (e explicáveis) paixões antiamericanas que ferviam na América Latina desde a guerra de 1898, mas Fidel converteu essa paixão na essência de seu triste regime, definido pelo que odeia, não pelo que ama, aspira ou consegue. E Chávez levou sua retórica antiamericana a expressões de baixeza que até seu mentor Fidel (talvez) consideraria de mau gosto. Ao mesmo tempo, faz representar nas ruas de Caracas simulacros de defesa contra uma invasão que só existe em sua imaginação, mas em que um setor importante da população venezuelana (contrária, em geral, ao modelo cubano) acaba acreditando.


9 - O populismo despreza a ordem legal. Há na cultura política ibero-americana um apego atávico à "lei natural" e uma desconfiança das leis feitas pelo homem. Por isso, uma vez no poder (como Chávez), o caudilho tende a se apoderar do Congresso e induzir a "justiça direta" ("popular", "bolivariana"), arremedo de uma Fuenteovejuna - a obra teatral de Lope de Vega sobre abuso de poder e justiça - que, para os efeitos práticos, é a justiça que o próprio líder decreta. Hoje, o Congresso e o Judiciário são um apêndice de Chávez, como na Argentina o eram de Perón e Evita, que suprimiram a imunidade parlamentar e depuraram, segundo a sua conveniência, o Poder Judiciário.



10 - O populismo mina, domina e, em último recurso, domestica ou cancela as instituições da democracia liberal. Ele abomina os limites a seu poder, considera-os aristocráticos, oligárquicos, contrários à "vontade popular". No limite de sua carreira, Evita buscou sua candidatura à vicepresidência. Perón se negou a apoiá-la. Se houvesse sobrevivido, seria impensável imaginá-la tramando a derrubada do marido? Não por acaso, em seus tempos aziagos de atriz radiofônica, representara Catarina, a Grande. Quanto a Chávez, ele declarou que seu horizonte mínimo é o ano 2020.  Por que renasce de tempos em tempos a erva daninha do populismo na América Latina? As razões são diversas e complexas, mas aponto duas. Em primeiro lugar, porque suas raízes se fundem em uma noção mais antiga de "soberania popular" que os neo-escolásticos do século 16 e 17 propagaram nos domínios espanhóis, que teve uma influência decisiva nas guerras de independência de Buenos Aires ao México. O populismo tem, além disso, uma natureza perversamente "moderada" ou "provisória": não termina sendo plenamente ditatorial nem totalitário; por isso alimenta sem cessar a enganosa ilusão de um futuro melhor, mascara os desastres que provoca, posterga o exame objetivo de seus atos, amansa a crítica, adultera a verdade, adormece, corrompe e degrada o espírito público. Desde os gregos até o século 21, passando pelo aterrador século 20, a lição é clara: o efeito inevitável da demagogia é subverter a democracia.



*Enrique Krauze é historiador mexicano



http://www.cella.com.br/conteudo/conteudo_65.pdf









« Última modificação: 28 de Julho de 2017, 13:27:04 por JJ »

Offline Fabrício

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Re:Populismo destrói democracia na América Latina, diz estudo
« Resposta #26 Online: 28 de Julho de 2017, 14:02:26 »
Ainda quem que no Brasil não temos ninguém com esse perfil  ::)...
"Deus prefere os ateus"

Offline Lorentz

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Re:Populismo destrói democracia na América Latina, diz estudo
« Resposta #27 Online: 28 de Julho de 2017, 16:49:22 »
Ainda quem que no Brasil não temos ninguém com esse perfil  ::)...

É interessante notar que todos os esquerdistas que odeiam o Temer o fazem porque o Temer não tem as qualidades acima. Não tem nada a ver com o estilo de governo, reformas e coisas do tipo, pois Lula e Dilma já haviam flertado com as mesmas reformas e ninguém piou.
"Amy, technology isn't intrinsically good or bad. It's all in how you use it, like the death ray." - Professor Hubert J. Farnsworth

Offline JJ

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Re:Populismo destrói democracia na América Latina, diz estudo
« Resposta #28 Online: 03 de Janeiro de 2018, 18:11:39 »
As quatro etapas do populismo econômico

Conseguimos sobreviver às três primeiras


O populismo econômico — ou a política econômica populista — pode ser caracterizado como um programa de governo que recorre a uma maciça intervenção do estado em vários setores da economia, incentiva o consumismo (ao mesmo tempo em que desestimula os investimentos de longo prazo), e incorre em déficits no orçamento do governo.


Além de se tratar de um modelo insustentável no longo prazo, o populismo econômico possui vários estágios entre sua adoção e seu inevitável fracasso.  A última década de extremo populismo na Argentina e na Venezuela [Nota do editor: e, em menor grau, no Brasil, como será demonstrado mais abaixo] pode ser descrita como tendo seguido exatamente este padrão.


Após observarem a experiência populista em vários países da América Latina, os economistas Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards identificaram em seu artigo "Macroeconomic Populism" (1990) quatro estágios universais inerentes ao populismo.  Ainda que o populismo possa apresentar uma grande variedade de políticas, certas características parecem estar presentes na maioria dos casos.


O populismo normalmente estimula uma mobilização social em prol do governo, faz uso maciço da propaganda glorificando determinados políticos, utiliza símbolos e práticas de marketing para incitar os sentimentos dos eleitores, e recorre frequentemente a uma retórica que apela à luta de classes.


O populismo é especialmente voltado para aqueles que têm uma renda baixa, ao passo que, paradoxalmente, as elites que controlam o partido dominante não explicam a fonte da milionária renda do seu líder. 


Governantes populistas têm facilidade em utilizar bodes expiatórios e em recorrer a teorias conspiratórias para explicar por que o país está passando por dificuldades, ao mesmo tempo em que se apresentam à população como os salvadores da nação. Para alguns, o populismo está associado à esquerda e a movimentos socialistas; para outros, à direita e a políticas fascistas.


Os quatro estágios do populismo, identificados por Dornbusch e Edwards, são:


Estágio I


O populista é eleito e faz um diagnóstico sobre tudo o que está ruim na economia. Ato contínuo, ele implanta políticas voltadas para atacar os sintomas e não para curar a doença. Há aumento dos gastos, há inchaço da máquina pública e há incentivos ao consumismo (mas não ao investimento de longo prazo). 


Nos primeiros anos de governo, as políticas aparentemente funcionam. A política macroeconômica mostra bons resultados, como um PIB crescente, uma redução no desemprego, um aumento real nos salários etc.


Como a economia está partindo de uma base baixa, há o chamado "hiato do produto", que é a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial. Isso permite que estímulos econômicos artificiais gerem um crescimento econômico grande no curto prazo e sem pressões inflacionárias. 


Adicionalmente, o governo paga pelas importações utilizando as reservas do banco central (artifício esse favorito de Venezuela e Argentina) e impõe regulamentações para controlar alguns preços (uma política de congelamento de preços é aplicada em simultâneo a uma política de subsídios para grandes empresas).


Tudo isso faz com que a inflação de preços fique relativamente sob controle.


Estágio II


Alguns gargalos começam a aparecer, pois as políticas populistas enfatizaram o consumismo e se esqueceram do investimento (mesmo porque os populistas tendem a demonizar empresários capitalistas).


Como consequência, o estoque de capital do país está sendo consumido mas não está sendo reposto. A produtividade cai.


Adicionalmente, as reservas internacionais utilizadas para pagar pela importação de produtos básicos também começam a cair.


Um aumento nos preços de vários bens — até então controlados — se torna imperativo, pois os produtos estavam se tornando escassos. Esse aumento geral de preços, o que equivale a uma redução no poder de compra da moeda e a um aumento do custo de vida, frequentemente leva a uma desvalorização na taxa de câmbio. Os preços dos serviços de utilidades públicas (eletricidade, tarifas de ônibus etc.) e da gasolina, controlados pelo governo, também começam a subir, pois o governo necessita de mais receitas.


Tal cenário leva a uma fuga de capitais, a qual é momentaneamente estancada pela imposição de controle de capitais. Investidores estrangeiros fogem do país, o que reduz ainda mais os investimentos produtivos.


O governo tenta controlar seu orçamento e seus déficits, mas fracassa. Dado que o custo dos prometidos subsídios à eletricidade, à gasolina e a algumas grandes empresas (as favoritas do governo) aumenta continuamente apenas para compensar o aumento do custo de vida, os déficits do governo aumentam. 


Novos impostos são criados e alíquotas são majoradas. A economia informal começa a crescer.


Nesse ponto, reformas fiscais se tornam necessárias, mas são evitadas pelo governo populista, pois elas vão contra toda a retórica do governo e toda a sua base de apoio.


Estágio III


Desabastecimentos e vários problemas relacionados à escassez se tornam significativos. Dado que a taxa nominal de câmbio não foi desvalorizada no mesmo ritmo da inflação de preços, há uma saída contínua de capitais (as reservas internacionais caem ainda mais). No extremo, a alta inflação de preços empurra a economia para uma desmonetização. A moeda local é utilizada apenas para transações domésticas. Os cidadãos passam a poupar em dólares americanos.


A queda na atividade econômica afeta as receitas tributárias do governo, piorando ainda mais os déficits orçamentários. O governo tem de cortar subsídios.


Para estancar a perda de reservas internacionais, uma nova desvalorização da taxa de câmbio é feita. O custo de vida dispara, a renda real dos cidadãos despenca, e sinais de instabilidade política e social surgem diariamente.


[Nota do editor: neste ponto, saques a comércios e residências se tornam comuns, como ocorreu na Argentina. Na Venezuela, a distribuição de alimentos foi colocada sob supervisão militar.]


O fracasso do projeto populista se torna evidente.


Estágio IV


Um novo governo é eleito (ou o próprio governo é reeleito; ou um novo governo assume em decorrência da deposição do atual) e é obrigado a fazer ajustes "ortodoxos", possivelmente sob a supervisão do FMI ou de organizações internacionais que forneçam os fundos necessários para fazer as reformas econômicas (isso ocorre majoritariamente quando o país precisa de recompor suas reservas internacionais).


Como o estoque de capital do país foi consumido e destruído, sem ser reposto, os salários reais caem para níveis abaixo daqueles que vigoravam antes do início das políticas populistas. O novo governo "ortodoxo" tem então de recolher os farrapos que restaram e tentar cobrir os custos das políticas fracassadas feitas pelo regime anterior.  Isso normalmente implica políticas de austeridade, altamente impopulares.


Os populistas se foram, mas os estragos de suas políticas continuam totalmente presentes.


O populismo econômico segue firme e forte


Embora Dornbusch e Edwards tenham escrito seu artigo em 1990, as similaridades com o que ocorre hoje em países da América Latina são notáveis.


Nos últimos anos, para manter as ideias populistas firmes na mente dos eleitores, a Venezuela criou o  Ministério da Suprema Felicidade Social e a Argentina de Cristina Kirchner criou uma Secretária do Pensamento Nacional.


Esses quatro estágios são, na realidade, cíclicos.  O movimento populista utiliza o quarto estágio para criticar as políticas "ortodoxas" adotadas pelo novo governo, e argumenta que, durante o reinado dos populistas, as coisas estavam melhores.


Dado que as políticas ortodoxas quase sempre se baseiam exclusivamente no aumento de impostos, as coisas dificilmente melhoram.  A renda real segue em queda e a economia segue em contração.  Consequentemente, a opinião pública, descontente com as medidas adotadas no estágio IV, concede ao movimento populista uma vitória nas próximas eleições.  Os populistas recebem uma economia em recessão e o ciclo recomeça do estágio I.


Não é de se surpreender que governos populistas normalmente surjam após tempos difíceis causados por crises econômicas.  Um governo populista mais ousado pode conseguir evitar o estágio IV descobrindo novas maneiras de permanecer no governo, como, por exemplo, proibindo eleições ou criando resultados eleitorais falsos.


Nesse ponto, o governo populista consegue transformar o país em uma nação totalmente autoritária.



https://mises.org.br/Article.aspx?id=2106




Offline JJ

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Re:Populismo destrói democracia na América Latina, diz estudo
« Resposta #29 Online: 12 de Março de 2019, 10:36:44 »


O POPULISMO NA ARGENTINA



Éder Araújo;
Fábio Melo;
Marcelo Sardi;
Maluci Garcia


Populismo: ideologia política de certos movimentos de libertação nacional que visam libertar o povo sem recorrer à luta de classes. Para Norberto Bobbio em seu dicionário de política: as formas politicas cuja fonte principal de inspiração e termo constante de referencia é o povo, considerando como agregado social homogêneo e como exclusivos depositários de valores positivos, específicos e permanente.


O populismo é um conjunto de ações políticas, numa economia subdesenvolvida em processo de urbanização e industrialização, através das quais um líder, sem romper os limites institucionais, manipula as aspirações populares adequando-as aos interesses do Estado. Em última instância, o populismo é o produto de uma situação em que os grupos que controlam o poder interessa o apoio das massas populares para a legitimação de sua dominação.


O populismo na sua melhor definição é onde o político que faz pelo povo utiliza de sua imagem positivamente para este. Tendo um discurso nacionalista onde teremos a incorporação das palavras de “nação”, “pátria”, “modernização”, “urbanização” e “povo”. O político populista se colocará como o salvador da nação, aquele que irá guiar a país para a modernização.


A ARGENTINA DE 1930 ATÉ 1943


A Argentina do início do século XX não fugiu da política oligárquica, tal como outros países da América Latina. O governo radical de Yrigoyen, que se baseava nas classes médias urbanas e setores alijados do poder pela oligarquia dominante, não representou uma ruptura à dominação dos grandes oligarcas vinculados a agro-exportação e aos investimentos de capital externo, principalmente inglês. Com efeito, os contornos que a economia tomou, e a crise capitalista de 1929, representaram o início de uma ruptura. As camadas médias urbanas e o proletariado ascendente passaram a exercer uma forte oposição ao regime oligárquico instaurado no país. Mas os setores mais conservadores também começavam a se movimentar.


Em 1930, em decorrência da crise de 1929, um golpe de Estado, deflagrado por conservadores inspirados no fascismo, depôs o segundo governo de Yrigoyen e tomou o poder na Argentina. A partir daí uma sucessão de presidentes de inspiração fascista, ligados a antiga ordem oligárquica, visavam a manutenção desta mesma ordem e manter distante da política as aspirações populares, como as que ocorreram no período de Yrigoyen. A industrialização passou a ganhar destaque neste período, ao mesmo tempo em que o Estado passou a investir fortemente na economia. Entretanto, os choques políticos entre os radicais, reminiscentes da União Cívica Radical (UCR) de Hipólito Yrigoyen, e os conservadores governistas, continuavam durante todo o período; que vai até 1943. Nas cidades os trabalhadores se organizavam em sindicatos; em 1930 foi criada a Confederação Geral do Trabalho. Neste contexto, a Igreja Católica exerceu uma papel peculiar, pressionando o governo, principalmente o Ministério do Trabalho, a combater o desemprego.


No cenário internacional, a situação da Argentina perante a Segunda Guerra mundial era delicada. Os inúmeros acordos dos países latino-americanos visavam uma “solidariedade” para com os Estados Unidos. A própria política externa estadunidense nesta época, a política da “boa vizinhança”, buscava o apoio de países como Argentina, Brasil e México, os “grandes” da América Latina devido a forte industrialização. A Argentina, neste contexto, só se decidiu a abraçar a causa estadunidense no ano de 1945, ou seja, praticamente no fim da guerra. Isto porque, os vínculos econômicos da Argentina eram muito maiores com os países do Eixo do que com o restante da Europa, ou mesmo com os Estado Unidos; além do que, os governos de inspiração fascista na Argentina dominaram o cenário político da década de 1930.


No ano de 1943 outro golpe de Estado. Este movimento pôs fim ao “segundo ciclo oligárquico” (PRADO, 1996), que vai de 1930 até a data em questão (1943). O motivo declarado por essa “revolução” era de “restaurar” a democracia. Neste sentido, quem tomou a frente do movimento foi o exército, pois, pelo discurso destes, os partidos que dominaram o cenário político durante os anos 1930 estavam desgastados pelas fraudes e pelo clientelismo eleitoral. Estes militares estavam ligados a direita, que tinha, também, inspiração corporativista fascista. Mas isto não impediu de realizarem uma eleição em 1946. E quem se elegeu presidente foi Juan Domingo Perón, o outrora aliado dos militares de 1943.


O GOVERNO PÉRON (1946-1955) E AS CARATERÍSTICAS DO POPULISMO ARGENTINO


Ao falarmos em populismo na Argentina, logo nos vem em mente o nome de Juan Perón. Para analisarmos as características do governo populista deste, devemos antes analisar a trajetória política de Perón até sua chegada na presidência em 1946.


Juan Domingo Perón


Juan Domingo Perón, nascido em 1895, seguiu carreira militar e tomou parte nos acontecimentos políticos da década de 1930, a “década infame”. Em 1943 setores do exército (denominados GOU – Grupo de Oficiais Unidos) encabeçaram um golpe que pôs fim a “república conservadora”. Este grupo que tomou o poder seguiu a política industrializante dos governos precedentes. Já com o poder nas mãos, estes militares logo colocaram nos cargos de governo seus apoiadores. Entre eles estava o próprio Perón.


Entre 1943 a 1946, Perón assumiu os cargos de vice-presidente e ministro da Previdência e do Trabalho. Foi neste último cargo que Perón se destacou e alavancou sua carreira política.


O êxodo rural e a industrialização ascendente do país, desencadeados pela crise, acabaram por formar uma verdadeira massa urbana de trabalhadores que se organizaram durante a década de 1930. A frente do Ministério do Trabalho, Perón acabou tomando uma postura que desagradara o governo. Seu discurso era a favor dos “descamisados”, os trabalhadores e humildes aos quais o próprio Perón se dirigia; tinha um claro caráter nacionalista e desenvolvimentista. A frente da pasta do trabalho, Juan Perón pôs em prática uma série de leis trabalhistas: salário mínimo, oito horas de trabalho, 13º salário e pleno emprego; ao mesmo tempo que propunha uma unidade nacional a favor do desenvolvimento, negando qualquer luta de classe.


Os setores que se opunham a essa aproximação de Perón com os trabalhadores acabaram por escamoteá-lo do poder, chegando mesmo a prendê-lo. Entretanto, uma forte pressão popular, encabeçada pela controversa figura de Eva Duarte, a Evita, acabou por levar Juan Perón a presidência em 1946


Neste primeiro governo de Perón, as benesses trabalhistas seguiam ao mesmo tempo em que se criava uma ideologia política correspondente: surgia assim o peronismo, expressão máxima do populismo argentino. O peronismo tinha um caráter abertamente personalista, pois Perón era sua figura preponderante. Nesta fase, que vai de 1946 até 1951, Perón teve forte apoio da Igreja; além, é claro, dos seus descamisados.


Do ponto de vista econômico, o governo peronista soube avançar na industrialização. O cenário internacional, em pleno fim da Segunda Guerra, facilitou este processo; a substituição de importações representou, neste caso, um fator determinante. A intenção do governo, que tinha sua eminente característica personalista e autoritária, era “agregar” a massa trabalhadora nesse cenário favorável de industrialização, concedendo benefícios ao mesmo tempo que a incorporava ao processo político e ao contexto econômico


Embora o governo de Perón tivesse um caráter popular, nacionalista e desenvolvimentista, ele não deixou de ser eminentemente autoritário. Como expressa o sociólogo Octávio Ianni:


no governo Perón, dos anos 1946-55, [...], constitui-se um regime peculiar, no qual combinavam-se algumas normas formais da democracia representativa e a hipertrofia do Executivo, este altamente identificado com o chefe do governo (1990, p. 130.)


Ainda sobre esta questão, o historiador argentino Tulio Halperin Donghi ressalta: “as transformações mais importantes, proclamadas pelo peronismo como de introdução necessária na estrutura econômica, implicavam sacrifícios que o governo não podia impor, a não ser transformando-se numa ditadura extremamente rígida” (19[?], p. 328). Adiante, o mesmo autor destaca o papel do partido nesta situação, “O peronismo iniciou essa transformação, limitando a liberdade dos opositores e organizando o partido oficial segundo um sistema vertical;[...].”


No segundo governo Perón, de 1951 a 1955, o peronismo passa a sofrer um sério revés. A morte de Evita e a consequente desavença de Perón com a Igreja fez decrescer sua popularidade. Ainda assim, a CGT apoiava abertamente o governo Perón, exercendo papel fundamental na reeleição deste. Sua política nacionalista, baseada numa “república sindicalista”, desagradava os mais conservadores e deu margem a um golpe militar que solapou Perón do poder. Obrigado a se exilar, ele só voltaria ao cenário político argentino em 1973. A ideologia do peronismo, entretanto, não deixou de ganhar as mentes dos trabalhadores, mesmo sendo proibido após a queda de seu expoente maior.


O populismo na Argentina não foge das regras gerais que caracterizam este fenômeno. Ele surge num momento de ebulição política, de efervescência das massas num processo de industrialização. Também possui uma figura carismática, o grande líder dessa massa de trabalhadores, que na Argentina é representado por Juan Perón, como evidenciado acima. O protagonismo dos trabalhadores, principalmente no cenário urbano, é um aspecto a ser ressaltado. O apoio dos sindicatos, e da Confederação Geral do Trabalho são exemplos. Outro aspecto geral que chama a atenção é o caráter autoritário que toma esse regime, limitando as ações dos opositores.


O PAPEL DE EVITA


Eva Perón ou Evita como gostava de ser chamada foi a mulher do coronel Juan Domingo Perón. Auxiliou seu marido em suas atividades políticas e ganhou prestígio frente aos descamisados, termo este que era utilizado para denominar os pobres da nação. O respeito que Evita ganhou frente à classe trabalhadora adquiriu um status tão grande como o do próprio marido, sendo ela uma grande colaboradora da boa imagem que ele tinha frente ao povo. Seu poder e prestígio fora adquirido através de uma de suas principais armas, a sedução da qual a transformou em uma líder da nação, o braço direito não apenas do Peronismo como também de seu próprio marido. Outra arma extremamente hábil vêm de sua autodenominação como Evita, pseudônimo criado por Eva para aproximar-se do povo trabalhador, onde através deste segundo nome poderia acarretar em uma aproximação da classe pobre da nação. Corriqueiramente realizava obras assistenciais e participava da política sindical, sempre que possível provocava os conservadores e sua efetiva participação no governo era tão grande que a Confederação Geral do Trabalho levou sua candidatura à vice-presidência da nação. Por dia despachava oficialmente na secretaria do trabalho e atendia a milhares de pessoas e petições, sendo assim extremamente respeitada e transformando-se em um ídolo da nação argentina.


Perón e Evita


Seu relacionamento com Perón fora antes de mais nada uma sociedade onde ambos adquiriram um estrondoso poder do qual o prestígio que ambos tiveram frente o povo jamais caíra no esquecimento. Frequentemente confundida como sendo de esquerda, jamais fora adepta com o esquerdismo tendo em diversos casos pequenos desentendimentos com o partido comunista.


Morreu no auge em 1952, jovem, bela, sedutora, com um prestígio altíssimo e uma popularidade gigantesca frente ao povo, tanto que após sua morte, os sindicatos pediram sua canonização à Igreja Católica. Seu culto continua a ser poderosa arma motivacional do populismo na Argentina. Porém, o culto a Eva Perón não começara com sua morte, antes disso havia incitações do Estado do qual distribuía folhetos contendo alusões de Evita como santa, o próprio governo começara uma campanha para a canonização de Evita um ano antes de sua morte, como “Nossa Senhora da Esperança”. O processo tomou forma com a morte de Evita, onde o povo e diversos segmentos sociais dos mais diversos conclamaram a santificação.


Eva Perón ou simplesmente Evita fora uma dualidade: amada pelo povo argentino e uma das líderes da nação, utilizou-se de todo o seu prestígio para a pacificação dos sindicatos argentinos e fora uma repressora das greves das quais atacavam seu marido. Jamais fora defensora do feminismo apesar de implantar uma lei da qual dava plenos direitos ao voto feminino. Assim, amada por todos transformou-se em um mito do qual todo um aparato de inverdades emergiram em sua figura, transformando-a em uma santa, uma salvadora dos pobres, sendo considerada uma mãe para toda uma classe desprivilegiada e sofredora da nação argentina.


O POPULISMO NA ARGENTINA E NO BRASIL


Durante o século XX, podemos citar o populismo como sendo o fenômeno mais marcante em termos políticos na América Latina, tendo como alavanca a crise de 1929. Esta crise afetou toda a sociedade, neste momento há uma maior ocorrência de movimentos sociais. O desemprego tomou rumos alarmantes, os sindicatos atingiam um patamar alto e o medo de que a população aderisse ao comunismo aparecia mais frequente nos países latino-americanos. Olivier Dabène, em sua obra América Latina no Século XX, descreve estes fenômenos como sendo responsáveis pelo surgimento do populismo na América Latina:
O populismo foi a resposta política para este caos social, especialmente na Argentina, no Brasil e no México. Porém, ao tentar reconstruir o tecido social por cima, ao movimentar os setores sociais mais desfavorecido em torno de um projeto ideológico de linhas confusas, o populismo semeou os germes de uma instabilidade de que ainda hoje a América Latina padece. (2003, p.91)


O populismo é marcado pela presença de lideranças carismáticas com o intuito de atuação nos Estados pelo do apoio popular, visando em um primeiro plano o atendimento destas camadas populares. O populismo visa a aderência das camadas trabalhadoras, tentando controlar-las de diferentes formas. No Brasil e na Argentina encontramos as figuras de Getúlio Vargas e Juan Perón. Getúlio Vargas chega ao poder no Brasil em 1930 com o golpe de Estado, que pôs fim à República Velha, permanecendo no poder até 1945 e elege-se democraticamente em 1951, governando até agosto de 1954 quando suicida-se, saindo da vida para entrar na história, como assim deixou escrito em sua última carta. O pai dos pobres, como era conhecido, Vargas através de suas medidas para o desenvolvimento das leis trabalhistas e seu carisma tornaram-no uma figura importante aos olhos da população mais humilde do Brasil. Juan Perón, diferentemente de Vargas, chega ao poder na Argentina democraticamente a partir de uma eleição.


Getúlio Vargas


Na Argentina o populismo peronista caracterizou-se por uma postura autoritária e repressiva aos opositores do regime e por melhorias a classe operária, além do fato dos sindicatos serem reconhecidos como uma ligação entre os trabalhadores e o poder público.


Já no Brasil, os sindicatos tornam-se dependentes do Estado, uma vez que eram repassados a eles, os valores de contribuições dos trabalhadores, deixando apenas como sendo oficiais, os sindicatos que apoiassem o governo.


Tanto na Argentina quanto no Brasil, as melhorias trabalhistas surgem com a finalidade de controlar as massas, passando ao governo o poder de aliar-se a esta classe e impedi-la de ser influenciada por outros grupos.


Ao analisarmos os governos populistas presentes na América Latina, mais especificamente no Brasil e na Argentina, podemos citar algumas características presentes em ambos os governos: reformas trabalhistas, controle da atuação dos sindicatos, incentivo à industrialização, ideologias nacionalistas, governante como sendo a figura do Estado e nacionalização de alguns setores, tais como o petróleo e as estradas. Nos dois países, o populismo desenvolveu-se apenas em meio urbano, uma vez que os grandes fazendeiros e latifundiários ainda neste período dominavam o cenário rural dos países.


O populismo aparece e caracteriza-se de diferentes formas na América Latina, mas possuem elementos em comum, sendo um elo entre as massas populares e os lideres carismáticos.


REFERENCIAS

BOBBIO, Norberto; PASQUINIO, Gianfranco [et al.]. Dicionário de Política.2. ed. Brasília, DF: UnB 1986.

DABENE, Olivier.América Latina no século XX. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. DECHANCIE, John. Perón. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina. São Paulo: Círculo do Livro, 19[?]. FERREIRA, Jorge (org.).  O populismo e sua História: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

GONZALES, Horácio. Evita. São Paulo: Brasiliense, 1983. IANNI,  Octávio.  A  Formação  do  Estado  Populista  na América  Latina. São  Paulo: Civilização Brasileira, 1991.

PRADO, Luiz Fernando S. História Contemporânea da América Latina: 1930-1960. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1996.


http://geaciprianobarata.blogspot.com/2014/09/o-populismo-na-argentina_26.html

 

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