Retirando a poeira do tópico, descobri na ficção japonesa (que costuma se levar BEM mais a sério do que a americana) um bom exemplo do que o Wolverine poderia vir a ser se tivesse sido melhor desenvolvido.
Trata-se de Shogo Kawada, personagem de
Battle Royale - obra que, por sinal, recomendo enfaticamente. É um verdadeiro tratado sobre o cultivo de virtude e esperança em um cenário de juízo final. Uma obra tão otimista quanto sangrenta.
Um pouco de contexto:
Battle Royale é a história de 42 alunos do que no Brasil seria a oitava ou nona série, todos com 15 ou 16 anos de idade, que se vêem em uma situação tão terrível quanto inescapável - por incrível que pareça, o próprio governo os sequestrou e exige que só um deles sobreviva.
Cabe aos próprios alunos "eleger" o "felizardo".
Esse cenário de horror, composto com elementos praticamente cotidianos, sem poderes especiais ou elementos fantásticos, é uma tela perfeita para que o autor desenvolva a sua tese sobre caráter e natureza humana. Por exemplo, no volume três (de um total de quinze) vamos ter ênfase em um personagem secundário, mas muito rico:
Hiroki Sugimura, que representa bem o tipo "calado, na dele, bem-intencionado, mas sabe lutar". Como os próprios diretores do programa observam, Sugimura é um "wild card", um "curinga" ou "zebra"; ele não
costuma se pôr em situações de destaque, mas tem a
capacidade de se destacar. Ele representa, portanto, uma das perspectivas mais sedutoras do relacionamento do homem com o mito; Sugimura nos lembra que fama e destaque não são algo que decorre necessariamente do verdadeiro mérito, e portanto os que passam despercebidos podem ser os verdadeiros heróis.
Já
Shogo Kawada é o que Wolverine deveria ser: o bom escudeiro, o herói que perdeu o rumo mas não perdeu a vontade de reencontrá-lo. Kawada é brigão, violento, mas tem a humildade de se deixar inspirar pela boa vontade por vezes francamente ingênua do protagonista, um rapaz quase insuportavelmente bem intencionado chamado
Shuya Nanahara.
A química entre Kawada e Nanahara é possivelmente o maior atrativo da série inteira. Os dois são como que arquétipos das duas metades que precisam se completar: um que tem MOTIVOS para prosperar e triunfar, que tem poesia em sua visão de mundo (Nanahara) e outro que tem os MEIOS para garantir que esses sonhos tomem forma diante das cruéis realidades do mundo. Kawada precisa de Nanahara para ver sentido no pesadelo em que vivem, da mesma forma que Nanahara precisa de Kawada para, simplesmente, sobreviver (o que é deixado explícito no volume 2).
Juntos os dois podem não apenas triunfar, mas também e principalmente crescer como seres humanos. Separados, cedo ou tarde cairão diante dos obstáculos.
Se alguém quiser abrir um tópico sobre a série, acho que há muito de interessante para se discutir nela.
Abraços!