Autor Tópico: [galileu] A guerra contra Deus  (Lida 3307 vezes)

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rizk

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[galileu] A guerra contra Deus
« Online: 31 de Dezembro de 2006, 14:43:51 »
Agora é oficial: as revistas da Globo compartilham pauta.

Este mês, quem saiu com uma matéria sobre os "novos ateus" foi a Galileu. A matéria "O evangelho dos novos ateus" é mais ou menos a mesma coisa que a Época e a Crescer, falando do Dawkins e do Dennet; mas com a adição do glorioso professor de história da ciência desta colega que vos escreve.

Tem um trechinho da matéria no site.

A sério, meus colegas. Há pouco tempo, abriram um tópico perguntando quais as nossas respostas curtas-e-grossas para as pessoas que nos perguntam o motivo do nosso ateísmo. Esse é um caso especial. Mas creio que a abordagem "novos ateus" da coisa toda é meio pobre e meio boba.

Vocês acham que esse tipo de divulgação ajuda ou atrapalha?

Offline uiliníli

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Re: [galileu] A guerra contra Deus
« Resposta #1 Online: 31 de Dezembro de 2006, 15:13:36 »
Só li a reportagem da Época e a considerei muito boa. De certa forma é bom tantas revistas falarem do ateísmo assim, porque antes o ateísmo era uma coisa muito distante das pessoas e associado com todo tipo de corrupção moral, então é importante as revistas mostrarem pessoas comuns ateístas, famílias ateístas, até pessoas famosas ateístas, se possível. É legal eles verem que fulano é ateu e não é ladrão nem come criancinha.

Offline Geisa

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Re: [galileu] A guerra contra Deus
« Resposta #2 Online: 01 de Janeiro de 2007, 19:29:48 »
Conhecimento sempre é bom. E o fato de revistas populares trazendo matérias sobre ateísmo só vem a acrescentar.
"Não há no mundo amor e bondade bastantes, para que ainda possamos dá-los a seres imaginários." Friedrich Nietzsche

Offline Verner44

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Re: [galileu] A guerra contra Deus
« Resposta #3 Online: 01 de Janeiro de 2007, 21:24:23 »
Também apoio essas tentativas de desmistificar o ceticismo, e se é uma tendência, beleza... :D
verner44
O temor é um grande inibidor do questionamento inteligente. [Doris Lessing]

Offline Felius

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Re: Ateísmo agora é capa da GALILEU
« Resposta #4 Online: 02 de Janeiro de 2007, 19:37:39 »
Nao gostei do papo de fe cega na ciencia. Mas de resto parece decente.
Entao: O QUE INFERNOS ESTA ACONTECENDO COM O MUNDO?!?!?!

Parece que derrepente tudo esta comecando a fazer mais sentido e o ateismo deixar de ser o inimigo de tudo e todos.
"The patient refused an autopsy."

Offline Felius

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Re: [galileu] A guerra contra Deus
« Resposta #5 Online: 02 de Janeiro de 2007, 20:14:00 »
Nao gostei do papo de fe cega na ciencia. Mas de resto parece decente.
Entao: O QUE INFERNOS ESTA ACONTECENDO COM O MUNDO?!?!?!

Parece que derrepente tudo esta comecando a fazer mais sentido e o ateismo deixar de ser o inimigo de tudo e todos.
"The patient refused an autopsy."

Offline Geisa

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Re: [galileu] A guerra contra Deus
« Resposta #6 Online: 03 de Janeiro de 2007, 08:22:39 »
Fé cega na ciência e seu credo me soa um tanto desconexo. Ciência não é questão de acreditar, é questão de saber... E eles já deveriam saber disto!

Mas vá lá, vale pela mídia hahahahaha :histeria:
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Offline Athena

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Re: [galileu] A guerra contra Deus
« Resposta #7 Online: 06 de Janeiro de 2007, 16:10:25 »
Da Revista Época não gostei do artigo, mas o  da Galileu está muito bom!
Você nasce sem pedir e morre sem querer.
Aproveite o intervalo!

Offline Alegra

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Santa Ilusão!
« Resposta #8 Online: 22 de Janeiro de 2007, 12:48:09 »
 :) Espero que apreciem!

Santa ilusão
 
Ao contrário de 97,3% do mundo --incluindo vários ateus--, achei delicioso o último libelo do biólogo britânico Richard Dawkins contra Deus. Falo do livro "The God Delusion" (a ilusão ou o delírio de Deus; a obra ainda não foi traduzida para o português), que recebeu críticas acerbas mesmo de racionalistas militantes, como Marcelo Gleiser no caderno Mais!.

É fácil entender a revolta principalmente de religiosos com o texto de Dawkins. Os qualificativos que ele encontrou para aplicar a Altíssimo incluem: "misógino", "homófobo", "racista", "infanticida", "genocida", "filicida", "pestilento", "megalomaníaco", "sado-masoquista" e "valentão caprichosamente malévolo". O autor de fato não se vale de meias palavras para defender sua tese de que a religião é um grande engodo, um mal que deveria ser extirpado da face da terra. Só que Dawkins não se limita a afirmar essas coisas. Ele também pretende provar, com argumentos, que Deus é uma hipótese altamente improvável e totalmente desnecessária.

Há momentos em que se sai muito bem, outros, menos. Dawkins é por exemplo magistral ao demolir a tese do "design inteligente" (ID), segundo a qual determinadas características dos seres vivos são complexas demais para ser explicadas "apenas" pela seleção natural, exigindo uma espécie de deus-projetista. Ele demonstra, por A + B, que a teoria darwiniana é plenamente satisfatória e que o ID é muito mais uma combinação de religiosidade com preguiça intelectual do que uma objeção científica séria.

Menos convincentes são suas refutações a argumentos teológicos, como as cinco "provas" de santo Tomás de Aquino e a ontológica, de santo Anselmo. Aqui, o autor ignora séculos e séculos de sutis discussões dos doutores da igreja. Desconfio de que o fez de propósito, muito provavelmente por considerar que tudo não passa de verborragia vazia. Como ateu exemplar, também acho que essas "provas" não vão muito além da retórica, mas sou capaz de apreciar a beleza com que tais jogos de linguagem foram forjados. Não é porque não acredito em Deus que não admiro os oratórios de Händel, os afrescos da Capela Sistina ou a arquitetura da catedral de Notre-Dame.

Outro ponto que parece ter despertado a fúria dos críticos é o fato de Dawkins colocar no mesmo saco sutilezas metafísicas e argumentos divinamente tolos, como: "Ele (Deus) o ama tanto, como você pode rejeitá-Lo?". Entendo, porém, as razões que levaram o autor a proceder desta forma. Ele reuniu sem selecionar muito todos os raciocínios que já ouviu em seus longos anos de militância atéia e procurou rejeitá-los "en bloc". É por isso que se perde nessa e em outras questões bizarras que com alguma filtragem não valeriam a tinta em que são impressas, como tentar determinar se Hitler e Stálin eram de fato ateus e se isso em algum grau contribuiu para seus crimes.

O livro melhora bastante quando Dawkins volta a seu campo de atividade biológico e sugere explicações para a universalidade da religião entre humanos. Sua hipótese é a de que a fé em deuses/Deus é uma espécie de efeito colateral adverso de mecanismos cerebrais adaptativos. Teríamos uma propensão à credulidade cujo valor pode estar em fazer com que crianças obedeçam a seus pais sem levar em conta se o que eles dizem faz ou não sentido. Essa confiança incondicional pouparia os jovens rebentos de atirar-se em rios infestados de crocodilos, caminhar na encosta de precipícios e evitar outras ameaças que poderiam custar-lhes a vida caso insistissem em aprender por conta própria.

Outro ponto alto é quando ele relata experimentos psicológicos, notadamente os de Marc Hauser, que sugerem que o imperativo categórico kantiano está inscrito dentro de nós. Padrões de moralidade semelhantes aos descritos pelo filósofo prussiano --notadamente a idéia de que não devemos usar outros seres humanos apenas como meio para atingir objetivos-- fariam parte de nossa programação cerebral. Se isso é verdade, e tudo indica que é, cai por terra o argumento utilitarista de que a religião é a fonte da moralidade e é importante para manter a paz social. As pessoas não deixam de cometer crimes por temer ir para o inferno, mas porque têm um impulso biológico para acatar normas que julgam justas, em que pese a existência de certos indivíduos que sempre tenderão a burlar as regras.

A mais feroz das críticas a Dawkins, porém, não é de conteúdo ou argumentação. Censuram-lhe o próprio projeto do livro, que é o de convencer o maior número de pessoas a abraçar o ateísmo e os já ateus a "sair do armário". Viram aí uma "intolerância" em tudo igual à das religiões.

Talvez, mas acho que os críticos perdem de vista o profundo senso de humor com que "The God Delusion" foi escrito. O livro todo é uma grande provocação, mas uma provocação "à propos". Por que os textos usados nas escolas dominicais podem ter caráter doutrinário e uma defesa do ateísmo não? Por que, pergunta-se o autor, devemos aceitar a convenção social segundo as quais idéias religiosas devem ser respeitadas? Uma idéia idiota é sempre uma idéia idiota, não importando o campo semântico em que seja proferida. Por que podemos afirmar sem nenhum problema que determinada tese científica, econômica, ou jurídica é imbecil, mas, se ousamos dizer o mesmo em relação a uma "verdade religiosa", somos tachados de intolerantes e quem sabe até processados?

Se alguém nos dissesse acreditar que brotou de uma árvore e que sempre que segura sua caneta ela se transforma num coelho voador, teríamos boas razões para duvidar da sanidade desta pessoa. Por que então não tratamos como louco o católico que afirma que Jesus nasceu sem pai biológico, de uma mãe virgem e que, toda vez que se celebra uma missa, o vinho se torna sangue e um tipo esquisito de biscoito se converte no corpo do homem?

Para colocar questões mais republicanas, por que um ministro religioso, apenas por ser religioso, fica livre do serviço militar, enquanto pessoas que apenas deplorem a violência correm o risco de ter de servir ao Exército? Por que igrejas não pagam impostos e eu, que também tenho um sistema de crenças e uma ética (na minha opinião muito melhores), não faço jus à mesma regalia?

O fato de eu compreender os propósitos políticos de Dawkins não significa que eu concorde inteiramente com eles. Acho que seu projeto é inexeqüível por razões que ele próprio aponta: a religião é um universal humano. Talvez em fins do século 19, para um observador incorrigivelmente otimista, tenha sido possível acreditar que a ciência sepultaria as crendices. Os mais de cem anos que se seguiram, entretanto, indicam o contrário. As religiões seguem firmes, fortes, separando as pessoas e provocando incompreensões e guerras. Oferecem, também, é preciso dizê-lo, conforto psicológico aos que nelas acreditam. Por índole e seguindo minha programação kantiana, acho que devemos deixar a cada um o direito de escolher o que deseja ser. Podemos e devemos mostrar nossos argumentos contrários a um Deus sobrenatural, mas sem jamais transpor a linha que separa a exposição da imposição. Não creio, entretanto, que Dawkins a tenha atravessado. Ao contrário de igrejas, ele jamais ameaçou mandar os crentes para a fogueira ou explodi-los.
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Hélio Schwartsman, 41, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.
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Offline uiliníli

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #9 Online: 22 de Janeiro de 2007, 23:47:17 »
Às vezes eu acho que essa militância feroz do Dawkins mais atrapalha do que ajuda na aceitação dos ateus pela sociedade.

Offline Copelli

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #10 Online: 22 de Janeiro de 2007, 23:53:29 »
Eu gostei bastante, ate acho que talvez ele pegue pesado às vezes, mas ele não diz nenhuma mentira. E se teistas lutam com tanta forca pelos seus princípios acho que ateístas também devem lutar.

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Os qualificativos que ele encontrou para aplicar a Altíssimo incluem: "misógino", "homófobo", "racista", "infanticida", "genocida", "filicida", "pestilento", "megalomaníaco", "sado-masoquista" e "valentão caprichosamente malévolo".

deus é exatamente isso mesmo, e o pior é que crentes dizem que não, ou eles são muito burros ou não sabem ler, pois esta tudo escrito nos seus "livros sagrados". :)

Offline Spitfire

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #11 Online: 23 de Janeiro de 2007, 01:09:50 »
Cada vez que vejo um pastor urrando na TV, em seus sermões, como um ensandecido, chegando a babar de tanto ódio para aqueles que simplesmente discordam… penso que Richard Dawkins é uma legitima mãe, tem um afeto quase maternal por esta corja. Tinha que pegar pelos testículos, apertar e fazer assobiar o hino nacional de trás para frente.  |(

Offline Fred

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #12 Online: 23 de Janeiro de 2007, 12:29:50 »
Eu acho que se Dawkins fosse menos virulento e mais diplomático, talvez conseguisse mais concientização e menos polêmica.
Posso concordar com o que ele diz, mas chutar o balde e ofender a maioria não traz nada de positivo. Pelo contrário, desperta mais ódio defensivo dos crentes e os deixa mais fechados a argumentação racional... :?
“Não tenho medo das perguntas difíceis: tenho pavor das respostas fáceis.” A. Malcot

Offline Alegra

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #13 Online: 23 de Janeiro de 2007, 14:52:59 »
Não sei se ele está errado não...  precisava mesmo ter alguém com coragem para gritar bem alto e acordar os que estão meio a dormir e chamá-los à realidade!!!   :grito:

Eu acho que se Dawkins fosse menos virulento e mais diplomático, talvez conseguisse mais concientização e menos polêmica.
Posso concordar com o que ele diz, mas chutar o balde e ofender a maioria não traz nada de positivo. Pelo contrário, desperta mais ódio defensivo dos crentes e os deixa mais fechados a argumentação racional… :?

Talvez você não tenha visto a resposta nada diplomática a este texto dos servos de Deus que de cordeiros mansos não tem nada....
(Se eu achar coloco aqui.  :ok:)
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Offline Fred

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #14 Online: 23 de Janeiro de 2007, 15:30:41 »
Não sei se ele está errado não…  precisava mesmo ter alguém com coragem para gritar bem alto e acordar os que estão meio a dormir e chamá-los à realidade!!!   :grito:
Como eu disse "posso concordar com o que ele diz", mas se eu tentasse te convencer de que teu pai é mentiroso, chamá-lo de misógino, pestilento e sado-masoquista apenas estaria te ofendendo e provocando teu sentimento de defesa irracional e incondicional.
Creio que não teria efeito prático algum. Ao contrário, sinto que o efeito é o contrário do pretendido.

Talvez você não tenha visto a resposta nada diplomática a este texto dos servos de Deus que de cordeiros mansos não tem nada…
(Se eu achar coloco aqui.  :ok:)

Isto apenas corrobora o que eu disse. Ataques virulentos quase sempre provocam respostas virulentas...
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Offline FxF

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #15 Online: 23 de Janeiro de 2007, 16:05:37 »
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Como eu disse "posso concordar com o que ele diz", mas se eu tentasse te convencer de que teu pai é mentiroso, chamá-lo de misógino, pestilento e sado-masoquista apenas estaria te ofendendo e provocando teu sentimento de defesa irracional e incondicional.
Creio que não teria efeito prático algum. Ao contrário, sinto que o efeito é o contrário do pretendido.
Se meu pai fosse essas coisas, eu admitiria o problema.

Offline Alegra

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #16 Online: 23 de Janeiro de 2007, 16:39:23 »
Não sei se ele está errado não…  precisava mesmo ter alguém com coragem para gritar bem alto e acordar os que estão meio a dormir e chamá-los à realidade!!!   :grito:

Eu acho que se Dawkins fosse menos virulento e mais diplomático, talvez conseguisse mais concientização e menos polêmica.
Posso concordar com o que ele diz, mas chutar o balde e ofender a maioria não traz nada de positivo. Pelo contrário, desperta mais ódio defensivo dos crentes e os deixa mais fechados a argumentação racional… :?

Talvez você não tenha visto a resposta nada diplomática a este texto dos servos de Deus que de cordeiros mansos não tem nada…
(Se eu achar coloco aqui.  :ok:)

Como prometido!

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Hélio Schwartsman
18/01/2007
Delírios divinos
Pessoas merecem respeito. Idéias, não. A idéia de que determinados "pecadores" deveriam ser queimados vivos para "salvar" suas "almas imortais", por exemplo, já pareceu respeitável a grande parte da cristandade. Não é mais. Felizmente. Deixar de questionar teorias, doutrinas e filosofias é renunciar a pensar, e isso eu me recuso a fazer.

Escrevo esse breve desabafo a propósito de alguns dos e-mails que recebi por conta de minha última coluna, "Santa ilusão", na qual defendi a defesa que o biólogo britânico Richard Dawkins faz do ateísmo em seu último livro, "The God Delusion" (a ilusão ou o delírio de Deus; a obra ainda não foi traduzida para o português e não sei se alguma editora brasileira planeja publicá-la). A maioria das mensagens tinha, pelo menos, a virtude de ser educada; umas poucas, não. E, já que falamos em educação, peço desculpas a todos aqueles a cujas missivas não pude responder. É que o número de e-mails aliado à complexidade de algumas das objeções tornava a tarefa humanamente infactível. Por isso ensaio hoje uma resposta geral. Sei que não conseguirei dar conta de todas as questões levantadas, de modo que vou focar-me nas mais gerais.

O ponto mais veementemente criticado de meu texto foi aquele em que classifiquei como, digamos, "idéia exótica" (nunca quis vexar ninguém) a transubstanciação, a noção compartilhada por católicos e alguns outros ramos do cristianismo de que o vinho e a hóstia, depois de consagrados, se tornam realmente o sangue e o corpo de Cristo. Não é preciso ir muito longe para perceber que tal pretensão desafia a experiência e os sentidos humanos. Hoje, evidentemente, cada um é livre para acreditar ou não nisso. Digo hoje porque, no passado, nem sempre foi assim.

Tomemos o caso do teólogo cristão Berengar de Tours (c 999-1088), que, tentando conciliar o fato verificável e verificado de que a farinha da hóstia não se converte em tecido muscular com as exigências da religião, sugeriu que a transubstanciação não deveria ser tomada muito literalmente. Para ele e seus seguidores, valia a "impanatio", isto é, o conceito de que a carne de Cristo estava no biscoito de modo análogo ao que Deus e seu Filho estão na mesma pessoa (união hipostática) --uma outra idéia que não pára em pé, mas deixemos estar.

O pobre Berengar foi considerado herético, preso (por razões que a "Enciclopédia Católica" considera "obscuras") e, pouco depois, abjurou sua teoria. Bem, ele ainda teve mais sorte do que o clérigo John Frith, que foi queimado vivo em 1533 porque se recusara a aceitar o dogma da transubstanciação.

É, portanto, em nome da segurança de cada um de nós que devemos manter todas as idéias, sejam elas proferidas no campo lógico, jurídico, religioso, abertas a escrutínio. Na pior das hipóteses, ninguém perde nada de concreto e estaremos exercendo nossa liberdade; na melhor, alguém deixará de se machucar.

Como o leitor já deve ter concluído, faço objeções fortes a teses religiosas, mas elas não se confundem com ataques a pessoas religiosas. Um exemplo: em 2004, na coluna "Depois do véu, a barba", contrariando meus instintos anticlericais, critiquei a Lei da Laicidade francesa, que proibiu muçulmanas de usar o véu em escolas públicas e baniu outros símbolos religiosos "ostensivos". Minha argumentação foi a de que o louvável objetivo de integrar os franceses num espaço religiosamente neutro não deveria ser perseguido de forma autoritária e com o sacrifício da mais elementar das liberdades individuais, que é a de possuir uma individualidade e exprimi-la pacificamente.

Também não sou ingênuo a ponto de acreditar que um tão miraculoso quanto hipotético fim de todas as religiões lançaria a humanidade numa era de paz. Acho, como Dawkins, que a religião serviu e ainda serve para justificar alguns dos piores crimes já cometidos pelo homem contra o homem, mas não creio que devamos subestimar nossa capacidade de matar uns aos outros. A história mostra que, quando não tiramos a vida de um semelhante porque ele reza para um outro Deus, somos perfeitamente capazes de arrebatá-la por outras razões, como a cor da pele, as preferências políticas e quem sabe até a ponta pela qual ele costuma quebrar os ovos que cozinha para o café da manhã. O problema nunca foi Deus, mas a natureza humana --e receio que tenhamos produzido aqui, sem querer, mais um argumento contra a idéia de Providência benevolente.

Muitos leitores --e esta talvez tenha sido a crítica mais comum-- afirmaram que o ateísmo nada mais é que o fanatismo dos religiosos sem um Deus. É claro que pode sê-lo. Regimes stalinistas perseguiram e aniquilaram comunidades religiosas em nome de uma teleologia que nada ficava a dever à escatologia cristã. Só que ele não precisa sê-lo.

Aqui repousa a maior das incompreensões em relação ao texto de Dawkins. É verdade que o autor não ajuda muito com seu estilo altamente provocativo e com um senso de humor que alterna entre o sutil e o debochado. O biólogo, ao contrário de muitos dos supostos defensores da religiosidade, leva a sério os argumentos dos teólogos e os analisa como se fossem hipóteses científicas --algo que me parece perfeitamente razoável. Ao fazê-lo, é claro, Dawkins não consegue provar que Deus não existe. Em termos lógicos é impossível provar a inexistência do que quer que seja. Mas é o que basta para colocar o Arquiteto do Universo ao lado de outras entidades cuja existência não pode ser cientificamente descartada, como Papai Noel, o Coelho da Páscoa e o Monstro do Spaghetti.

O fato de não demonstrarmos a inexistência de Deus significa que ele existe? É óbvio que não (e, se estivéssemos num tribunal, o ônus da prova recairia sobre os teístas não sobre os ateus). Se aceitarmos o método científico, que nos manda preferir sempre a hipótese mais simples (Navalha de Ockham), podemos até classificar como muito remotas as chances de haver um Criador. Cuidado, não estamos falando aqui de Deus-Natureza ou de um Deus-Big-Bang. Se formos reduzir a divindade a um postulado físico, estamos apenas brincando de trocar os nomes das coisas. O Deus de que falam as três grandes religiões monoteístas é uma entidade inteligente, benevolente, que escuta as preces dos humanos e, se gostar, ainda intervém por eles. Teria ainda o hábito de recompensar os que a veneram e castigar os que não crêem. Convenhamos, que é uma hipótese extravagante, um jeito complicado e rebuscado de explicar a existência do mundo e o surgimento da vida. O surgimento "ab nihilo" de uma Inteligência criadora é ainda mais improvável que o aparecimento de partículas elementares, que deram origem ao mundo físico, que possibilitou a química, a qual redundou na biologia, que evoluiu lentamente até possibilitar a vida inteligente. A ciência oferece, embora de forma incompleta e epistemologicamente precária, respostas mais simples --e portanto mais verossímeis.

É claro que ninguém precisa concordar que a existência de Deus deve ser avaliada à luz de sua verossimilhança. Alguns crêem justamente porque a hipótese é implausível. De minha parte, precisando escolher entre ciência e metafísica, fico com a ciência. Ela já nos levou à Lua e nos permite construir máquinas de lavar, enquanto as discussões teológicas, cuja bela arquitetura conceitual eu confesso apreciar, apenas produziu mais metafísica.

Isso nos leva a uma outra questão colocada pelos leitores: estamos substituindo Deus pela ciência ou, pior, por modismos científicos como neurociência, evolucionismo? O risco, é claro, sempre existe, principalmente se o medirmos em relação a indivíduos. Alguns cientistas e filósofos talvez defendam seus pontos de vista com a mesma fúria e desconsideração com que Torquemada assava desafetos. Em termos de sistema, porém, a ciência tem uma enorme vantagem sobre as religiões: ela é essencialmente não-dogmática, não pretendendo possuir senão verdades provisórias.

Como eu disse, porém, ninguém é obrigado a acreditar em ciência. Isso deixa o livro de Dawkins numa situação interessante. Para quem rejeita as virtudes do método científico, "The God Delusion" se vale das mesmas armas dos religiosos para rejeitar Deus. Só que isso é perfeitamente legítimo. Embora eu ache uma bobagem, qual a regra democrática que impede ateus de mandar seus filhos para escolas de ceticismo aos domingos ou fundar clubes de ataque a Deus? Será que a proposta dawkiniana de poupar crianças de educação religiosa até que atinjam uma certa maturidade é pior do que estabelecer aulas de religião na escola pública, como o faz a Constituição brasileira? Se, por outro lado, achamos que o sucesso relativo das ciências se deve pelo menos em parte a seu método (suposição bastante razoável), então Dawkins tem um ponto ao sustentar a improbabilidade de Deus.

Façam suas escolhas. Só o que não vale é tentar calar o adversário.  Hélio Schwartsman, 41, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.
 

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Offline Alegra

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #17 Online: 23 de Janeiro de 2007, 16:49:53 »
Não sei não Fred, mas as vezes é preciso cutucar a ferida para tirar o pus de lá de dentro para ela sarar de vez...E é assim que vejo a atitude do Dawkins.
"Desde que o mundo é mundo" que existe a crença num ser superior que nos controla e castiga, que nos ama e despreza ao mesmo tempo, e pessoas por trás disso para tirar proveito dos mais desinformados.
Acho que está mais que na hora de alguém com coragem e argumentos suficientes levantar uma bandeira contra este esquema, mesmo que pra isto precise "chutar o balde"!
Mas é só o que eu penso... :?
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Offline Luis Dantas

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #18 Online: 23 de Janeiro de 2007, 16:52:04 »
Essa idéia de cutucar a ferida tem seus méritos.  E, claro, seus riscos.
Wiki experimental | http://luisdantas.zip.net
The stanza uttered by a teacher is reborn in the scholar who repeats the word

Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

Offline Fred

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #19 Online: 23 de Janeiro de 2007, 16:53:11 »
O Dr. Manhattan também abriu um tópico com este artigo na área de Crenças e Mitos.
Mas como informação útil nunca é demais...  :ok:
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Offline Fred

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #20 Online: 23 de Janeiro de 2007, 17:01:30 »
"Desde que o mundo é mundo" que existe a crença num ser superior que nos controla e castiga, que nos ama e despreza ao mesmo tempo, e pessoas por trás disso para tirar proveito dos mais desinformados.
Acho que está mais que na hora de alguém com coragem e argumentos suficientes levantar uma bandeira contra este esquema, mesmo que pra isto precise "chutar o balde"!

Eu vejo uma concientização irreversível do mundo neste aspecto, ainda que lenta. Apesar da percepção geral que temos da ignorânca e misticismo, ninguém duvida de que há 100 anos ela era muito maior.

Tudo é uma questão de evolução e não há Papa que consiga segurar isto. Daqui a mais 100 anos tenho absoluta certeza de que seremos mais do que meros 5% da população longe das trevas.

Vejam o antigo lar dos Vikings, onde se faziam funerais com barcos e cães incendiados...hoje são os países mais avançados do mundo com quase metade da sua população composta de ateus.

Não dá para segurar o poder do conhecimento, por mais que se tente desesperadamente ! :D
“Não tenho medo das perguntas difíceis: tenho pavor das respostas fáceis.” A. Malcot

Luz

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #21 Online: 23 de Janeiro de 2007, 17:20:47 »
Eu vejo uma concientização irreversível do mundo neste aspecto, ainda que lenta. Apesar da percepção geral que temos da ignorânca e misticismo, ninguém duvida de que há 100 anos ela era muito maior.

Tudo é uma questão de evolução e não há Papa que consiga segurar isto. Daqui a mais 100 anos tenho absoluta certeza de que seremos mais do que meros 5% da população longe das trevas.

Vejam o antigo lar dos Vikings, onde se faziam funerais com barcos e cães incendiados…hoje são os países mais avançados do mundo com quase metade da sua população composta de ateus.

Não dá para segurar o poder do conhecimento, por mais que se tente desesperadamente ! :D

Eu também acho que caminhamos para isso - só discordo de você no ponto que a credulidade represente as "trevas", a não ser claro, em casos específicos que não minha opinião, são realmente trevas. O poder da religião não é homogêneo sobre a população, nem mesmo a credulidade. Muitos crédulos contribuíram, contribuem e acredito que continuarão contribuindo para esse avanço do conhecimento.

É que generalização sempre me incomoda!  :)

Offline Hugo

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #22 Online: 23 de Janeiro de 2007, 17:26:13 »

Voces já viram a capa da revista Galileu deste mês?


http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ESD1126-1707,00.html
"O medo de coisas invisíveis é a semente natural daquilo que todo mundo, em seu íntimo, chama de religião". (Thomas Hobbes, Leviatã)

Offline Alegra

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #23 Online: 23 de Janeiro de 2007, 17:31:21 »
Citar
Não dá para segurar o poder do conhecimento, por mais que se tente desesperadamente !

E ainda bem!!!!! :ok:
Já sinto sua falta. Vá em paz meu lindo!

Offline Alegra

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Re: Santa Ilusão!
« Resposta #24 Online: 23 de Janeiro de 2007, 18:41:16 »

Voces já viram a capa da revista Galileu deste mês?


http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ESD1126-1707,00.html



 Capa
O evangelho dos novos ateus
Em contrapartida ao fundamentalismo cristão que assola o Ocidente, um grupo de cientistas ergue a bandeira da fé cega na ciência. Eis o seu credo
   

Uau!! Pena que não deu para eu entrar porque não sou assinante.... :'(
Já sinto sua falta. Vá em paz meu lindo!

 

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