"O Globo" 09-01-07
Patricinhas nazistas
Fernando Moreira
Adolf Hitler morreu há mais de 60 anos. Mas sua ideologia segregadora sobrevive em bolsões mundo afora. Volta e meia um grupo de neonazista desperta atenção por algum ato bárbaro. A música, um dos meios mais eficazes de propagação de ideologias, não foge à regra e a "supremacia branca" cantada em prosa e verso começa a ganhar espaço na mídia americana.
As principais responsáveis por isso são duas gêmeas cantoras que formaram o Prussian Blue.
As adolescentes Lamb e Lynx Gaede, de 14 anos, costumam dizer que usam a música para preservar a raça branca, sob a batuta da mãe, April. A mulher criou as meninas seguindo rigidamente a cartilha nazista. Recentemente, a família deixou Bakersfield, na Califórnia, para viver em Kalispell, Montana. O motivo? A cidade californiana não era "branca o suficiente".
E as gêmeas parecem ter aprendido as lições da matriarca.
Na canção "Sacrifice", Lamb e Lynx exaltam Rudolph Hess, o vice de Hitler. "Rudolph Hess, um homem da Paz. Ele não desistiria e não pararia de dar sua lealdade à nossa Causa", cantam.
Lamb e Lynx conseguiram espaço na grande imprensa dos EUA e foram alvo de documentário da britânica BBC. Elas abrem a boca e acrescentam mais uma polêmica à longa lista.
As adolescentes chegaram a liderar uma campanha para arrecadar dinheiro para vítimas do furacão Katrina, que em 2005 atingiu uma área de maioria negra nos EUA. Mas foram enfáticas: tudo o que fosse arrecado teria que ser destinado aos brancos. "Todas as raças mestiças devem ser banidas/Olho em volta e o que vejo?/Rostos morenos e feios me encarando", reclamam em "What Must Be Done" as gêmeas, que não têm o menor pudor de usar camisetas com a imagem de Hitler sorrindo.
Apesar de protestos e da indignação que mensagens supremacistas geram, para Fragano Ledgister, professor de ciência política da Clark Atlanta University, é um sinal de que a democracia funciona nos EUA o fato de que manifestações como essa possam existir.
— O discurso só é mesmo livre quando pessoas podem dizer coisas que revoltam e ofendem os outros. Essas mensagens, certamente, me ofendem, mas elas não legalizam ou legitimam o racismo e a violência — afirma. — Num mundo multiétnico, é necessário garantir a liberdade de todos, e a liberdade é o benefício mais importante do Estado de direito liberal e democrático.
A "supremacia branca" despertou a atenção de uma indústria fonográfica emergente, que busca ampliar seu nicho. Produtoras e gravadoras especializadas pipocaram à mesma velocidade que surgiram bandas neonazistas e anti-semitas nos EUA.
Na terra do discurso livre, o ódio racial em forma de música é apoiado num sistema de divulgação que tem foco nos adolescentes.
Mais do que música, vende-se ideologia. Nos sites de gravadoras é possível comprar de livros endeusando Hitler a souvernirs do Reich. Elas investem pesado em neonazistas como Shawn Sugg, do Max Resist, um dos expoentes de uma geração mais preocupada em inflamar do que compor. Numa de suas canções, o "ariano superior" diz: "Deixe as cidades queimarem, (...) se você não for branco, estará morto".
Outra banda respeitada por skinheads americanos é o Angry Aryans (Arianos Irados), que não faz cerimônia ao agredir negros e miscigenados: "Seu bebê nasceu um mestiço, com cabelo africano!/O crime de produzir uma raça maléfica/Logo vai gerar sua desgraça, sem vergonha...".
Um dos mais raivosos letristas das bandas arianas é Martin Sommers, da Youngland. O compositor agride negros nas canções, mas o seu alvo preferencial são os judeus. "Eu nunca fui um daqueles judeus famintos por dinheiro/Deus, obrigado por ser um garoto branco", diz , em "Thank God I'm a whiteboy".
Ódio racial também no hip hop
O ódio racial é uma freeway de mão dupla nos EUA, onde tão defendida liberdade de expressão parece estar a serviço da violência. Uma das principais diferenças está no instrumento pelo qual ela é propagada. Os brancos, em geral, escolhem o rock e o punk-rock para extravasar sua fúria. Já os negros, o rap e o hip hop. E não são menos raivosos.
"Uma luta entre um negro e um branco/ Se o negro não vencer a gente entra nela/Fumegando todos os brancos da América", esbraveja na canção "A fight" o rapper Apache, um dos mais contundentes contra os anglo-saxões.
Alguns dos que destilam o ódio pela música já venceram o Grammy, como Ice-T, que em "Race War" canta "Eu sou negro, mas os negros ficam bravos por o povo branco gostar de mim/Os brancos gostam de mim, mas eu não gosto deles".
Em muitas canções, brancos são chamados de "demônios", "invasores".
Nos guetos negros americanos, a cena é comum: carros com alto-falantes ao máximo vociferando ódio e convocando a vizinhança para a "guerra" pelo poder.
"Os irmãos e as irmãs erguem os punhos no ar/Está aberta a temporada contra os invasores, vocês sabem/O necrotério vai estar cheio de caucasianos//Es tou matando os demônios porque eles não merecem estar na Terra com os negros originais/É a hora do Armagedon", diz a letra de "Goin Bananas", do Da Lench Mob.
A "guerra" cantada em versos febris já teve uma grande batalha em abril de 1992, depois que os policiais brancos que espancaram o civil negro Rodney King, quando ele fugiu de uma patrulha, foram absolvidos . A revolta se espalhou por Los Angeles, com saques, incêndios e assassinatos, no que foi classificada como uma miniguerra civil que matou 55 pessoas. "Os tiras não podem nos parar/ Lembrem-se de 29/4/92"diz o Menace Clan, em "Mad Nigga".