Ressucitando o tópico...
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Lições de ChernobylPor Joaquim Castanheira
Na manhã de 26 de abril de 1986, um reator da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia (na época uma das repúblicas da União Soviética), explodiu. O acidente provocou danos humanos, ambientais e econômicos que até hoje não foram sanados e inteiramente dimensionados. O número de mortos varia de quatro mil a 40 mil, dependendo da fonte. A miséria instalou-se na região e não há atividade relevante. Os programas de ajuda social já consumiram US$ 15 bilhões nos últimos anos e têm se mostrado insuficientes. Cientistas acreditam que será necessário um século antes que a radiação no local se dissipe completamente. Os efeitos foram tão profundos que dias atrás Mikail Gorbachev, então presidente da URSS, afirmou que hoje vê a linha do tempo dividida em “antes e depois de Chernobyl”. Segundo ele, o desastre ajudou a desmontar a já frágil economia soviética, apressando a queda dos regimes comunistas do Leste Europeu. Passados exatos vinte anos, o acidente que parecia ter enterrado a expansão do uso de energia atômica é visto de uma outra forma. Ninguém, é óbvio, reduz as conseqüências trágicas do episódio, mas a energia nuclear vive um momento de reavaliação ao redor do planeta.
Os motivos são, sobretudo, econômicos. O preço do petróleo bate recordes sucessivos, os recursos hidrelétricos são finitos e as fontes alternativas não passam disso – alternativas. A opção nuclear, por outro lado, revela-se “dominada” pelo homem. Afinal, além de Chernobyl, a história registra apenas um outro acidente em usinas atômicas: o de Tree Milles Island, nos EUA, cujos impactos foram bem inferiores aos do acidente na Ucrânia. Enfim, o bicho já não parece tão feio como em 1986. A experiência de alguns países também ajudou nesse processo. A França extrai das usinas nucleares mais da metade da energia consumida em seu território e nunca reportou incidentes em suas instalações. Anos atrás, a Alemanha declarou uma espécie de moratória atômica, cessando investimentos nesse campo. Hoje, o país já discute uma possível reversão nessa decisão. E, pasmem, com apoio até de alguns grupos ambientalistas, que vêem nessa opção um mal menor em relação à destruição da camada de ozônio provocada pela emissão contínua de gases.
No Brasil, o debate praticamente inexiste – e, quando se manifesta, revela-se pobre e limitado. Há razões para isso. O programa nuclear brasileiro carrega as pechas de autoritário, ultrapassado e caro. Foi concebido, há mais de 30 anos, durante o período mais fechado do regime militar. Sua implantação sofreu atrasos, o que multiplicou os valores diversas vezes. Desde então, não se desenhou um novo plano. As discussões em torno do uso da energia atômica limitam-se à retomada ou não das obras de Angra 3, cuja construção estava prevista no programa nuclear. E há nesse caso um forte motivo para colocá-la em funcionamento: só a manutenção dos equipamentos já adquiridos e armazenados custam US$ 200 milhões por ano ao País. “Não se pode projetar o futuro da energia nuclear no País com a visão do passado”, alerta Adriano Pires, do Centro de Brasileiro de Estudos de Infra-estrutura.
Há outros mitos que prejudicam esse debate. Um deles diz respeito ao potencial hídrico. A visão de rios abundantes cortando o território brasileiro não impediu o apagão ocorrido em 2001. “Mais de 90% de nossa matriz é hídrica. Há um consenso no mundo de que é necessário diversificar as fontes de geração de energia”, diz Pires. No Brasil, a energia nuclear responde por menos de 1% do total. É um percentual baixo comparado ao de outros países, onde a participação é de 15% a 20%. O aumento dessa fatia é um dos aspectos nessa discussão. Mas é necessário definir também o papel que cabe a ela na matriz energética do País. O início desse debate não pode demorar. Ele já foi colocado na ordem do dia pelo próprio governo. No Plano Decenal um terço da energia nova a ser gerada nos próximos anos está vinculada a três grandes projetos. Sem eles, o fantasma do apagão continuará habitando o pesadelo dos brasileiros. Dois deles são as hidrelétricas Belmonte e Rio Madeira. A terceira é Angra 3. As duas primeiras, ainda em fase de detalhamento, possuem um custo elevadíssimo nos itens transmissão e meio ambiente. Angra 3 é a mais viável nesse momento. Ou seja, novos investimentos em energia atômica são inevitáveis. O que é preferível? Ignorar o assunto ou planejá-lo e adequá-lo às necessidades do País?
http://www.terra.com.br/istoedinheiro/450/artigo/index.htm