"O Globo" 11/08/07
Entre o delírio e a razão
Roberta Jansen
O biólogo Richard Dawkins, um dos mais proeminentes evolucionistas da atualidade, nunca foi homem de meias palavras. Figurinha fácil nos debates cada vez mais freqüentes nos Estados Unidos e na Europa sobre criacionismo, design inteligente, extremismo religioso e, claro, o papel da ciência nisso tudo, ele inflama qualquer discussão com sua defesa ferrenha do ateísmo, suas duras críticas às religiões e sua retórica nada disposta a concessões.
Ele já foi chamado de fanático, extremista, “o mais raivoso dos ateus” e chegou mesmo a ser comparado a Osama bin Laden. Mas nada parece intimidá-lo em sua cruzada em defesa da razão. Muito pelo contrário.
“Deus, um delírio” é o mais novo livro de Dawkins, que está sendo publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Como se o título em si já não fosse suficiente, logo no início do livro ele se dirige diretamente ao leitor para deixar bem claro que não está nada disposto a adotar meios-tons: “Sei que você não acredita num senhor barbado sentado numa nuvem, então não percamos mais tempo com isso. Não estou atacando nenhuma versão específica de Deus ou deuses.
Estou atacando Deus, todos os deuses, toda e qualquer coisa que seja sobrenatural, que já foi e que ainda será inventada.” Lançando mão de muita ciência, seu inegável talento como escritor e grandes doses de humor, o biólogo constrói a tese de que Deus é uma impossibilidade completa porque sua existência não pode ser comprovada cientificamente. Sobretudo quando se parte da teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin.
Crenças religiosas são irracionais, incompatíveis com a ciência
Segundo Dawkins, Deus não poderia ser um projetista do Universo, um criador original, como defendem alguns, porque “inteligências criativas, por terem evoluído, necessariamente chegam mais tarde ao Universo e, portanto, não podem ser responsáveis por projetá-lo”.
Com isso, concluiu, “Deus, no sentido da definição, é um delírio; e um delírio pernicioso.” O perigo está em qualquer grau de religiosidade, de acordo com o biólogo, e não apenas no que se convencionou chamar de extremismo.
Para Dawkins, ao postular que se deve acreditar sem provas, a religião é um sério entrave ao conhecimento científico.
Mais do que isso, ela incita, em sua análise, atos extremos, como atentados terroristas, ao pregar a obediência cega.
Por isso a religião não merece sequer respeito, diz ele, e provoca: “Se aceitarmos o princípio de que a fé religiosa deve ser respeitada simplesmente porque é fé religiosa, é difícil deixar de respeitar Osama bin Laden e os homens-bomba.”
Nada conciliatório, Dawkins não vê como ciência e religião possam coexistir, como tantos defendem diplomaticamente, mesmo cientistas ateus como ele. Segundo o evolucionista, as crenças religiosas são irracionais e, por isso mesmo, incompatíveis com a ciência.
— Elas não estão em esferas diferentes — disse, em entrevista ao GLOBO. — Toda religião que usa milagres para persuadir as pessoas, por exemplo, está violando princípios científicos. E acho que a idéia de uma inteligência sobrenatural nas raízes do Universo é uma idéia científica, embora errada. Dawkins não poupa nada nem ninguém.
Num dos capítulos mais polêmicos do livro, ele sustenta que a Bíblia não pode servir como base moral de nada porque “seus personagens”, para dizer o mínimo, não são bons exemplos de nada. Josué é comparado pelo biólogo a Hitler e a Saddam Hussein no episódio da destruição de Jericó.
E o Deus do Antigo Testamento, no trecho que mais enfureceu os religiosos, é descrito como um dos personagens mais desagradáveis da ficção: “ciumento, controlador mesquinho, injusto e intransigente, genocida étnico e vingativo, sedento de sangue, perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo.”
Mais dois livros sobre o mesmo assunto chegam ao Brasil
Os atos terroristas vistos a partir do 11 de Setembro e a descoberta, pelo mundo ocidental, dos extremistas islâmicos acirrou os debates sobre religião. Mas o ressurgimento, com toda força, do criacionismo e do design inteligente nos EUA também colocaram lenha na fogueira. Agora, parece ser a vez de os ateus se manifestarem. Além do livro de Dawkins, estão chegando ao Brasil “Tratado de ateologia” (Martins Fontes), de Michel Onfray, e “Deus não é grande” (em outubro, pela Ediouro), de Christopher Hitchens.