A falta de debate público e priorização dos interesses empresariais, onde o modelo de negócios predominou sobre o modelo de serviços, conduziu à adoção pelo Brasil, em 29 de junho de 2006, do padrão TV digital ISDB (Integrated Services Digital Broadcasting), de origem e propriedade japonesa. No sentido amplo do termo, o debate não se realizou. As brechas apresentaram limitam-se às audiências e consultas públicas e aos novos lugares criados, como o Conselho de Comunicação Social, do Congresso Nacional, sendo conhecidas as limitações de todas essas possibilidades, por sua própria natureza e pela condição econômica e cultural de acesso do brasileiro médio. Ao lado disso, as emissoras televisivas
atuaram de forma totalmente irresponsável, resumindo a questão entre manter a televisão aberta como gratuita ao telespectador ou não, quando o problema é mais amplo e, na base, estava a possibilidade de ampliar o número de agentes participantes desse mercado. Além do mais, é sabido que, mesmo quando não há pagamento direto pelo consumidor, este paga o anúncio publicitário, cujo custo é embutido no preço dos produtos em geral. A batalha das operadoras de TV foi, em síntese, pela preservação do uso total e do controle das redes de distribuição do espaço de 6 MHz do espectro eletromagnético, que detinham a partir das concessões analógicas. A questão é que, com a digitalização, há uma multiplicação da capacidade desse espaço, que no sistema analógico, tanto VHF4, quanto UHF,5 permite colocar no ar apenas uma programação.
No modelo digital, os 6 MHz podem transportar uma programação em alta definição, quatro programações na definição standard e dados ou soluções mistas, que reúnam conteúdos televisivos e dados em geral. As grandesredes pressionaram e conseguiram que o modelo brasileiro consagrasse que cada canal faça a gestão de sua própria distribuição, detendo as antenas e demais equipamentos necessários e, evidentemente, arcando com os custos da passagem da transmissão analógica para o digital (embora pleiteiem financiamento público para isto). A solução é de difícil operacionalização para as pequenas emissoras, tendo em vista o alto custo que isso significa.
A insistência pela manutenção do controle total sobre a distribuição dos 6 MHz levou a um fechamento de questão em torno do padrão japonês e, correlatamente, a uma rejeição à modulação européia. Pelo padrão europeu, DVB (Digital Video Broadcasting), um único operador de rede por localidade ficaria encarregado de transmitir os conteúdos de todas as emissoras. De um lado, permitia que parte dos 6 MHz de cada estação atual fosse destinada para a transmissão de conteúdos alternativos. De outro, desoneraria os pequenos canais do alto investimento de compra dos equipamentos para transmissão digital. O operador de rede teria que ser regulamentado e fiscalizado para não se envolver ou vetar conteúdos, assim como para que praticasse preços compatíveis. Isso representaria partilha de poder, daí mobilizando os grandes operadores televisivos contra esta opção. Tal modelo não significa compulsoriamente a cobrança pela recepção, pois, da mesma forma que hoje as emissoras bancam o custo de transmissão, poderiam arcar com o pagamento ao operador de rede.
Tanto o modelo japonês quanto o europeu permitem transmissão para dispositivos em movimento (telefones celulares e aparelhos instalados em veículos de transporte de todos os tipos), mas o primeiro trabalha com a chamada segmentação espectral, possibilitando que um mesmo canal de 6 MHz divida sua difusão. Como o projeto da Globo é transmitir a mesma programação com três definições de imagens diferentes – para televisores de alta definição, para receptores convencionais com conversores acoplados e para aparelhos móveis – sua preferência e pressão política é pelo padrão japonês. Com o padrão europeu isso também poderia ser feito, mas, como requereria mais de um canal, teria que entrar o operador de rede. No DVB, um canal tem que ser usado de uma só forma, alta definição, definição padrão (standard) ou para receptores móveis (low). A saída é reunir cada forma de transmissão nos mesmos canais, o que não pode ser feito por um mesmo programador, mas pelo operador de rede, pois este disporia de todos os espaços do espectro para disponibilizar aos usuários.