Errata e honestidade intelectual
No artigo “Professor Não é Coitado”, cometi um erro. Na parte onde se lê “Questionário respondido pelos professores quando da aplicação do Saeb, o teste do ensino básico, revela que apenas 3% deles haviam visto, em toda a sua carreira, alunos com armas de fogo (...)” os dados em realidade são referentes apenas a aquele ano, não a toda a carreira do profissional. No caso, o ano em questão era de 2003.
Como descobri o equívoco por meio de correspondência de leitora que citava este engano como exemplo da minha suposta má-fé de distorcer dados para chegar a conclusões falsas, vale explicar um pouco a sua origem. Colhi os dados deste informativo (clique aqui para acessar) do Inep, órgão oficial do país sobre estatísticas educacionais. O texto declara que o professor “já flagrou”, “já sofreu agressão” etc. Termos que, na minha leitura, se referem a todo o espaço de tempo precedente à pergunta, e não apenas ao ano em questão (sendo essa intenção, o texto deveria ser: “flagrou, nesse ano”) etc. Esta é a mesma leitura da assessoria de imprensa do Inep que, consultada sobre a questão, manifestou intenção de corrigir o texto do informe. Não que isso me isente da responsabilidade do erro, que é toda minha.
Antes que alguém imagine que estou usando os dados de 2003 porque eles seriam especialmente benéficos à minha “causa”, me adianto em dizer: são os mais recentes disponíveis. Os resultados referentes aos anos de 2005 e 2007 ainda não foram tabulados, nem os microdados estão disponíveis para pesquisadores. Tampouco há, que eu saiba, qualquer informe que tabule os resultados de exposição à violência ao longo da carreira dos professores.
Aproveito o ensejo para ir adiante. O meu interesse pela educação deriva da minha percepção de que ela é a ferramenta fundamental para a possibilidade de desenvolvimento futuro do Brasil, bem como do entendimento de que seu fracasso é um fator explicativo importante para a explicação das nossas mazelas atuais. É por isso, e apenas por isso, que me especializei na área de economia da educação. Não tenho ONG, não vendo produtos educacionais, não recebo dinheiro de nenhuma entidade governamental ou privada. A empresa da minha família tem uma fundação que lida com arte-educação e ensino técnico. Não trabalho nem jamais trabalhei para a Fundação, mas mesmo assim evito escrever sobre esses temas porque, para além do meu desconhecimento a seu respeito, sigo a injunção romana de que a mulher de César não precisa apenas ser séria, mas também parecer séria.
É frustrante ter de falar sobre aspectos que deveriam ser condição sine qua non de qualquer profissional que lida com o pensamento, especialmente em veículo público. Mas no atual clima turvado em que o país se encontra, o cinismo ocupou todos os espaços e a integridade passou de necessidade a virtude.
Minha única bandeira é a da honestidade intelectual. A missão do intelectual é falar o que pensa e pensar o que fala, sem se curvar não apenas a interesses espúrios, mas também às suas paixões e vieses pessoais. O primeiro intelectual com o qual tive contato foi Noam Chomsky. Hoje pensamos diferente na maioria das questões, mas o respeito à absoluta necessidade da honestidade intelectual pregada por Chomsky (e por tantos outros, claro) permaneceu.
Sei que muitos dos dados que trago a este espaço e às páginas da Veja são contra-intuitivos. Sei que muitos são revoltantes para o status quo. Sei que muitos magoam e ofendem alguns leitores. Mas são os dados que, depois de muitos anos de pesquisa, me parecem verdadeiros. Se mudar de idéia, não terei o menor problema de mudar meu posicionamento público a respeito do que quer que seja. E quando cometer erros – quem não os comete? – não hesitarei em corrigi-los, como faço agora. Não posso garantir que tudo que escrevi e escreverei está e estará livre de erro, mas posso garantir que os erros eventualmente cometidos são erros de desinformação ou fruto de limitações cognitivas, jamais de manipulação ou descompromisso com a verdade.