Eu juro que não entendo essa história de "Não queremos que a civilização chegue até lá", e "Demonstra que não são civilizados mesmo, e é isso que queremos conservar". Conservar o quê, cara-pálida? Conservá-los sem acesso à medicina moderna, à remédios e vacinas, sem saneamento básico, sem educação, etc. e tal? Conservá-los numa redoma, isolados , esperando que eles próprios nunca se aventurem muito longe da aldeia, que ignorem o resto do mundo? Qual é o objetivo disso, criar uma classe de intocáveis ainda mais intocável do que a dos índios já aculturados?
protegê-los. você valoriza a medicina moderna, a educação básica e cheetos, mas eles só querem continuar a viver com o tupã deles. e não adianta ensinar a ser civilizado, vai virar tudo índio bêbado de short de tectel.
Protegê-los de que? Isso tem cheiro de paternalismo barato... eles não são bichos, são gente. E queira ou não em algum momento, e não vai demorar muito, eles vão acabar entrando em contato conosco por conta própria. E eu até concordo em esperar até que isso aconteça. Mas não em impedir que aconteça.
não vão. eles não têm por que se aventurar; se não o fizeram até agora...
ocorre que os nossos modos de vida não são conciliáveis de tal modo que nem a coexistência consciente é possível. é mania do homem moderno achar que todas as suas características se reproduzem em todos os homens de todos os tempos, o que o leva a pensar que todos os homens têm necessariamente a idéia de indivíduo, responsabilidade e escolha.
isso, meu caro, não é paternalismo, é empatia. só não estou projetando a minha imagem em gente alheia, cujas diferenças de mim podem ir mais longe que qualquer epistemologia possa prever.
E também não estou falando de chegar na aldeia deles, derrubar casas pra reconstruir de tijolo, asfaltar ruas, levar TV e internet... é coisa de levar um antropólogo, um lingüista, pra aprendermos a respeito deles, e uma equipe médica. Tudo respeitando a cultura, história, religião deles.
sugiro dar uma olhada no artigo sobre o povo sentinelês na wikipedia ('the sentinelese') e ver o vídeo no youtube. apesar de as expedições antropológicas à ilha do sentinela terem parado e, aparentemente, grandes conseqüências não terem sido causadas (fora talvez a perplexidade com um helicóptero ou barco motorizado), o caso é evidência da sensibilidade que tem o modo de vida dos povos primitivos. no caso dos sentineleses, eles nem descobriram ainda a agricultura, e não estão, suponho, infelizes com isso, já que a agricultura é inconcebível pra eles. e se um cego mascando chiclete pode causar uma epifania em clarice lispector, imagine as coisas do mundo moderno.
tem que haver uma socialização, mas que seja gradual, mas tem gente que acha bom mante-los na idade da pedra "pra proteger a cultura". Se fosse assim deviamos todos voltar as tribos.
não é 'proteger a cultura'. é protegê-LOS. como disse o revo, é uma questão de identidade. os índios isolados se bastam e se sentem seguros sabendo do que pode e não pode acontecer, do que é ou não concebível. não têm nada a ganhar conosco e não temos nada a ganhar com eles.
Então você e o antropólogo decidiram o que é melhor para eles? Pior, decidiram, no lugar deles, o que eles querem? Olha, eu também acho que, dependendo da maneira como as coisas são feitas, existe um risco grande de se destruír a vida dessas pessoas ao levar para eles a nossa civilização. Mas pensar que os índios não teriam nada a ganhar com a medicina moderna e tratá-los como bichinhos bonitinhos da floresta chega a ser cruel.
não é 'tratá-los como bichinhos bonitinhos da floresta', nem guardar num aquário por curiosidade. embora eu seja, de fato, curioso a respeito da humanidade em sua infância, posso assegurar que não é este o motivo que me faz um 'preservacionista'. é o fato de que qualquer estrutura social é complexa e sensível e de que a própria sanidade depende de que tenhamos algumas coisas por certas. note, estou abstraindo o fato de que um contato mais enérgico com os índios não só não levaria as benesses modernas como também levaria parte dos males, para fins da discussão. eles não sentem a necessidade da medicina moderna e nem das mazelas que vão junto, da mesma forma que não sentimos necessidade da imortalidade ou, sei lá, da tv que vão lançar daqui a 30 anos.