Autor Tópico: O cinturão de proteção de Imre Lakatos  (Lida 12602 vezes)

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Offline Moro

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Re: O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #25 Online: 23 de Maio de 2010, 20:11:41 »
impressionante... O livro todo deve ter sido gerado pelo gerador de lero lero.

Aposto que em duas páginas se resume todo o conteúdo do livro com ganhos na comunicação.
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Offline Adriano

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Re: O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #26 Online: 23 de Maio de 2010, 22:31:19 »
Ou se resume todo o pós-modernismo como algo que fede. É o que foi feito e é mais simples ainda.  :|
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline Rocky Joe

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #27 Online: 26 de Novembro de 2011, 00:52:17 »
Citação de: DDV
Ele diz que se alguém conseguir alterar a teoria newtoniana, de forma que ela não só consiga explicar as anomalias que apresentava (como a órbita de Mercúrio, o experimento de Michelson-Morley) como também consiga explicar os resultados experimentais previstos pela teoria da relatividade, então com certeza teremos uma séria concorrente da teoria atual.

A relatividade restrita tem a teoria do Lorentz, né, que é empiricamente equivalente a de Einstein, mas com uma hipótese ad hoc (a existência do éter). "Transformações de Lorentz" não são chamadas assim à-toa. Fiquei sabendo da teoria por um artigo muito bom do John Bell, "How to teach Special Relativity" (recomendo se lhe interessar, a leitura do Bell é muito agradável). Quanto a Relatividade Geral, não conheço nenhuma teoria que a aborde numa perspectiva clássica com o uso de hipóteses ad hoc.

Na quântica, há a mecânica bohmiana, que retoma uma ontologia clássica com uma hipótese ad hoc: a trajetória da partícula. Mas este exemplo pode mostrar como a situação pode se complicar, e pode não ser fácil seguir o preceito defendido por Popper. Por ser uma hipótese ad hoc, parece que não devemos adotá-la. Mas, ao mesmo tempo, ela evita a necessidade de outra hipótese usada na quântica - o postulado do colapso, que desagrada a muitas pessoas. Há quem acredita até que se a teoria de Bohm tivesse sido defendida anteriormente, a comunidade física teria adotado a teoria de Bohm, por ser mais familiar (no início da quântica, de Broglie a defendeu, mas o proprio a abandonou por não conseguir resolver problemas internos).

Imaginemos outro exemplo de dificuldade prática. Um buraco negro é detectado por sua influência gravitacional - o que pode ser encarado com uma hipótese ad hoc (nossos cálculos não batem, logo, para baterem, deve haver um buraco negro aqui!). Haveria alguma forma de detectar o buraco negro sem ser isso, e, assim, desqualificar sua existência como hipótese ad hoc? Em princípio há a radiação do buraco negro, mas, se não me engano, ela é muito fraca para ser detectada.

As idéias são muito bonitas, devemos aproximar a ciência o máximo possível dela. Belo ideal. Sempre possível seguir seus preceitos? Imagino que não. Mas espero que sim, claro.
« Última modificação: 26 de Novembro de 2011, 01:06:01 por Martuchelli »

Offline Dbohr

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #28 Online: 26 de Novembro de 2011, 07:19:17 »
Eu lamento nunca ter encontrado uma fonte muito boa sobre a interpretação Bohmiana da MQ. O que exatamente ela diz, em linhas gerais? Vez por outra vejo alguém dizer que consegue definir uma trajetória para o elétron, por exemplo, mas o argumento sempre me pareceu furado.

Offline Adriano

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #29 Online: 26 de Novembro de 2011, 09:06:43 »
Esse objetivo é compartilhado por todos os cientistas e filósofos (a única exceção declarada que eu conheço é Feyerabend, que diz que o objetivo da ciência é "promover a felicidade humana").
E até mesmo Popper, com seu livro, Em busca de um mundo melhor, nos traz essa visão. Mas Popper faz uma análise mais institucional da ciência e estende isto até mesmo para as nações, as chamadas sociedades abertas  :)

E Feyerabend foi um grande parceiro intelectual de Lakatos, demonstrado pelo projeto que não foi possível concluirem em conjunto:

Citação de: Wikipédia
Na London School of Economics, Feyerabend conheceu um aluno de Popper, Imre Lakatos. Eles planejaram escrever um diálogo intitulado For and Against method, no qual Lakatos defenderia uma visão racionalista da ciência e Feyerabend a atacaria.
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Offline DDV

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #30 Online: 26 de Novembro de 2011, 09:54:10 »
Já me disseram que o Modelo do Bohm não é uma interpretação da MQ, mas uma outra teoria concorrente à esta. Isso procede?

Não acredite em quem lhe disser que a verdade não existe.

"O maior vício do capitalismo é a distribuição desigual das benesses. A maior virtude do socialismo é a distribuição igual da miséria." (W. Churchill)

Offline DDV

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #31 Online: 26 de Novembro de 2011, 10:04:11 »
Citação de: Martuchelli
Na quântica, há a mecânica bohmiana, que retoma uma ontologia clássica com uma hipótese ad hoc: a trajetória da partícula. Mas este exemplo pode mostrar como a situação pode se complicar, e pode não ser fácil seguir o preceito defendido por Popper. Por ser uma hipótese ad hoc, parece que não devemos adotá-la. Mas, ao mesmo tempo, ela evita a necessidade de outra hipótese usada na quântica - o postulado do colapso, que desagrada a muitas pessoas

Nesse caso, temos que escolher o ad hoc "menor" ou mais aceitável.  :biglol:

Parece que até o momento não conseguiram elaborar experimentos cruciais para testá-las.


Citar
Há quem acredita até que se a teoria de Bohm tivesse sido defendida anteriormente, a comunidade física teria adotado a teoria de Bohm, por ser mais familiar (no início da quântica, de Broglie a defendeu, mas o proprio a abandonou por não conseguir resolver problemas internos).

Sim, daria um bom estudo sociológico o porquê do modelo bohmiano não ter feito nenhum sucesso entre os físicos.


Talvez isso se deva à postura da grande massa dos físicos: o importante é calcular e aplicar, o resto é supérfluo. A Interpretação de Copenhaguen é a que mais se coaduna a essa postura.
Não acredite em quem lhe disser que a verdade não existe.

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Offline Dbohr

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #32 Online: 26 de Novembro de 2011, 11:40:16 »
Já me disseram que o Modelo do Bohm não é uma interpretação da MQ, mas uma outra teoria concorrente à esta. Isso procede?



Escuto essa crítica com certa frequência, mas não tenho como julgar sem conhecer a fundo o que Bohm afirma. Gostaria de saber mais também.


Talvez isso se deva à postura da grande massa dos físicos: o importante é calcular e aplicar, o resto é supérfluo. A Interpretação de Copenhaguen é a que mais se coaduna a essa postura.

É um pouco mais sutil do que isso, eu acho. Toda a resistência às alternativas propostas para a Interpretação de Copenhague vem do fato delas sugerirem que temos que abandonar ou a localidade, ou a causalidade, ou assumir umas quantas hipóteses ad-hoc. Na IC, basta assumirmos o que está implícito no formalismo estatístico -- certas propriedades simplesmente não estão definidas até que a função de onda colapse.

E nem precisa torcer tanto a cabeça para visualizar o que é isso. Imagine uma moeda girando no ar. O estado dela não é cara, nem coroa. Mas assim que a moeda for apanhada, um dos dois estados vai aparecer.

Offline Rocky Joe

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #33 Online: 26 de Novembro de 2011, 12:52:00 »
Citação de: Dbohr
Eu lamento nunca ter encontrado uma fonte muito boa sobre a interpretação Bohmiana da MQ. O que exatamente ela diz, em linhas gerais? Vez por outra vejo alguém dizer que consegue definir uma trajetória para o elétron, por exemplo, mas o argumento sempre me pareceu furado.

A parte boa da Mecânica Bohmiana é que ela é uma teoria com uma visão de mundo clara. Ela diz que as partículas fundamentais são de fato partículas e tem trajetória bem definidas, e os fenômenos ondulatórios são explicados porque esta partícula sofre a influência de uma "onda". Como se a partícula fosse um surfista, sendo guiado pela onda do mar - mas no caso, a "onda" é a função de onda. E eu ponho em aspas porque a função de onda não é uma onda meio esquisita - ela nem está no espaço tridimensional, quando há mais de uma partícula.

E sim, é uma teoria não-local. Se você se interessar, boas fontes sobre a interpretação:

http://plato.stanford.edu/entries/qm-bohm/
http://arxiv.org/abs/quant-ph/0611032 (um trocadilho com um filme do Woody Allen o título - cientistas só são criativos assim quando tratam de assuntos assim, que muitos dizem ser não sério? hehe)
http://arxiv.org/abs/quant-ph/0408113

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Já me disseram que o Modelo do Bohm não é uma interpretação da MQ, mas uma outra teoria concorrente à esta. Isso procede?

Se definirmos interpretação como "tendo os mesmos resultados experimentais, mas vendo o mundo de forma diferente", então é uma interpretação sim.

No entanto, muitas pessoas aplicam a teoria de Bohm na cosmologia, quando não é possível usar a mecânica quântica usual - na cosmologia não há nada para fazer o papel de "observador" (quem observa o universo?). Caso a teoria de Bohm seja aplicada à cosmologia e obtenha novos resultados comprovados, imagino que podemos dizer que ela é mais rica que a mecânica quântica usual.

Se Deus quiser (brincando!), passarei para o mestrado e gostaria de fazer uma tese neste assunto. :)

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É um pouco mais sutil do que isso, eu acho. Toda a resistência às alternativas propostas para a Interpretação de Copenhague vem do fato delas sugerirem que temos que abandonar ou a localidade, ou a causalidade, ou assumir umas quantas hipóteses ad-hoc. Na IC, basta assumirmos o que está implícito no formalismo estatístico -- certas propriedades simplesmente não estão definidas até que a função de onda colapse.

O único problema da interpretação de Bohr é que a função de onda colapsa quando há uma medida, como na medida descrita de cara ou coroa. Mas para saber quando ela se aplica, é necessário definir "medida", e isto não é fácil como pode parecer, porque o aparato de medida - você, no caso da moeda - também é formado por elétrons, prótons, etc, também obedece as leis da Mecânica Quântica e não há motivos físicos (até onde sei) para dizer que você constitui um sistema físico especial, "que pode medir".

Isto é um pseudo-problema, claro, porque na prática sempre sabemos o que é uma medida. Para Bohr isto não é um problema, porque para ele há dois "mundos", o clássico e o quântico, e quando há a interação entre os dois (o aparato de medida clássico e o mundo quântico) a função de onda colapsa (a moeda dá cara ou coroa, se considerássemos a moeda um sistema quântico!). Vou pôr uma citação dele, porque Bohr é enigmático demais e minha interpretação pode ser errada:

“É decisivo reconhecer que, por mais que o fenômeno transcenda o âmbito da explicação da física clássica, o relato de todas as evidências deve ser expresso em termos clássicos. O argumento é simplesmente que pela palavra ‘experiência’ nos referimos a uma situação em que podemos dizer aos outros o que temos feito e o que temos aprendido e que, portanto, o relato do arranjo experimental e dos resultados das observações devem ser expressos em linguagem inequívoca com a aplicação adequada da terminologia da física clássica”.

Offline Hold the Door

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #34 Online: 26 de Novembro de 2011, 16:29:48 »
Imaginemos outro exemplo de dificuldade prática. Um buraco negro é detectado por sua influência gravitacional - o que pode ser encarado com uma hipótese ad hoc (nossos cálculos não batem, logo, para baterem, deve haver um buraco negro aqui!).

As evidências da existência de buracos negros são indiretas, mas não são ad hoc.

Um ad hoc é um "remendo" que você faz em uma teoria para explicar dados que ela originalmente não consegue.

Buracos negros foram previstos teoricamente da RG, ou melhor, foram obtidos como soluções exatas das equações da RG, sem qualquer "remendo" e muito antes de qualquer dado observacional que precisasse ser explicado.

Haveria alguma forma de detectar o buraco negro sem ser isso, e, assim, desqualificar sua existência como hipótese ad hoc? Em princípio há a radiação do buraco negro, mas, se não me engano, ela é muito fraca para ser detectada.

Existem muitas evidências observacionais indiretas associadas a existência de buracos negros. Veja o artigo da wiki:

http://en.wikipedia.org/wiki/Black_hole#Observational_evidence
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Offline Hold the Door

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #35 Online: 26 de Novembro de 2011, 16:49:30 »
Aliás, se você quer uma explicação "ad hoc", eu diria que a matéria escura é o exemplo perfeito.
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Offline Dbohr

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #36 Online: 28 de Novembro de 2011, 10:29:35 »
Obrigado, Martuchelli!

Baixei os artigos e estou dando uma lida.

Offline -Huxley-

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #37 Online: 30 de Janeiro de 2016, 19:42:36 »
Kuhn e Lakatos são os principais (e melhores) críticos do falsificacionismo de Popper. Porém ambos, apesar de detalharem melhor alguns processos metodológicos que ocorrem na ciência, não conseguiram contrapor-se ou refutar o falsificacionismo, nem parcialmente, porque as partes corretas de suas teorias não são incompatíveis com o falsificacionismo popperiano. Na verdade, a argumentação deles se baseia numa interpretação ingênua do falsificacionismo da parte deles. O falsificacionismo ingênuo consiste em se afirmar que uma teoria deve ser automaticamente eliminada quando um experimento não mostra o resultado por ela previsto, quando na verdade o falsificacionismo apenas afirma que uma das hipóteses envolvidas na elaboração do experimento (a teoria em questão, as hipóteses auxiliares sobre os instrumentos, outras teorias estabelecidas que estão envolvidas no experimento, condução correta do experimento etc) está errada e deve ser procurada e eliminada.

O falsificacionismo não especifica o que o cientista deve fazer quando uma "anomalia" surge ou experimento "fracassa". Se ele vai utilizar uma estratégia "normal" ( tentar remodelar a teoria ou criar hipóteses auxiliares que expliquem o fracasso da teoria no experimento) ou "revolucionária" (criar uma teoria nova, abandonando a anterior), isso é com ele. O falsificacionismo (e a filosofia da ciência em geral) não determina onde, em que teoria e como o cientista deve trabalhar, muito menos o conteúdo das teorias que ele vai criar, o falsificacionismo apenas assevera que ele deve trabalhar para eliminar hipóteses falsas (sejas quais forem), e proibe o uso de hipóteses ad-hoc.

Cabe agora explicar quando uma hipótese é ou não ad-hoc. Uma hipótese é ad-hoc quando não faz nenhuma previsão adicional, apenas "explicando" uma determinada anomalia, e só. Um exemplo tosco, que todos aqui conhecem, são as hipóteses utilizadas para defender a existência do Dragão da Garagem de Sagan.
Qualquer hipótese que gere previsões adicionais quando é lançada não é ad-hoc. Segundo Popper, hipóteses ad-hoc são as que reduzem a falseabilidade de uma teoria, enquanto as não-ad hoc são as que aumentam a falseabilidade ou, ao menos, a preserva.

No caso do Dragão de Sagan, cada hipótese lançada para explicar sua não-detecção não gera nenhuma previsão adicional, apenas "explica" sua não detecção. Um outro exemplo de hipótese ad-hoc foi quando um aristotélico, para defender a idéia de que a superfície da Lua é perfeitamente regular, disse que entre suas crateras e saliências havia um preenchimento de material invisível, e portanto a  superfície é regular (Galileu, de forma jocosa e "educativa", respondeu que concorda que há esse material invisível, mas que ele na verdade ficava em cima das saliências visíveis, tornando a superfície mais irregular ainda).

Um exemplo de hipótese não ad-hoc: frente a observações que pareciam ir contra o princípio da conservação da energia, Chadwick propôs a existência de outras partículas, de carga neutra (os néutrons); essa hipótese era independentemente testável e acabou sendo confirmada.

Em resumo: o falsificacionismo proíbe o uso de hipóteses que não fazem previsões adicionais, não sendo independentemente testáveis, servindo apenas para "explicar" um determinado resultado e nada mais. Essas são as hipóteses ad-hoc.

Na verdade, existem "graus" de ad-hoc, ou seja, uma hipótese pode ser mais ou menos ad-hoc do que outra quanto mais ou menos independentemente testável ela for. A comunidade científica geralmente sabe escolher quais hipóteses merecem um grande esforço e gasto para conseguirem ser testadas (como a do neutrino) e quais não.

Ao contrário do que diz o texto do primeiro post, Imre Lakatos não dizia que os cientistas  usavam hipóteses ad-hoc regularmente, e nem defendia seu uso. As hipóteses auxiliares que ele preconiza são as do tipo não ad-hoc (conforme já explicado). Lakatos defende que é possível o uso de hipóteses auxiliares não ad hoc (permitidas pelo falsificacionismo)  de forma praticamente indefinida para manter uma teoria de pé.

A hipótese da existência do éter não era ad-hoc, pois fazia algumas previsões adicionais, previsões essas que foram refutadas por experimentos da época (como o de Michelson-Morley).

Eis um exemplo que Lakatos cita para ilustrar a possibilidade de preservação de um "núcleo forte" de uma teoria através do uso contínuo de hipóteses auxiliares (não ad hoc, só para lembrar): suponha que o movimento de um planeta não esteja de acordo com o previsto pelas leis de Newton, é então formulada a hipótese de que um outro planeta esteja por perto, perturbando o movimento do primeiro com sua influência gravitacional; faz-se os cálculos, e quando os telescópios vasculham o local previsto para o planeta estar, ele não é visto; formula-se então a hipótese de que uma nuvem de poeira espacial está encobrindo a visão desse planeta; enviam uma sonda para o local, esta não encontra nada; formulam então a hipótese de que os instrumentos da sonda estão sendo perturbados por uma influência eletromagética da  tal nuvem, e assim as coisas vão.

Para quem vê esse exemplo e outros análogos, citados por Lakatos, percebe-se logo algo que ele aparentemente esqueceu: não é possível ou viável prosseguir indefinidamente formulando hipóteses auxiliares não ad hoc para manter uma teoria, pois a quantidade de parâmetros que devem ser atendidos, à medida que as hipóteses auxiliares vão sendo lançadas, é grande e vai aumentando indefinidamente.

No exemplo citado por Lakatos, ele esqueceu que o planeta que explicaria a anomalia dos movimentos de outro deve ter uma órbita, ou seja, em algum momento ele poderia ficar visível aos telescópios, a não ser que a nuvem cobrisse toda a sua órbita, o que seria bastante improvável. A existência de tal nuvem com certeza encobriria as estrelas da msma direção, teríamos uma grande faixa escura cobrindo 360° do céu. Além disso, as leis de Newton permitiriam calcular a massa do planeta, o que ajudaria a avaliar a possibilidade dele ser ou não visível, que quantidade de nuvem de poeira é necessária para encobrí-lo, etc.

Em suma, não é possível prosseguir indefinidamente formulando hipóteses não ad-hoc para preservar uma teoria, uma hora trava. Pelo que Lakatos defende, a teoria newtoniana poderia muito bem ser preservada indefinidamente. Ele não consegue explicar então porque ocorreu a mudança para a teoria da relatividade, já que os cientistas poderiam muito bem utilizar hipóteses auxiliares para manter a teoria newtoniana indefinidadmente.

Watkins comentou que o único jeito de saber se é possível seguir a receita que, segundo Lakatos, é possível, seria apresentando versões de teorias já abandonadas melhoradas com hipóteses auxiliares, de forma a darem conta de todos os resultados experimentais. Ele diz que se alguém conseguir alterar a teoria newtoniana, de forma que ela não só consiga explicar as anomalias que apresentava (como a órbita de Mercúrio, o experimento de Michelson-Morley) como também consiga explicar os resultados experimentais previstos pela teoria da relatividade, então com certeza teremos uma séria concorrente da teoria atual.   





   

Citar

A validade de uma hipótese não permanece ou cai baseada em apenas algumas confirmações ou contradições, mas na totalidade da evidência. Freqüentemente os dados que inicialmente poderiam ser vistos como inconsistentes com a teoria, na realidade levarão a novas e importantes predições. A história da física de Newton é um exemplo claro. O movimento anormal de Urano foi inicialmente considerado uma refutação potencial da nova teoria de Newton. Entretanto, pelo argumento da existência de um planeta não visto, a anomalia foi explicada dentro do paradigma de Newton. Em geral, uma explicação para um comportamento anômalo deve ser considerado "ad hoc" a menos que seja verificado independentemente. Apresentar a posição de um novo e não visto planeta pode ser considerado um escape se não houver nenhuma maneira independente de detectar se um novo planeta realmente existe. Todavia, quando a tecnologia avançou o suficiente para testar a nova predição, o planeta não visto foi encontrado e chamado de Netuno.

../forum/topic=2042.150.html

DDV,

Certa vez, o filósofo da ciência Alan Chalmers disse que o problema do falsificacionismo prescrever a proibição de hipóteses ad hoc reside no fato de que isso teria inviabilizado a insistência em vários paradigmas ou programas de pesquisa que se mostraram extremamente bem sucedidos ao longo do tempo e que tiveram suas anomalias salvas por hipótese ad hocs. Como visto na citação acima do artigo do Douglas Theobald, a distinção entre hipótese não ad hoc e hipótese ad hoc pode depender da sensibilidade e da acurácia dos instrumentos, o que por sua vez depende do progresso tecnológico, que é imprevisível. Em alguns casos, a hipótese auxiliar sensata permaneceu por muito tempo como ad hoc, e teria terminado nesse status se o mundo tivesse acabado naquele momento.

Offline -Huxley-

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #38 Online: 30 de Janeiro de 2016, 19:48:21 »
Eu peço desculpa se o questionamento já tiver sido respondido, não tenho tempo para ler todo o tópico.

Offline Sergiomgbr

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Re:O cinturão de proteção de Imre Lakatos
« Resposta #39 Online: 22 de Janeiro de 2019, 21:39:43 »
Popper e Kuhn... Um cinturão de proteção?  Kuhn ficaria situado mais ao centro de Popper... Se Popper se abrir é possível que o Kuhn fique notoriamente evidente. E...  Bom, pode ser que dali desse cinturão de proteção cujo qual Popper é a área mais externa e Kuhn o epicentro , surja repentinamente Imre Lakatos.
« Última modificação: 22 de Janeiro de 2019, 21:54:07 por Sergiomgbr »
Até onde eu sei eu não sei.

 

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