Reencontrando MarxAdemar Pereira dos Reis FilhoO sistema econômico mundial atravessa um momento muito difícil. Não se trata de um período puramente recessivo, mas, sim, de um caso típico de falta de credibilidade do mercado no próprio mercado que, por sinergia, contamina todo o sistema. Com a globalização, os problemas passaram a ter dimensões globais - guerras, governos instáveis, políticas equivocadas, fraudes contábeis, divergências religiosas, desenvolvimento tecnológico, meio ambiente são algumas das variáveis que compõem uma complicada equação, ou melhor, um grande quebra-cabeça que ainda não foi montado pela humanidade. O capitalismo e suas crias passaram a pulverizar investimentos em vários países, sobretudo naqueles onde a economia não estava madura. Assim, os países em desenvolvimento ou “emergentes” tornaram-se os preferidos na briga pela conquista de novos e rentáveis mercados. Infelizmente, na busca de novos mercados em desenvolvimento, o capitalismo enxergou apenas o oásis, ou seja, o grande e promissor mercado de consumo. O deserto, composto pelos infinitos problemas econômicos, sociais e políticos desses mercados emergentes, apesar de toda sua imensidão, passou despercebido.
Só é possível para um país desenvolver-se se houver um processo de ampliação das possibilidades de escolha e de desenvolvimento de sua população. O desenvolvimento de um povo exige investimentos em educação, saúde, alimentação e bem-estar social. Esses investimentos foram retirados da pauta das políticas públicas de desenvolvimento diante da imposição do discurso neoliberal. O desenvolvimento para o povo demanda possibilidades de renda e de trabalho para todos, afim de que se consiga, pelo menos, um modesto padrão de vida. O capitalismo errou ao pensar que poderia chegar ao oásis sem construir, gradativamente, uma trilha segura pelo deserto. Seria muito mais lucrativo para o capitalismo se parte de sua riqueza acumulada fosse investida na promoção do desenvolvimento social dos países emergentes ou em situação de subdesenvolvimento. Em 1696, o economista inglês John Bellers, um dos precursores da teoria do trabalho escreveu: “Um homem poderia muito bem possuir 100 mil alqueires de terra e ainda muito dinheiro e cabeças de gado; o que seria deste homem rico sem o trabalhador, senão um próprio trabalhador? E já que são os trabalhadores que enriquecem as pessoas, haveria tanto mais ricos quanto mais trabalhadores houvesse... O trabalho do pobre é a mina do rico.”
Bellers produziu um texto precioso e preciso, assim como foi precisa a avaliação feita por Marx em sua obra “O Capital”: “A acumulação da riqueza num pólo é, conseqüentemente, ao mesmo tempo, acumulação de miséria, sofrimento no trabalho, escravidão, ignorância, brutalidade, degradação mental no pólo oposto, quer dizer, no lado da classe que produz seu produto na forma de capital”. Logo, a acumulação significa aumento do proletariado. Em economia, proletariado é sinônimo de assalariado que produz capital e que é colocado na rua quando não é mais útil. O interessante é que o capitalismo vem sendo avisado, há quase três séculos, que não faz sentido aumentar o abismo existente entre aqueles que concentram riqueza e os que precisam apenas de um trabalho, pois, em última análise, o capitalismo é um dependente compulsivo de dinheiro, de renda e, obviamente, só há renda quando há trabalho. Recentemente, constatou-se aumento das taxas de desemprego em todo o mundo. Em outras palavras, o “exército de reserva” cresceu assustadoramente sem escolher uma pátria ou uma região específica do globo, não poupando sequer os grandes berços do capitalismo.
Reencontrar Marx faz com que o deserto seja exposto. Desta forma, aqueles que preferem ver somente o oásis evitam reencontrá-lo. Talvez reler Marx hoje seja mais fácil, uma vez que não é mais preciso vincular o seu nobre ideal socialista a escrotos ditadores comunistas que por tanto tempo sufocaram vários países. Hoje, é possível avaliar as preocupações presentes no pensamento marxista sem o temor de ir parar no inferno, visto que o inferno parece estar se instalando em território capitalista. Penso que se Marx ainda estivesse vivo, certamente preferiria não ser testemunha da morte lenta de um sistema que, mesmo agonizante, é capaz de destruir tantos sonhos...
ADEMAR PEREIRA DOS REIS FILHOProfessor universitário
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