http://www.duvido.com/2008/09/01/seria-o-fascismo-realmente-de-direita/Um dos mais repetidos mantras esquerdistas é que o fascismo, ou os estados fascistas, foram as mais cruéis manifestações da “direita” no século XX. Comparada a estes estados, a União Soviética socialista de Joseph “Homem de Aço” Stalin parecia, como dizem alguns, um parque de diversões.
Óbvio, a um autômato cheguevariano, forjado no fogo juvenil dos Fóruns Sociais Mundiais, esta afirmativa não parece assim tão ofensiva. Ainda mais se o professor de sociologia da sua faculdade - a qual ele freqüenta, extraordinariamente, nos exíguos horários que sobram da agitada vida de cervejadas e sinuca no Centro Acadêmico - chancela esta visão de mundo com a sua insofismável, inatingível, gigantesca autoridade.
Tanto este bizarro meme é repassado adiante que, em um curioso fenômeno de apropriação linguística, “de direita” virou xingamento na América Latina. Bem como o termo “liberal” ou, pior, “neoliberal”. “De direita” virou, espantosamente, sinônimo de autoritarismo. Sinônimo de anti-democrático (só legítimas manifestações socialistas seriam democráticas, o resto é “gritaria reacionária das elites”). Identificaram, de forma atordoante a qualquer um com a mínima noção de história, a idéia de socialismo com a idéia de democracia.
Para aqueles um pouco mais chegados na história e na filosofia política moderna, principalmente na longa tradição iluminista, ouvir uma afirmação destas dói nos ouvidos. Pois bem, o fascismo é realmente um fenômeno “de direita”?
Antes de prosseguir, talvez seja conveniente explicar de onde surgiram estas categorias, “de direita” e “de esquerda”. Na Assembléia dos Estados Gerais franceses, lá na Era das Revoluções, os monarquistas (apoiadores do ancien régime) sentavam-se à direita do rei. Os revolucionários, por sua vez, passaram a se denominar “de esquerda”, em oposição aos monarquistas. O termo “direita” passou, nos anos que se seguiram, a designar de forma geral os “apoiadores do status quo“, enquanto “a esquerda” passou a significar “os revolucionários”, “os que estão contra o status quo“.
Dito assim, não é necessária muita genialidade para concluir que a esquerda não sobreviveria a uma revolução bem-sucedida sem que, ela mesma, se tornasse direita, pois passaria então a apoiar o estado das coisas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os girondinos, antes revolucionários “de esquerda”, depois acusados de ser “de direita” pelos seus adversários jacobinos. Mas, utilizando esta lógica gramática, como explicar o que aconteceu na União Soviética, que implantou e manteve com mão de ferro, por um bom tempo, um regime socialista, e nem por isso se tornou “de direita”?
Apoiar ou não o estado das coisas não serviria para definir, absolutamente, um movimento como “de direita” ou “de esquerda”, pois se trata de uma verificação meramente circunstancial. Pelo menos, não serve para dar à designação alguma utilidade prática (tanto é que esta divisão já foi abandonada por muitos estudiosos).
No entanto, tendo em vista o recorrente (e malicioso) uso do exemplo dos estados fascistas como “típicos exemplos de direita”, para desqualificar aqueles que não seguem o que se convencionou chamar de “pensamento de esquerda” (ou seja, de inspiração marxista), é urgente que se busque uma forma de convencionar o que é uma e o que é outra.
E o andar da história acabou o fazendo.
Para que existisse sentido em dividir visões políticas entre “direita” e “esquerda”, seria preciso um pouco de platonismo, ou seja, seria necessário identificar critérios absolutos que pudessem classificar, independente da situação, uma dada posição como “de direita” ou “de esquerda”. A consolidação do liberalismo econômico, após a Revolução Francesa, forneceu esta base.
Com o passar do tempo, ficou claro que uma das características que definiria o sentido de “direita” na Era do Capital seria a defesa da autonomia burguesa (os grandes beneficiados com a queda do antigo regime) no que tange à economia, em oposição ao poder dirigista, intervencionista, obviamente exercido pelo Estado. Uma nova burguesia industrial, que facilmente acumulava fortunas em cima da exploração do trabalho proletário, dava corpo e rosto (um rosto, diga-se de passagem, não muito bonito) a esta “direita”.
A respectiva “esquerda” nasceu, efetivamente, com as idéias socialistas das quais Marx foi o maior expoente, surgidas da constatação, um tanto quanto óbvia, de que a teoria liberal clássica, devido ao avanço surpreendente da chamada “tecnologia de acumulação de capital”, não era tão perfeita como se pensava, e que o laissez-faire absoluto podia gerar situações de extremo desequilíbrio. Como se fosse uma reação alérgica à situação, esta “esquerda” tinha como bandeira a implantação do exato oposto: um Estado forte, controlador, intervencionista, onipotente, capaz de impedir a acumulação de capital nas mãos da “burguesia”, não meramente implementando marcos regulatórios ou fazendo ajustes, mas radicalmente eliminando o modelo social vigente e construindo outro, completamente novo.
Ou seja, até hoje podemos ter como parâmetros, de maneira razoavelmente útil e segura, estes dois conceitos: pela direita, liberalismo econômico capitalista; pela esquerda, estatismo socialista. Mas, voltando ao assunto, como isso ajuda ao enquadrar o fascismo?
Quem pode nos ajudar a responder esta questão é o duce em pessoa, Benito Mussolini, que em seu La Dottrina del Fascismo nos brinda com esta explanação:
Anti-individualista, a concepção fascista é pelo Estado; e é pelo indivíduo enquanto este coincide com o Estado, consciência e vontade universal do homem em sua existência histórica. É contra o liberalismo clássico, que surge da necessidade de reagir contra o absolutismo e exauriu sua função histórica quando o Estado se transformou nessa mesma personificação da consciência e da vontade popular. O liberalismo negava o Estado em nome do indivíduo particular. O fascismo reafirma o Estado como a realidade verdadeira do indivíduo. E se a liberdade deve ser o atributo do homem real e não desse fantoche abstrato pensado pelo liberalismo individualista, então o fascismo é pela liberdade. Pela única liberdade que tem um valor sério: a liberdade do Estado e do indivíduo dentro do Estado.
Mais “de esquerda”, impossível. Ou melhor, possível, pois na URSS já havia um regime parecido, que pregava exatamente as mesmas coisas: controle absoluto dos meios de produção pelo Estado, negação da doutrina humanista/iluminista das liberdades individuais, sujeição do indivíduo à coletividade (sendo lícita e plenamente aceitável, inclusive, a utilização da eliminação sumária, pelas mãos do Estado, daqueles que não estivessem em conformidade com o coletivo, pois só há sentido em falar de direito à vida quando falamos de direito individual à vida).
Aliás, indício maior de que a ideologia autoritária dos Estados Policiais da primeira metade do século XX segue o caminho do socialismo vem da maior cabeça do Partido Nacional-Socialista Alemão, que infelizmente já é bem conhecido de todos nós, Adolph Hitler:
Que significa ainda a propriedade e que significam as rendas? Para que precisamos nós socializar os bancos e as fábricas? Nós socializamos os homens.
Ora, não restam dúvidas de que o sonho da implantação da hive mind socialista é uma das marcas do fascismo. Mas como seria possível alinhar estes movimentos totalitários - ou QUALQUER outro movimento totalitário existente ou que venha a ser criado - com o individualismo capitalista (dois termos, para variar, demonizados pela propaganda socialista) que é a assinatura mais fundamental da “direita”, na sua concepção contemporânea da palavra?
É necessária uma alta dose de ignorância e abstração, para não dizer de pura má-fé, para fazê-lo.
Devemos ter em mente que esta medonha classificação, hoje infelizmente bastante famosa, surgiu do coração da esquerda mundial daquela época, o comunismo soviético, que, circunstancialmente, aós um período de muito boas relações, se encontrava na posição de inimigo dos fascistas. Embora fossem praticamente irmãos gêmeos, o socialismo de Hitler e Stálin, por razões geopolíticas, chocaram-se frontalmente após o primeiro ter ignorado, de forma bastante infantil, o tratado Molotov-Ribbentrop, firmado em 1939, em Moscou, entre os dois companheiros de totalitarismo.
Ora, com o exército alemão em seu terrirório, os comunistas não tardaram a consolidar a imagem dos nacional-socialistas como “capitalistas exatamente como os outros”. Apontavam, óbvio, as elites industriais da Alemanha como prova máxima de que os nazistas, por exclusão, não eram suficientemente socialistas. Eram brandos demais. Não levaram o socialismo às últimas consequências. Mantinham elites. Ao fazê-lo, claro, fechavam os olhos para as próprias elites burocráticas e administrativas, mas isto é outra história.
O Exército Vermelho eventualmente deu o golpe de misericórdia nos alemães, e os socialistas, como bons vitoriosos, tiveram a oportunidade de escrever a sua própria visão da história para as gerações seguintes: uma vitória gloriosa do socialismo soviético contra o CAPITALISMO BURGUÊS, que era, pura e simplesmente, tudo que não fosse o socialismo soviético.
Assim, o fascismo e o nazismo, regimes que pregavam o contrário de tudo o que representa a direita, foram martelados pela repetição do termo até virar… extrema-direita! Afinal de contas, voluntariamente é que os comunistas que não iriam se identificar com o nacional-socialismo e o fascismo, tão totalitarismos quanto o socialismo soviético, mas irrecuperavelmente manchado pela derrota na Segunda Guerra. Era preciso empurrar os cadáveres destes dois totalitarismos para o outro lado do muro, para cima dos países liberais do ocidente - por mais improvável, absurdo e incoerente que isto possa parecer.
Resumindo, é perfeitamente lícito enquadrar o conservadorismo moral como “extrema-direita”. Os EUA, por exemplo, foram fundados pelo puritanismo protestante. Historicamente, o termo “extrema-direita” até faz sentido neste caso, pois esta mantém ainda, de um ponto de vista puramente material, ainda intocados certos valores antigos da direita do século XIX e primeira metade do século XX. Mas, repito, não há como enquadrar no conceito de direita QUALQUER forma de coletivismo, senão com uma dose brutal de má-fé.
E o pior: sem saber, a juventude - sempre embalada pelas promessas do agito revolucionário, da contestação, da luta, da iconografia, do culto à personalidade - e que, o que até entende-se, considera muito mais atraente aquela política que passa longe das bibliotecas, a política do panelaço, dos apitos, das cores vibrantes e dos gritos de torcida, a cada dia que passa se deixa levar mais pelo discurso do coletivismo, da destruição do homem individual, do desprezo à liberdade, dando suporte, sem sequer imaginar o que está fazendo, aos piores fantasmas totalitários do século passado - fascismo incluso.