Não acho que apenas a ausência de algo consensualmente tido como "coerção" torna moral qualquer relação voluntária entre empregador e empregado.
Para qual condição desumana e deplorável não existe alguém desesperado o suficiente para aceitar "livremente" arriscar a saúde e a vida para sobreviver?
"Liberdade" no sentido político é um conceito um tanto peculiar, é diferente da liberdade no sentido filosófico.
Uma relação entre um sujeito bastante necessitado e um empregador, ou entre uma aspirante a modelo tentada pelo dinheiro e glamour e a agência, é livre na medida em que nenhuma das partes é obrigada a aceitar uma condição que julgue desfavorável. É isso que caracteriza a liberdade em um contrato, e não a posibilidade de uma das partes ter seus interesses priorizados às custas da outra.
Não quis sugerir algo diferente disso.
Por mais necessitado que seja o sujeito, ele não aceitará de livre vontade um contrato que não satisfaça sua necessidade. Nenhuma garota tampouco aceitaria de livre vontade os sacrifícios da profissão de modelo se tal atividade não fosse tão glamourosa e não rendesse tanto quanto ela achasse que deveria render para se submeter a tais sacrifícios.
Não estou disputando isso. Pessoas realmente podem considerar que satisfaz a necessidade delas trabalhar por amendoins (ou mais que amendoins) numa atividade onde correm sério risco de ficarem aleijadas, sofrerem problemas de saúde diversos, ou mesmo morrer. OK. Só não considero um critério que torne aceitável qualquer condição de trabalho, seja preferível a algum que exija condições mínimas/melhores quando possível.
Mesmo que muitas pessoas já fossem aceitar condições muito abaixo dessas se não lhes fosse oferecido nada melhor Isso simplesmente não importa.
Ainda que essa situação da área de modelos seja um tanto diferente de situações clássicas na história de direitos trabalhistas, que seja algo provavelmente mais movido pelo glamur da profissão do que necessidade básica de sobreviver, não consigo ver por que é tão "ridículo" que se tente melhorar as condições de trabalho e evitar isso.
Tentar melhorar as condições de trabalho não é algo ridículo, por si só. É algo muito sensato. Ridícula é a forma pela qual estão tentando fazer isso e os argumentos usados para sustentar essa posição.
Será que só porque é o estado e não a iniciativa privada, as agências de modelo, coletiva ou individualmente, que estão batendo o pé e negando exigências prejudiciais para a saúde das empregadas?
Se fosse alguma variação o segundo caso, haveria algum problema? Quando? Talvez a partir do momento em que fosse mais de uma agência defendendo isso, se fosse uma união entre agências seria "mercadologicamente imoral"? Ou qualquer das situações é "errada", as modelos deveriam ser sempre freelancers e aceitar individualmente as ofertas por qualquer exigência de tipo físico, sem uma ação coletiva de agências ou associações de modelos para tentar garantir melhores condições?
A diferença é enorme.
Deve-se cuidar para não tomar o mercado como uma entinade. A linguagem que costumamos usar - por exemplo, ao dizer "o mercado proverá tal coisa" - pode gerar esse tipo de confusão. O estado é uma entidade. O mercado é um processo. Quando o estado provê algo, o faz por meio da força. Quando o mercado provê algo, isso significa que as pessoas, por meio de seus próprios interesses, tratam de realizá-lo por conta própria, sem uma organização central cordenando tudo por meio da força.
Não acho que qualquer coisa que eu tenha dito tenha algum erro baseado numa equiparação indevida de mercado com entidade ou estado.
Justamente pelas diferenças de mercado e estado que talvez seja necessário ou mais eficaz a sua interferência em certas questões. Se não formos supor que tudo que for mais lucrativo para alguém será sempre o melhor, e que qualquer coisa que resultante disso será sempre boa desde que não envolva coação ou outra força além da demanda, então existirão coisas que serão melhor providenciadas pelo estado, justamente como contraposição a resultados indesejáveis desse processo.
As modelos não "deveriam" nada. Se um grupo delas quer se reunir e realizar um boicote às agências com a intenção de não terem de emagrecer tanto, que façam. Que tentem entrar em acordo com as agências usando como "arma" as suas demissões ou mesmo algum tipo de publicidade negativa. Só não podem usar da força para obrigar outras modelos a não se submeterem a tais condições ou obrigar agências a não contratarem aquelas que se dispõem a emagrecer pelo pagamento oferecido. E é isso que estão fazendo ao colocar o estado no meio, exigindo a "regulação" do setor ("regulação", em casos como esse, não passa de um eufemismo para coerção).
Agora uma "confusão" proposital entre estado e iniciativa privada:
E se as modelos vivessem todas num imenso condomínio privado, que tivesse, dentro dele, agências de modelo, que por sua vez tem seus clientes e etc. Os donos do condomínio, preocupados com as condições de vida dos moradores, notassem que essas agências requerem padrões muitas vezes não saudáveis. Não satisfeitos com isso, fazem exigências amparadas no contrato com as agências de modelo sitiadas no condomínio, visando melhores condições de saúde, caso as agências quisessem continuar funcionando lá dentro.
Aí estaria tudo bem?