Mas Leafar, acho que você concordaria que se as pessoas só não fazem coisas más (cometer crimes, desrespeitar outras pessoas, etc) por medo de um castigo eterno, a humanidade é bem pior do que imaginamos, não acha? Aqui mesmo no CC temos várias pessoas que não acreditam em nenhum tipo de castigo ou recompensa após a morte e nem por isso são criminosos.
Eu separo as pessoas em dois grupos: as que são boas e as que são más. E isso independe do que a pessoa acredita ser bom ou mau. Se ela acredita ser mau e faz, ela para mim é má. Por exemplo, um bandido sabe que roubar e matar é errado, e mesmo assim o faz. Então é mau. Por outro lado, um crente fanático crê que sexo antes do casamento é mau. Se ele o fizer, então ele também é mau. Entende? Isso tem relação com aquela conversa sobre a base axiomática de cada um. O que o torna mau é o fato de praticar algo que você mesmo acredita ser mau. Da mesma forma, o que o torna bom é praticar algo você mesmo acredita ser bom e evitar o que você acredita ser mau. Claro que as pessoas podem ser boas em algum momento e más em outros, então vamos analisar sob o ponto de vista de uma ação específica: a ação pode ser boa ou má, dependendo das crenças de quem o pratica.
Os sistemas de crenças religiosas ou morais que poderíamos considerar perfeitos têm, ou deveriam ter, três objetivos fundamentais: fundamentar corretamente o que é bom ou mau; consolar os bons; e ameaçar, ou pôr freio, nos maus. Os bons precisam ser consolados no sentido em que não devam perder a fé de que vale a pena persistir no bem, e os maus devem ser ameaçados no sentido de que não vale a pena persistir no mal.
Nesse contexto, o ateísmo exerce justamente o papel contrário. Os bons ele não consola, e os maus, deixa sem freio. Mas o ateísmo não está sozinho nisso. O Cristianismo (católico, protestante, etc.) também exerce papel contrário, ou seja, não consola os bons e tira o freio dos maus, mas o faz num sentido diferente, e até pior que o ateísmo, e por isso é que é mais comum ver católicos ou protestantes convictos cometendo mais atrocidades do que os ateus - é uma característica da crença, uma brecha na lei que permite que isso aconteça. Por isso as tantas atrocidade cometidas em nome da religião católica. No fundo, ambos os sistemas não têm capacidade para cumprir o papel de consolar os bons e frear os maus, abstração feita se os sistemas são verdadeiros ou não. Ambos os sistemas, mesmo que verdadeiros, são deprimentes para os bons e estimulantes para os maus que neles crêem.
Repare que eu estou separando os crentes em dois grupos e analisando o papel que cada sistema de crenças exerce sobre elas. Eu não estou afirmando que é o sistema de crenças que as tornam boas ou más, coisa que eu não acredito, embora creia que a crença deva exercer a sua influência. Eu, portanto, acredito em ateus bons e maus, assim como acredito em espíritas bons e maus, católicos bons e maus, etc...
Quando a maior parte da população é de tendência malévola, o que ocorre é que elas tendem a adaptar os seus respectivos sistemas de crenças para justificar a sua maldade. Assim fizeram todos, e distorceram também o cristianismo para atender a esse objetivo. O Cristianismo, assim como as outras crenças, foi adaptado para justificar os maus, pois estes eram maioria. E os bons, por conseguinte, não encontravam consolação. Por isso o dilema de Lutero, por exemplo, que se torturava porque não conseguia ver a justiça no Deus pregado pela sua Igreja, o que o levou mais tarde à Reforma. Ele achava que estava pecando por achar que em alguns momentos Deus não era justo. Em outras palavras, ele era um homem bom sob uma crença ruim, que não era capaz de consolá-lo, ao passo que justificava os maiores abusos cometidos pelos ministros da Igreja.
Mas como aqui o assunto é sobre o ateísmo e não sobre a igreja, a frase do anúncio é perigosa pois, implicitamente, diz:
vai, faz o que quiser, pois não há mais freio. O problema não são os bons crerem nisso. O problema são os maus.
Um abraço.