Li hoje algo muito interessante e que joga uma luz sobre inúmeras polêmicas dessas que parecem insolúveis que pululam por aí. Steven Pinker, em seu livro 'Do que é feito o pensamento' explica que uma das causas da inteligência humana ser tão versátil, tão capaz de assimilar conceitos abstratos é a metáfora. Nosso cérebro evoluiu para entender o mundo em termos de conceitos concretos que observamos no universo físico, como os conceitos de substância, objeto, indivíduo, tempo, espaço e causalidade, entre outros, porém, somos capazes de expandir esses conceitos concretos para ideias abstratas. Segundo ele, metáforas como, por exemplo, dizer que um anticorpo funciona como uma fechadura para uma chave ou que um átomo é como um sistema solar são mais do que ferramentas pedagógicas, são na verdade os mecanismos que a nossa mente usa para compreender novos conceitos: construindo-os a partir de outros conceitos já dominados.
Até aí tudo bem, parece bem lógico, mas o mais interessante é que Pinker vai mais além e cita o fenômeno do
enquadramento. Segundo ele, muitas discordâncias sobre problemas humanos não decorrem de diferenças nos dados ou na lógica, mas em como uma questão é enquadrada, isto é, como ela é compreendida por cada pessoa, que metáforas foram usadas na construção desses conceitos. É aí que reside o caso do aborto: uma mórula é um ser humano em desenvolvimento ou uma bola de células que ainda não é um ser humano? É aí que reside o caso do veganismo: a moral diz respeito a nossa relação com outros seres vivos ou só com outros seres humanos? A pena de morte: a inviolabilidade da vida pelo Estado é uma questão de direitos humanos ou de humanos direitos? A Guerra do Iraque: os EUA invadiram o Iraque ou libertaram o Iraque?
É interessante que se Pinker estiver certo, todas essas discussões estão fadadas a ser quase sempre infrutíferas pois o que as separa não é um erro na lógica ou nos dados do adversário, é uma premissa diferente assumida - e se nenhuma das premissas é verificável, como acontece na maioria das questões morais, como um lado pode convencer o outro? Como um pró-vida pode provar a um pró-escolha que uma mórula é um ser humano e vice-versa, quando não existe um conceito absoluto de ser humano com o qual todos podem concordar? Como um vegan vai convencer um onívoro que a moral também vale para um animal, se não existe um conceito absoluto de moral? O problema aqui está na própria compreensão das ideias, a de 'ser humano' no primeiro caso e a de 'moral' no segundo.
Moral não existe no universo físico, é um conceito abstrato, é um conceito aprendido subjetivamente. Podemos concordar na essência, podemos concordar que em linhas gerais moral é alguma coisa que tem a ver com como nós devemos nos comportar, mas longe de ser um conceito sólido e bem definido (exceto em trabalhos acadêmicos, e mesmo assim as definições variam de autor para autor), a moral é como uma névoa fluida e disforme, é difícil saber onde acaba e onde começa (e olhem só eu aqui eu usando uma metáfora para enquadrar um conceito abstrato!

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Acho que nesses casos, se há deserção de um lado para outro ou convencimento, ele se deve muito mais á arte da retórica do que à dialética propriamente.