Olá,
Li o artigo do Leafar. Desculpo-me se a expressão que uso é dura, mas ao terminar fiquei enojado.
Deixe-me comentar alguns trechos.
O racismo, enquanto sistema doutrinário, é um pensamento, uma crença, como outra qualquer
Não. O racismo não é uma “crença como outra qualquer”. O racismo é um crime.
[crença] a qual, num país onde se respeita a liberdade de crença e de opinião não deveria haver impedimento para que fosse livremente professada
A liberdade de crença, como qualquer forma de liberdade, não é absoluta. A liberdade de cada um acaba onde começa a do outro.
Assim, a “liberdade” de chamar outras pessoas de inferiores não passa de desrespeito – e no caso do racismo, de ignorância à respeito do campo de influência e das limitações desse campo nas bases biológicas e sociais do funcionamento da mente humana.
Advogar a “liberdade de ser racista” não tem nada de progressista ou “libertário”. É apenas um reflexo de uma visão de mundo ultrapassada e
pouco evoluída. O curioso é que os espíritas gostam de se considerar evoluídos, mas se apegam dramaticamente a ideologias atrasadas do século XIX.
[o racismo] saiu da condição passiva de simples crença para a condição ativa de apologia
Como assim “simples crença”?
O racismo nunca foi uma “simples crença”.
Era a justificativa ideológica para a opressão de nações inteiras pelos seus colonizadores (pseudo)”superiores”.
Racismo sempre rimou com opressão.
Nunca houve nada de “simples” nele.
Não há dois racismos, um inocente e outro mau. Todo racismo é mau. dúvida sobre se o Espiritismo, ou Kardec, seriam ou não racistas só se justifica sob o aspecto de simples crença
Então você admite que Kardec e o espiritismo professam idéias racistas.
E como o racismo nunca foi uma “simples crença”, isso significa que o espiritismo corrobora com as justificativas opressoras usadas pelos colonialistas do século XIX e seguida por algumas das formas políticas mais terríveis ao longo do século XX.
Porém, logo abaixo do trecho anterior você volta atrás e afirma:
é demonstrável, ainda que não tão facilmente, que Allan Kardec e os Espíritos, e, consequentemente, o próprio Espiritismo, não são racistas mesmo sob esse aspecto [da “simples crença”]
Para logo abaixo entrar em
contradição:
Certamente encontraremos semelhanças entre a Doutrina Racista e a Doutrina Espírita
Ora... é impossível negar a realidade, não é? Kardec efetivamente baseou-se em princípios racistas na elaboração de sua doutrina.
Você ainda insiste que não há racismo em Kardec, mas depois joga a toalha novamente ao escrever:
e mesmo que assim porventura fossem considerados, este seria uma espécie de “racismo professável”, perfeitamente consonante com a justiça e bondade divinas
“Racismo professável”???????
Não existe nenhuma forma de racismo que possa ser aceita, muito menos “professável”.
De qualquer modo, nesse trecho há nova aceitação de sua parte de que há racismo na doutrina espírita.
Logo depois disso você faz um pouquinho de proselitismo:
[a adoção de uma perspectiva espírita] seriam um presságio de progresso certo, tanto para esta geração como para as próximas, de todas as raças ou etnias, em qualquer grau que estejam
Você diz que o espiritismo poderia corrigir ou minimizar as diferenças entre as “raças ou etnias em qualquer grau que estejam”... peraí, você acha que as raças e etnias ocupam “graus” diferentes? Graus de quê?
Só pra lembrar, a “simples crença” de que haja diferenças entre raças já é racismo em sua única e pior forma.
Há ainda um outro ponto, baseado no qual algumas pessoas julgam poder escapar à discussão dessa questão das diferenças raciais; segundo suas opiniões, de acordo com a ciência, as raças humanas não existiriam de fato, pertencendo todos os homens a uma única raça chamada simplesmente de “Raça Humana”; que poderiam existir mais diferenças genéticas entre dois ingleses do que entre um inglês e um negro, por exemplo, e outros argumentos semelhantes. E a partir dessa ideia alguns já condenam prematuramente os textos de Kardec valendo-se do argumento de que ele se utilizaria de um conceito ultrapassado. Sem querer entrar no mérito científico da questão, o fato é que, sendo ou não raças, os seres humanos das diferentes regiões da Terra não são iguais. É fácil reconhecer um japonês, um africano, um índio, um alemão, um latino, um indiano, um árabe, etc... São essas diferenças, visíveis a olho nu, que se convencionou no passado a chamar de raça e, mesmo que o conceito “raça” ficasse ultrapassado, ainda precisaríamos de um novo termo para nomeá-las, pois podemos negar tudo, menos aquilo que podemos ver com nossos próprios olhos
Diferenças fenotípicas não são suficientes para definir distinções profundas de capacidade e aptidão entre os humanos. Os biólogos que apresentam a idéia de uma única raça humana estão olhando para onde importa, o genoma.
Logo, a definição de raça do século XIX,que leva em consideração a cor da pele é, hoje, ultrapassada.
Os que se pretendem “evoluídos” deveria evoluir com o conhecimento, não negá-lo em prol de teorias ultrapassadas em mais de um século.
Leafer citou Alberto Silva Franco, procurador do Banco Central (um renomado biólogo, como todos sabem – hehehehe), que escreveu o seguinte:
adotam o conceito tradicional[/b] de raça, qual seja: "conjunto de características físicas ou somáticas (cor da pele, do cabelo, formato dos olhos, crânio, nariz, etc.) herdado de um grupo ancestral de origens geográficas bem definidas"
Destaco o uso da palavra
”tradicional”, o que implica que ele se referia a um uso antigo e, hoje, descartado pela moderna biologia.
O uso dado pelo IBGE para a palavra ‘raça’, também citado pelo Leafer, nada carrega do sentido racista. Trata-se apenas do uso prático para efeito de recenseamento e tem valor de identificação social, não de indicador de distintas capacidades e aptidões.
A identificação social com uma “raça” é equivalente à identificação com uma religião ou time de futebol. Só isso.
O uso desta palavra em processos jurídicos ou mesmo em recenseamentos em nada ajuda a defender o racismo como uma visão de mundo válida.
O curioso é que você mesmo cita o STF e demonstra que na jurisprudência brasileira não cabe mais se falar em “raças”. Ma você fez isso apenas para criticar o sistema de cotas nas universidades públicas?
O que isso tem a ver com o racismo de Kardec e da DE?
Você está mudando de assunto? Por quê?
Logo depois você escreveu:
Em nossa opinião, contudo, a palavra “raça”, apesar de ter uma conotação forte e de poder estar cientificamente desatualizada nos dias de hoje, possui uma significação social bastante expressiva
1. Você admite que a palavra “raça” (usada em contexto racista) está “cientificamente desatualizada”;
2. Você demonstra entender que a palavra ainda tem uma “significação social bastante expressiva” (o que é verdade)
Ótimo!
Até aqui tudo bem, mas sua conclusão é um
non sequitur.
Você concluiu:
e, a nosso ver, [a palavra raça] ainda é a mais apropriada para denominar essas diferenças
.
Deduzo que você fala das diferenças entre as raças defendidas pelos racistas.
Mas tais diferenças não existem.
As meras distinções fenotípicas não implicam outros tipos de diferenças mais profundas.
O uso da palavra ‘raça’ para distinções
sociais não tem nada a ver com distinções racistas.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, ok?
Aí você vem com uma proposta absurda:
Quem discordar e preferir um outro termo, ou uma outra expressão, que julgar “cientificamente” mais apropriada, simplesmente imagine o nosso mesmo texto com a palavra “raça” substituída por esse outro termo ou expressão.
O problema não é a palavra ‘raça’, mas o significado que os racistas lhe dão.
Usar a palavra ‘raça’ no IBGE, num sistema de cotas, na identificação social de grupos não é o problema.
O problema é deixar implícito ou explícito que a palavra denota alguma diferença profunda entre indivíduos – tanto cognitiva quanto estética.
Fingir que o problema é a palavra ‘raça’ não faz com que o racismo de Kardec e da DE desapareçam.
O problema nunca foi a palavra mas o sentido racista que lhe davam. Qualquer outra palavra que se use no lugar, se preservar a idéia de diferenças de aptidão cognitiva e forma estética, será tão racista quanto.
Você diz que:
sentido de “raça” que pretendemos utilizar é o mesmo utilizado por Kardec, que por sua vez é, em linhas gerais, o mesmo enunciado por Alberto Silva Franco
.
Não, não é.
Alberto fala de um conceito tradicional mas que se limita ao fenótipo.
Já Kardec usa o termo para distinguir raças superiores de inferiores, com podemos ver em “A gênese”, onde Kardec escreveu:
as raças mais inteligentes naturalmente progrediram mais que as outras
e outros tantos absurdos.
O simples fato de considerar que haja “raças mais inteligentes” já é racismo em seu único e pior tipo.
Você também disse que:
para nós, a palavra “raça” ainda é a mais apropriada por melhor expressar a ideia de diferenças de origem estritamente corporal
Se você se refere ao uso da palavra como identificação social dos diferentes fenótipos, tudo bem.
Se você limita “diferença corporal” à cor da pele, dos olhos, tipo de cabelo.
Mas se você inclui a mínima noção de superioridade e inferioridade nessas diferenças,
como Kardec fez, a palavra terá conotação racista.
Em seu artigo voe diz:
Estamos interessados, por ora, somente nas influências corporais
Você crê que a cor da pele, dos olhos, tipo de cabelo influencia o que?
Se trata-se dos problemas de pele, da maior ou menos propensão ao glaucoma ou à calvice, há estudos que demonstram o impacto desses fatores.
Todavia, se você fala em superioridade ou inferioridade intrínseca em fatores cognitivos e estéticos... cuidado, aqui você se aproxima do racismo.
Pouco depois disso Leafer faz uma comparação entre crenças espíritas e idéias racistas.
Começa admitindo que a DE
não nega que o ser humano possua diversos caracteres corporais que limitam em maior ou menor grau a manifestação das habilidades
Mas começa a falar de deficientes físicos, e usa os cegos como exemplo.
Porém, o que deficiências físicas têm a ver com ‘raças’?
Há raças inteiras que são cegas?
Não, não há.
Leafer novamente admite o racismo de Kardec ao dizer:
Então, sim, Allan Kardec e os Espíritos enxergaram uma inferioridade relativa nos negros de sua época
E como isso se chama? Hem? Hem?
Racismo, não é mesmo?
Caso fechado meritíssimo.
Mas, logo depois disso Leafer, parece-me, comete um crime. Ele considera que
infelizmente essa demonstração ainda não veio
Você diz que a demonstração de que não existem raças superiores e inferiores ainda não veio?
Como assim não veio?
Você considera que a única autoridade no mundo sobre isso é Murray, cujo livro você admitiu que não leu? (vide post de Leafer acima)
Aliás, porque procurar um autor racista execrado pela comunidade científica e não seus críticos? Por que não fazer uma avaliação ponderada das opiniões dele, antes de concordar?
Será que você apenas procurava confirmação para suas crenças? Sem exercer um mínimo de crítica? É isso que fazem pessoas evoluídas?
Você fez a seguinte pergunta:
nos livros de história aprendemos que os portugueses tentaram escravizar primeiros os índios, mas estes não suportaram a escravidão e então eles partiram para escravizar os negros. Seriam os negros mais resistentes fisicamente que os índios nativos brasileiros?
Bem, como fui professor de História por mais de uma década, respondo essa fácil.
Esses livros didáticos, que aliás não circulam mais, eram racistas.
Os indígenas deixaram de ser escravizados pelas seguintes razões:
1. as novas doenças trazidas pelos europeus, para as quais os índios não tinham resistência imunológica dizimaram a população
a. só pra lembrar, os europeus também não tinham resistência imunológica a muitas doenças tropicais e morreram muitos colonizadores por isso, mas como a população era menor, o impacto foi menor. Além disso, a rápida miscigenação e a urbanização ajudaram a minimizar o problema entre os colonizadores.
2. a colonização do litoral pelos portugueses empurrou os nativos para o interior, dificultando sua captura e contribuindo para o aumento de conflitos entre os indígenas, o que também ajudou a diminuir a população (guerra mata, sabe?);
3. a ação da igreja católica, que não ligava muito para os negros (identificados com o Islã ou religiões africanas entendidas como de difícil conversão), mas via nos indígenas um “campo limpo” para a expansão do cristianismo, especialmente após a Reforma Protestante;
4. os interesses coloniais na África, que justificavam a criação de um mercado intercolonial, em que a América oferecia produtos como tecidos, tabaco e bebidas alcoólicas e a África mão-de-obra.
Assim, não tem nada de “preguiça intrínseca da ‘raça’ indígena” e “aptidão para a escravidão da ‘raça’ negra”.
Justificativas racistas para a escravidão negra não fazem mais sentido (até porque, só para lembrar, na antiguidade não importava a cor da pele dos escravos – do mesmo modo, na Idade Média germânicos vendiam eslavos e nórdicos como escravos para os árabes).
Leafer, porém, continua a seguir um caminho perigoso. Ele afirma:
Mas o fato é que, não importando o que as originou, as diferenças raciais existem, e são inegáveis.
Não, Leafer, elas não existem. Podem e devem ser negadas.
A crença nelas é um crime denominado racismo.
Leafer afirma que a DE diz que:
Vemos então, claramente, que os Espíritos afirmam que o corpo pode sim limitar a manifestação da inteligência, e que um grande matemático pode vir a nascer num corpo que, por exemplo, seja pouco apropriado ao desenvolvimento dessa disciplina, seja por punição, por algum mau uso passado
Se em algum momento se afirma que uma raça inteira tem sua “inteligência limitada”, isso é racismo.
Se a DE não está tratando apenas de idiossincrasias pessoais, essa crença não passa de uma justificativa rasteira para o racismo.
Sobre a aptidão para a matemática, por exemplo, temos grandes matemáticos braços, negros, asiáticos, árabes etc. etc.
Raça não tem nada a ver com isso!!!!
O Espiritismo admite, portanto, a superioridade biológica relativa de umas raças sobre as outras, não no sentido de criar habilidades, mas de limitá-las em maior ou menor grau;
Essa crença não passa de uma justificação ao racismo. Uma crença, ela mesma, racista.
Qualquer estudo sério, ou mesmo a observação mais atenta da realidade demonstra muito facilmente que não há limitações a nenhuma raça. Independentemente da cor da pelo, olhos ou tipo de cabelo, todas as pessoas têm as mesmas potencialidades.
Fatores individuais, sociais e culturais vão reforçar algumas dessas potencialidades, mas não a cor da pelo, que é o que de mais superficial (em todos os sentidos) um ser humano possui.
Li o resto do texto, mas vou parar por aqui.
Leafer admitiu várias vezes em seu artigo que Kardec era racista e que a DE tem elementos racistas.
Passa o resto do artigo tentando provar que o racismo está correto e que a DE pode ajudar as almas presas em corpos inferiores a “evoluir”.
Tristeza e nojo foi o que senti ao ler o artigo.
Desculpem-me pela postagem longa.