discutir ciência não é fazer ciência, Geo? A atividade científica não pressupõe uma elaboração teórico-filosofica?
Quanto à sua primeira pergunta. Depende de quem está discutindo (a), sobre o que se está discutindo (b) e como se está discutindo (c).
a) Quando os "cientistas" criacionistas duvidam e "argumentam" contra a ciência "evolucionista" eles estão fazendo ciência?
Não! Porque tais pessoas priorizam uma forma de conhecimento não verificável pela razão e pelo empirismo e porque as suas interpretações não são consistentes com o atual conhecimento já adquirido.
b) Quando há uma discussão sobre algum tema metafísico aqui no CC, isto é ciência?
Não! Porque os pressupostos dele não são falseáveis embora possam ter um arcabouço lógico.
c) Quando eu discuto com você e começo a usar abundamente palavras como: "quase tenho certeza", "me parece que", "ouvi falar" e como contraposição você apresenta interpretações com dados qualitativos e quantitativos acompanhados de citações e fontes, isto é ciência?
Não! Da minha parte. O meu comportamento pode ser proselitismo ou canalhice.
Agora repare nas partes destacadas em negrito em a, b e c.
Roger Bacon foi quem estabeleceu em termos teóricos, no Ocidente, a forma descrita em a em sua obra Opus Majus (c. 1.265). Antes dele houve pouco avanço na concepção teórica do conhecimento dito científico. De fato com a exceção de alguns sábios chineses e gregos entre os séculos II AC e I DC, o conhecimento de ciência estava sob forte influência religiosa e filosófica metafísica.
Karl Popper foi quem definiu o critério mencionado em b em sua obra The Logic of Scientific Discovery em 1.934, no qual ele discute o empirismo, o uso da experiência, as bases teóricas do método, etc.
Em termos generalistas, pode-se afirmar que o uso combinado de a e b é que nos permite fazer o que hoje nós chamamos de ciência.
A resposta para a sua segunda pergunta já está nela contida. Sim, foi (e é) necessário um arcabouço teórico de filosofia para definir o que é uma atividade científica. Ou seja, a filosofia precede a Ciência enquanto constructo da mente.
Por fim, uma questão para você.
Qual é a sua análise para esta afirmação "A astrologia é ciência!".
Geo, a minha indagação tinha em mira a sua afirmação anterior de que (sic), “...
as proposições de Popper, inclusive o critério de falseabilidade, não é ciência e sim filosofia (epistemologia).”
Pois bem, de fato, concordando com você, após uma releitura da minha primeira pergunta (discutir ciência é fazer ciência), e observando sua análise, uma resposta seria, “não necessariamente”, e você explicou por quê.
Agora vamos à segunda pergunta da indagação (que na verdade poderia ter sido feita sem a primeira, reconheço). A atividade científica pressupõe, por óbvio, a noção do que seja ciência – o cientista no mínimo precisa saber o que ele está fazendo, se é ciência ou outra coisa. E aí você resumiu bem os critérios dessa “noção formadora” da atividade científica: grosso modo, verificação e empirismo de Roger Bacon combinado com a falseabilidade de Popper. Fora disso corre-se o risco de se fazer outra coisa que não ciência.
E já em seguida, você confirma a idéia, ao perceber a resposta dentro da pergunta (sic): “...
é necessário um arcabouço teórico de filosofia para definir o que é uma atividade científica. Ou seja, a filosofia precede a Ciência enquanto constructo da mente.”
O que me ocorre, nesta linha de raciocínio, é que a atividade científica não existe sem a precedência teórica, filosófica. Então, como conjugar esta conclusão com a sua afirmação lá atrás de que Popper não fazia ciência? Lançar as bases da atividade não faz parte também da própria atividade? Ou você acha que apenas a atividade de campo, ou de laboratório é o que propriamente pode ser chamado de ciência?
Um exemplo: foi publicado no fórum um post sobre uma pesquisadora que concluiu que fumar rebaixa a capacidade intelectual. Ficamos preocupados porque a conclusão da atividade (
científica?) tangenciou a chamada generalização apressada. Então, concluindo apressadamente ela fez ciência? Não deveria ela aguardar (ou saber) que a “
água (poderia) ferver a 200ºC” *(usando agora a ilustração do texto inicial)? Como não foi cautelosa, esqueceu que em outras paragens a água poderia ferver a 200º, ou seja, muitos gênios fumaram, e ainda fumam. Nesse sentido, a deficiência teórica do trabalho não comprometeu seu resultado, e por via de consequência, até mesmo o seu status de científico? Não se aproximou da pressa teísta de afirmar coisas sem os critérios cuidadosos do
Método?
Então, por que deixar Popper fora da atividade científica?
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nota:
* Eu não estou afirmando que água ferve a 200ºc. A referência foi apenas um recurso de linguagem dentro da minha exposição (peguei carona na ilustração do texto inicial, uma analogia apenas)
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Sobre a astrologia
Não, astrologia não é ciência. É uma atividade interpretativa que se afasta dos fundamentos teóricos que estamos discutindo aqui. Poderiamos conjecturar que a ciência astronômica seja filha dela, mas, como disse certa vez um filósofo (cientista?), saiu de causa rebelde, bateu a porta, e foi atrás do conhecimento pelo método científico, e hoje enquadra as concepções de sua genitora como meramente de raiz mítico-familiar. A posição dos astros obsevados a partir do campo de visão da superfície da Terra, sem levar em consideração a relatividade da pesrpecitva do ponto de observação (Touro pode está próximo de Netuno aqui, mas não lá em Plutão, ou em Alfa do Centauro), e a simbologia-significado que cada ponto representa na indução de comportamentos humanos (sem levar em consideração a convenção-acordo em torno dos significados de cada astro ou constelação) está mais para crença, e necessidade emocional de sentido, do que para ciência.