Vascaínos presos por agredirem pessoas apenas por elas serem flamenguistas: o ato de agredir alguém apenas por conta do clube que torce deve mesmo se tornar legalmente menos grave que agredir pessoas só por conta de se faz sexo com pessoas do mesmo gênero? Ou seria o próximo passo levantarmos juntos a bandeira da igualdade clubística e do respeito à diversidade torcimental?
Talvez seja o grande tópico moral dos 200 últimos anos: durante toda a trajetória da humanidade nunca nos preocupamos seriamente (eu acho) com as nossas desigualdades culturalmente inatas: aquelas desigualdades em função de gênero ou cor de pele ou idioma ou local de nascimento ou religião dos pais. Talvez nunca tenhamos nos preocupado de fato com elas. Nossas revoluções filosóficas, nossas disputas filosóficas, não falavam exatamente de igualdade de direitos entre indivíduos: a democracia grega não incluia um sem número de pessoas que não eram exatamente iguais aos eleitos membros de tal democracia: era sim um sistema democrata, foi sim o primeiro ou o primeiro de grande vulto, mas você não estava nele se fosse mulher, ou escravo... não, não tinham lembrado de você e não havia nenhum problema nisto.
Mas como num rompante, talvez estimulado pelo esbofete moral que foi a Escravidão na América. De uma hora pra outra o conceito novo de democracia passou a entender que só existe democracia se todos tiverem os mesmo direitos presumidos e a priori. Não é democracia se um grupo de pessoas que tem pinta na testa valer menos que um grupo de pessoas que tem as testas lisas e sem nenhuma mancha.
E danamos a, nestes mais ou menos 200 anos, tentar acabar com todas as desigualdades que atingiam inatamente quase todos os seres humanos nascidos antes disso: tentamos acabar com o modo desigual que pessoas eram tratadas pela sociedade em cada um de suas instituições basilares (justiça, igreja, família...) em função da cor de suas peles. Nos empenhamos em anular as regras diferenciadas que determinadas pessoas eram obrigadas (ou quase) a seguir durante toda a vida apenas por terem nascido com uma perereca e não com um pintinho. Percebemos que em situação parecida estavam aqueles que nasciam com pintinhos mas preferiam ter nascido com perereca: e cobramos que eles também tivessem direitos igualitários em relação aos que estavam contentes e serelepes com seus pintinhos.
Em nome da Igualdade criamos leis que tornam mais grave chamar um negro de crioulo do que um gordo de baleia; ou que tornam mais grave o crime de um homem esfaquear uma mulher que o crime de uma mulher esfaquear um homem; ou que em nome de uma pretensa e não muito claramente exposta injustiça nas divisões de trabalho dê a um dos gêneros 5 anos a mais de descanso aposentarístico que a outro; já estamos pensando em colocar os homossexuais no mesmo grupo dos negros quando se trata de xingamento (ou seja: chamar um gordo de baleia passaria a ser não apenas menos grave que chamar um negro de crioulo como também do que chamar um gay de bicha).
E, talvez... só agora estamos começando a perceber que criar desigualdades em nome da busca por igualdades leva ao mesmo inferno que outro monte de boas intenções. Provavelmente o primeiro grande resultado desastroso da busca de por igualdades tenha sido obtido pelo movimento feminista. Eis um trecho da carta fundamental do movimento feminista, redigida em 1876
“Nós pedimos justiça, pedimos respeito e
tratamento igualitário, pedimos que todos os direitos civís e políticos dos cidadãos sejam garantidos a nós”
Será que em 1876 Susan Anthony e suas companheiras feministas de então pensavam, mesmo que em seus mais vagos devaneios, que em 2011 as mulheres (que na época, em geral, eram proibidas pelos pais e maridos de sequer trabalhar fora ou estudar) jovens teriam salários mais altos que os homens da mesma idade (e que este padrão se repetiria por todo o Ocidente)?
Ou que alcançariam melhores níveis de escolaridade em relação à média dos seres humanos? Ou que para elas não só o trabalhar e estudar seriam uma opção mas além disso, seria exatamente o grupo das mulheres o único a ter de fato esta opção (já que para os homens do século 21 trabalhar continua sendo a obrigação, e avançar nos estudos só é uma opção se o trabalho permitir)?
E o mais importante: será que feministas do século 19 imaginavam que no século 21, no Ocidente, numa sociedade cujos censos oficiais apontam que mulheres ganham mais que homens, estudam mais tempo que os homens, sofrem com menores índices de desemprego que os homens (se considerados apenas os trabalhadores EM BUSCA de emprego), praticam mais agressões domésticas que os homens, sofrem menos agressões domésticas que os homens... será que as feministas del siglo XIX imaginavam que ainda assim a maioria das mulheres iria manter o discurso de vítimas indefesas, e não apenasmente não abririam mão das compensações conquistadas outrora como permaneceriam exigindo mais e mais privilégios em nome desta suposta vitimização e obteriam o incrível apoio da grande parte dos homens?
Há um homem chamado Warren Farrell, PHD em Ciências Sociais formado pela prestigiosa Universidade de Nova York, que na década de 70, enquanto ainda era um estudante de humanidades, se engajou no movimento feminista e se tornou um dos mais notórios feministas da época: foi eleito para a mesa diretora da NOW, mais importante organização feminista do mais importante país do mundo ( e aquele em que o discurso feminista mais tinha conseguido espaço): não era pouca merda.
Foi só pelos meados dos anos 80 que o sujeito percebeu a grande falha: os feministas não mudavam o discurso ante as conquistas sucessivas. Os privilégios (como a aposentadoria mais cedo em função de uma carga dupla de trabalho: em casa e fora de casa; um dos primeiros obtidos) eram defendidos não mais como compensações, mas como direitos
a priori das mulheres.
Se tornou um ferrenho anti-feminista e criou uma nova comunidade de defensores das igualdades de gênero (os masculinistas). Se notabilizou, então, como um dos primeiros intelectuais influentes a perceber que o discurso feminista padrão não era mais de qualquer modo igualitário.
A questão é: quanto tempo levará para que os movimentos negro e GLTB obtenham o mesmo "sucesso" que o movimento feminista?Quanto tempo levará para que se realize o medo (que hoje nos parece doentio) dos pastores evangélicos, de que o Ocidente vire uma Gaycracia?
Note, eu sou negro, e sou absolutamente afeito a boa parte das causas gays: acredito que homossexuais deveriam ter o mesmo direito de criar crianças que os heterossexuais, que deveriam ter direito a receber os direitos previdenciários de seus conjugues, que não possam ser agredidos em função de sua sexualidade... amo as paradas gay, participei de algumas e acho que nunca presenciei manifestação humana que louve tão bem a diversidade de humanos que somos quanto uma parada gay. Mas será que criminalizar a crítica ao homossexualismo é um direito ou um pivilégio? Será que tornar o crime de bater em alguém só porque ele é viado algo mais grave do que bater em alguém só porque ele é gordo ou flamenguista é mesmo um direito fundamental e equalitário?
E será que instituir um número mínimo de negros em determinadas instituições de ensino é um direito ou um privilégio? Quando o baixo número de negros em instituções públicas de ensino superior não for mais um problema (como não é mais um problema a divisão de trabalhos entre homens e mulheres no que tange ao serviço doméstico: uma leitura atenta e imparcial dos dados das últimas PNADs indica isto muito claramente a qualquer um que saiba ler "vovó viu vovô" e que saiba contar "2+2") será que os negros vão dizer: "ok, o sistema de cotas não é mais uma necessidade: abramos mão dele" ou, pelo contrário, dirão: "epa, não metam a mão na nossa cota, este é um direito nosso, dos negros, conquistado com muita luta de nossos ancestrais, seu racista" como dizem as mulheres sobre o privilégio que têm de trabalhar 5 anos a menos que os homens?
Talvez esteja na hora boa de aprendermos com a História que em nome da Igualdade não se pode criar privilégios, a não ser que queiramos mesmo apenas inverter os polos das desigualdades.