É interessante como poucas pessoas conseguem fazer uma análise isenta de uma situação concreta, sem esbarrar em seus próprios preconceitos, introduzindo viezes ideológicos, mesmo ao se deparar simplesmente com fatos.
A palavra potência, neste tópico, suscita questões que sequer estão totalmente abrangidas no escopo dos argumentos apresentados e a discussão simplesmente descamba para o emocional.
A idéia falsa é comparar uma "potência" emergente como a China com a atual situação dos EUA, como se tal status pudesse ser obtido em um simples estalar de dedos.
Vejamos o que se passou com os EUA:
1. Após a guerra civil, os EUA, que já tinham anteriormente uma forte economia, fixa-se como uma importante potência econômica. Isso foi fortemente alavancado pelas políticas intervencionistas (neocolonialistas) com base na Doutrina Monroe (um exemplo de pensamento dúplice, em minha opinião) e da política do Big Stick. Apesar da crise de 29, os EUA conseguem emergir da II Guerra como a principal potência econômica do planeta e experimentaram ampla expansão de sua economia até meados da década de 1970. O fato de ser uma potência econômica foi o principal pré-requisito para tornar os EUA em uma "potência" em outros setores.
2. Tendo dinheiro disponível, os EUA jamais descuidaram de seu desenvolvimento tecnológico - seu processo de colonização tornou isso não só possível como inevitável - e investiram pesadamente em infra-estrutura, desde meados do século XIX, o que o tornou uma "potência tecnológica" (entendendo-se tecnologia, aqui, como aplicação de conhecimento científico), o que tornou sua indústria ágil e competitiva.
3. Como potência científica (aqui entendido como formação de conhecimento básico), os EUA começam a tomar relevância após a II guerra (isso pode ser visto simplesmente verificando-se o número de prêmios Nobel de física, química e medicina atribuídos e o país em que a pesquisa foi feita). Um dos principais fatores de alavancagem da ciência pura nos EUA foi o asilo dado a pesquisadores europeus durante a década de 1930 e a cooptação de cientistas estrangeiros, que ocorre até hoje. Tal fato, em minha opinião, é positivo.
4. Os EUA saem da II guerra como uma potência nuclear. Essa tecnologia foi obtida, principalmente, através da cooptação de cientistas europeus que pesquisavam fissão nuclear desde o início do século XX. O problema é que essa característica sequer serve como base para caracterizar uma nação como "potência", já que poder nuclear, em análise estratégica é o que se chama de efeito nivelador e pode-se perfeitamente ser uma "potência nuclear" e ser um dos países mais miseráveis da Terra. Tecnologia nuclear militar serve apenas como poder de intimidação. Se um país miserável como o Paquistão resolver lançar apenas 5 ogivas nucleares sujas nas 5 principais cidades americanas, os EUA serão reduzidos à mesma condição do Haiti, hoje. Os chamados "escudos antimísseis" não são operacionais atualmente e muitos duvidam de sua viabilidade. Uma boa análise disso foi feita no livro O dia da guerra , um conto baseado em cenários nucleares prováveis, de Whitley Streiber e James Kunetka.
5. A emergência dos EUA como uma "potência espacial" surgiu após a II guerra, principalmente por cooptação de cientistas europeus e como reação às ações dos soviéticos. Muitos questionam se a obtenção desse status compensou efetivamente os custos.
6. Os EUA são uma "potência militar convencional" praticamente desde sua independência e cansou de utilizar tal poder, com anexações questionáveis de território e intervenções em diversos países do mundo.
7. A colocação dos EUA como "potência social" é, no mínimo, ambígua, já que em muitos aspectos da vida americana, o que se favorece é justamente o processo de exclusão. Um exemplo é o fato de 45 milhões de pessoas não terem acesso á saúde, nos EUA (como já mostrado em outros tópicos). O problema é que exclusão tem custo.
Resumindo: a formação de uma "potência", como a que está sendo exigida aqui, levou, nos EUA, no mínimo 100 anos. É ilógico pensar que um país como a China passe de um status de coadjuvante - que tinha até o final dos anos 1990 - para uma superpotência em um simples estalar de dedos.
Em relação ao caso chinês:
1. Eu não acho que a China demore mais de 15 anos para ter um PIB maior que o americano - o que a tornaria a principal potência econômica. Para mim, o fato dos EUA terem uma certa tendência à uma estagnação econômica, se não resolverem seus problemas estruturais e o fato de que não acredito que a China deixe de crescer, nos próximos anos a uma taxa superior a 8% aa tornaram esse fato mais rápido. Por outro lado, pelo que conheço da economia chinesa, penso que eles não estejam nem um pouco preocupados em obter tal liderança. Sua principal preocupação é com desenvolvimento de longo prazo e não com disputas por cifras.
2. O que poucos analistas ocidentais perceberam é que, desde a morte de Mao Zedong, o governo chinês vem investindo pesadamente em educação, ciência e tecnologia, saúde e na formação de uma economia estrategicamente planificada (com controle centralizado), com níveis baixos de exclusão (ao que eu saiba, o índice de pobreza na China caiu, de 50%, no início dos anos 1980 para menos de 7%, no início dos anos 2000 e continua caindo). Curioso é que, anteriormente, um poutro país utilizou quase a mesma estratégia (investimento em capital humano e infraestrutura, economia estrategicamente planejada, uso progressivo de tecnologia): o Japão. Isso pode ser comparado lendo-se o livro O desafio mundial, de Jean Jacques Servan-Schreiber.
3. O plano inicial chinês tem duração até 2050. Diferentemente de países ocidentais, os chineses costumam fazer planos para mais de 60 anos e perseguem os objetivos tratados como cães atrás de ossos.
4. A China tem diversificado fortemente seus parceiros comerciais, o que a torna menos vulnerável em relação a crises.
5. O fato de ter um sistema financeiro fortemente controlado, torna a China menos vulnerável à especulação econômica e a "bolhas" de investimento.
Esses fatos embasam fortemente, para mim, a tendência da China tornar-se a primeira potência econômica mundial. Não acredito que o país vá se preocupar em tornar-se mais forte militarmente ou a se envolver em aventuras científico-tecnológicas sem que haja uma importante contrapartida econômica. O tempo das bravatas militares ou de propaganda já acabou.