Pois é, pressupôs errado. Eu não vejo gradação nenhuma. Um milagre existe, todos existem. Ou se crê ou não se crê. Estou disposto a me oferecer como cobaia para que tente me convencer de algo diferente.
Bom, já que esse é o cerne do seu argumento (tanto que você o repetiu 3 vezes. Agradeço pela clareza e ênfase
), vou aceitar sua oferta em parte (eu realmente não espero mudar suas disposições).
Repeti 3 vezes! (ou, não seriam 2 vezes?) Estou melhorando em me resumir, então. Normalmente, repito mais de 5 vezes.
O meu argumento da gradação não depende da veracidade de fato da existência dessa gradação, mas sim como isso ocorreu historicamente ou seja, mesmo que "Crença em Milagres/Descrença em Milagres" seja uma categorias binária, as crenças de pessoas costumam a colocar pontos cinzentos nessas categorias (por exemplo, "Todos Deuses podem Realizar Milagres", "Só o Meu Deus pode fazer isso, a qualquer momento e em qualquer Lugar" e "Só o Meu Deus faz isso, mas deve ser algo tão Raro que só um Milagre explica isso").
Por favor, peço sua permissão para, agora que estou pensando conseguir diminuir minha própria prolixidade, resumir essa sua frase, cortando partes que vejo desnecessárias: "O meu argumento da gradação não depende da existência dessa gradação" (em si mesma, como uma realidade independente?).
Assim fica bem claro mesmo, se não se importa. Mas não terminemos aqui, porque, além até do imponderável bem pode haver muito mais... Que besteira isso que eu disse, meu deusinho! Não é nada disso! É porque continuamos vivendo, por enquanto, pensando e os pensamentos se desviando, ganhando e perdendo sentido. Porque o processo deles existe, nós não.
Historicamente... Eu já disse algures aqui que o problema da história é que depende muito de relatos humanos. Mas esse não é seu maior problema, eu vejo. É que depende da interpretação humana dos relatos. Assim, até quando os relatos não são de origem intermediada por mentes humanas, continuam sendo o mesmo problema. Vê-se a/da história o que mais apraz; ou aquilo por onde um caminho de deliberação cega conduz. Mas acho que há ainda uma característica da historiação que pode ser muito mais falaciosamente instiladora: o problema do dedo e de para onde ele aponta. Aqui, o que foi que "ocorreu historicamente"? A "crença" (pessoas crentes?) foi "colocando pontos cinzentos em suas categorias" e isso foi "mudando o mundo"? Ou o mundo, "mudando", foi forçando "crenças" (crentes?) a "colocarem pontos cinzas em suas categorias"? Ou, considerando que não existe mundo separado de crente nem crente separado de mundo, acontece um só processo? Ou...? Herão não foi Papin/Watt porque Papin/Watt não foi Herão? Da Vinci não foi Dumont porque Dumont não foi da Vinci? O vapor e a eolípila não convenciam do seu valor? O motor não existia? O mecanismo de Anticítera não iniciou a revolução das máquinas mecânicas? Por quê? Quais são os eventos históricos paralelos que são desconsiderados, sobrevistos? Aparentemente pequenos acontecimentos, como a revolução siderúrgica que ocorreu às margens de um trecho alemão do Reno aproxidamante um século e meio antes de Galileu, sem a qual a outra revolução (industrial) tão propalada não poderia ter acontecido e nem mesmo a revolução científica pós-galileana, que peso na percepção do processo histórico podem ter se considerados com a devida atenção? O processo histórico é parte da evolução, livre e sem sentido deliberado, mas o historiador procura um sentido nele e é assim que faz a própria estória, da história, e é assim que cai em erro. Eu não procuro sentido nenhum na história. Só quero a descrição exatada do ocorrido. É das mentes que quero o sentido porque isso só "existe" nelas. E o que você me diz aqui não faz sentido algum para mim. Quando alguém põe uma abstração, como a crença, como sujeito numa frase, especialmente com um verbo de ação, já não há mais sentido algum que eu veja nela, sinceramente.
Também, eu não disse que vejo uma binariedade na crença/descrença. Eu disse que vejo uma *separação topológica*. Em geometria, topologia estabele lugares sem caminho entre si, não se podendo transitar de um para outro. Topologicamente, se pode determinar se há trajeto possível entre um ponto e outro de um espaço total multitopológico, e não há isso, esse trajeto possível entre crença e descrença. O crente permanece sempre dentro de seu lugar topológico, não importa o quando se desloque dentro dele. Binariedade sugere trânsito possível entre dois estados (possivelmente até dentro do mesmo espaço topológico). Uma mesma máquina cognitiva talvez possa rodar programas diferentes a cada vez, mas não mais de um simultaneamente, utilizando-se dos mesmos recursos físicos da máquina. O problema é que existe uma realidade natural extramaquinal com a qual a máquina cognitiva interaje numa fronteira. Enquanto tal máquina mantém um fluxo cibernético com essa realidade externa, seu programa interno tem que assumir a perfeita correspondência. Mas, se tal máquina isolar parte ou totalidade de suas funções cognitivas dessa interação, criará simulações espúrias dessa informação externa acreditando serem originais. Enquanto tal máquina faz isso, ela roda um programa que chamo de degenerado, cuja disfunção externamente visível é conhecida com o nome de filosofia. Um dos aspectos de tais máquinas é que comunicam-se desenvoltamente entre si, com frequência, e surgem coisas como as subrotinas da dialética em que tais máquinas comunicam-se entre si, versando sobre seus registros fictícios da realidade enquanto a realidade mesma está ali em contato físico com suas fronteiras (sensoriais) sendo sistematicamente ignorada ou convertida nos registros fictícios internos. Essas máquinas trocam seus 'mundos realísticos' internos entre si como se estivessem exprimindo-se sobre o mundo real. Tais máquinas dispensam o mundo real como necessário para a verificação dele próprio. Mas há máquinas que rodam um programa fundamental completamente diferente, em que as rotinas internas aferem-se determinadamente ao mundo exterior. São máquinas que não filosofam. São máquinas científicas. Ainda há caminho à frente para a descrição plena desses processos, embora eu já não veja mais como se possa negá-los sem fugir ao rigor científico.
E como a maioria das pessoas crê e leva a sério tais idéias, sejam verdadeiras ou falsas, e existindo um ambiente social
que é movido em maioria por fatores exógenos - ou tecno-mercadológicos, como você colocou - mas também existem fatores endógenos - ou seja, crenças e disposições pessoais- creio que você reconheça que mesmo inexistindo gradações de fato, existe a crença nelas e essa crença faz com que diferentes visões (que na verdade seriam partes do mesmo pacote de ilusões cognitivas) passem a ter importância social. Mesmo o seu Übermensch Científico reconheceria que a sua vida seria muito mais fácil se as pessoas acreditassem que ele é alguém que "Executa tarefas que Deus permite que ele realize" (uma crença falsa) do que que ele "Faz Bruxaria Satânica" (outra crença igualmente falsa).
A maioria das pessoas não só crê e leva a sério tais ideias, elas *são* tais ideias. Você mesmo, por exemplo, não é partidário de determinada corrente filosófica porque ela te desagrada. Deve ter que acreditar que há algum fundamento bom e/ou útil nela. Você, na sua ilusão (não tome como pejorativo, é a ilusão consciente que cada um de nós é, como eu entendo), "seleciona" sua ideologia, mas isso é só uma ilusão e nem mesmo é a ideia que te seleciona pois ela inexiste tanto quanto você. Você é a ideia, a ideia é você. É só como funciona sua máquina cognitiva. Mas existe uma coisa muito mais poderosa que crenças em ideias -- os benefícios (ou malefícios) da realidade. Crenças em ideias só subsistem em larga escala, com intensa irredutibilidade, quando a realidade não agrada. Organismos como os humanos possuem sensores e processadores de satisfação e sofrimento e ideias ilusórias passam a ter pouco poder de determinação quando o organismo se farta da primeira e se livra do segundo. Mas a máquina cognitiva do organismo continua sendo aquelas ideias (mais precisamente, os processos ideários fundamentais), embora elas se tornem mais um tipo de diversão mental para as horas vagas porque, no mais, ele está satisfeito com seu processo vivo e chega até a ficar mais aberto ao que chama de tolerância. É assim que "contextos sociais ideológicos" modificam-se radical e rapidamente. Talvez fosse o que aquele sábio quisesse dizer quando respondia a quem lhe pedisse opiniões sobre algo: "Para que queres minha opinião? Se ela te desagradar, não a adotarás; se te agradar, não a adotarás também, porque não precisas, visto que é tua própria opinião. Tudo o que queres é descobrir se eu, como sábio, compartilho da tua mesma opinião, para confirmar teu valor."
Foi ótimo você dizer "creio (que eu reconheça que mesmo inexistindo gradações de fato, existe a crença nelas e essa crença faz com que diferentes visões passem a ter importância social)". É bastante honesto e tudo o que ainda pode chegar a afirmar. Mas sua crença está obviamente errada, como não pode deixar de ser, sendo crença. Não, meu "Übermensch Científico" não reconhece isso... não, não... o que "meu" "Übermensch Científico" reconheceria, não faço ideia, EU não reconheço isso. O que define o grau de facilidade da vida de um descrente num ambiente de crentes é a relação: grau de desenvolvimento tecnológico/o quanto fica patente a dependência desse desenvolvimento da descrença (sim, o ato do pensamento científico é um ato, em essência, de descrença, mas o próprio ato do pensamento tecnológico passa a exigir descrenças específicas mais e mais de acordo com seu grau evolutivo). Só isto.