Autor Tópico: A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?  (Lida 6203 vezes)

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Offline Rocky Joe

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A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Online: 23 de Outubro de 2011, 12:37:25 »
Pergunto aos foristas a opinião deles sobre algo que me deixa meio perplexo. A questão é a seguinte: qual a relação entre a física e outras disciplinas, em especial a biologia (teoria da evolução, por ex)?

A física atualmente explica o universo através de 'tijolinhos' dos quais eles são feitos; as partículas fundamentais e suas forças de interação (falta a gravidade, mas ignoremos). Há quem afirme que qualquer outra ciência é apenas uma questão de conveniência; que a física explica tudo, que todos os fenômenos podem ser reduzidos a esta explicação.

Tava lendo ontem um livro do David Deutsch, e ele afirma que isto é, de certa forma, verdade; mas as outras ciências não são apenas conveniência porque elas respondem perguntas diferentes, perguntas que não fazem sentido na linguagem da física. Ele dá um exemplo de um átomo de ferro que se encontra na estátua do Winston Churcill em Londres; como o átomo foi parar lá? A física poderia explicar através das interações e tudo o mais. Mas também poderia se responder que Churchill foi primeiro ministro e suas idéias contribuiram para a vitória na segunda guerra mundial, e que é costume honrar pessoas fazendo estátuas delas.

O Deutsch afirma que pode haver algo chamado emergência: complexidade no nível atômico pode gerar simplicidade em outro nível. Ele dá exemplos desses 'fenômenos emergentes': a vida (teoria da evolução), o pensamento, e a computação.

O que vocês acham disso?

Offline uiliníli

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #1 Online: 23 de Outubro de 2011, 12:43:06 »
Para mim faz sentido. Embora em tese qualquer ciência natural possa ser reduzida à Física, não existe poder computacional no universo para explicar fenômenos biológicos através de equações físicas, mas essa emergência de simplicidade que surge no nível macroscópico permite se elaborar métodos próprios para responder questões dessa natureza.

Offline Dr. Manhattan

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #2 Online: 23 de Outubro de 2011, 13:03:02 »
Concordo. E tem mais um detalhe: mesmo no contexto das propriedades da matéria  (isto é, sem entrar em questões psicológicas ou sociais) nós quase nunca partimos diretamente de uma descrição microscópica para a macroscópica. Existem dois motivos para isso. Primeiro, o volume de dados necessário para, por exemplo, partir da descrição atômica para explicar a transmissão de um sinal por um neurônio é tão absurdamente grande que se torna inviável na prática. Segundo, porque as equações que devem ser resolvidas para realizar essa descrição são tão complicadas que sua solução se torna na prática impossível.

É por isso que na Física (e imagino que em outras ciências) é necessário usar o que chamo de uma hierarquia de aproximações - simplificações que procuram capturar os elementos essenciais de um problema e ignoram aspectos menos relevantes. Trata-se de uma hierarquia porque a cada nível se descarta algum detalhe que, dependendo da situação, pode ou não ser relevante.


You and I are all as much continuous with the physical universe as a wave is continuous with the ocean.

Alan Watts

Offline Sergiomgbr

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #3 Online: 23 de Outubro de 2011, 17:33:41 »
Podemos dizer que a fisica seria o norte em uma bussola que precisa dos outros pontos cardeais e colaterais.
Até onde eu sei eu não sei.

Offline Rocky Joe

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #4 Online: 23 de Outubro de 2011, 23:52:56 »
Concordo. E tem mais um detalhe: mesmo no contexto das propriedades da matéria  (isto é, sem entrar em questões psicológicas ou sociais) nós quase nunca partimos diretamente de uma descrição microscópica para a macroscópica. Existem dois motivos para isso. Primeiro, o volume de dados necessário para, por exemplo, partir da descrição atômica para explicar a transmissão de um sinal por um neurônio é tão absurdamente grande que se torna inviável na prática. Segundo, porque as equações que devem ser resolvidas para realizar essa descrição são tão complicadas que sua solução se torna na prática impossível.

É por isso que na Física (e imagino que em outras ciências) é necessário usar o que chamo de uma hierarquia de aproximações - simplificações que procuram capturar os elementos essenciais de um problema e ignoram aspectos menos relevantes. Trata-se de uma hierarquia porque a cada nível se descarta algum detalhe que, dependendo da situação, pode ou não ser relevante.


Isto é bastante interessante e coerente.

Valeu pela resposta de vocês. :)

Offline Geotecton

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #5 Online: 23 de Outubro de 2011, 23:57:52 »
[...]
É por isso que na Física (e imagino que em outras ciências) é necessário usar o que chamo de uma hierarquia de aproximações - simplificações que procuram capturar os elementos essenciais de um problema e ignoram aspectos menos relevantes. Trata-se de uma hierarquia porque a cada nível se descarta algum detalhe que, dependendo da situação, pode ou não ser relevante.

Ainda mais se voce lida com a interpretação de eventos ocorridos até 4,5 bilhões de anos como é o caso da Geologia.
Foto USGS

Offline Cientista

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #6 Online: 24 de Outubro de 2011, 03:17:55 »
Outras ciências??? Que "outras ciências"?...   Coleções de figuras?

Ora, o que passa de Física, se pretende-se substituí-la em essência, é metafísica.


A física atualmente explica o universo através de 'tijolinhos' dos quais eles são feitos; as partículas fundamentais e suas forças de interação (falta a gravidade, mas ignoremos).
Eu não diria que é bem assim. O cerne aqui é o conceito "explicação". Entendamos que tal conceito está associado ao princípio de fronteira perene em ciência -- cada esclarecimento alcançado conduz a outros questionamentos demandando "explicação". Nesse processo, o fato é que nunca tem havido explicação, mas pura descrição cada vez mais ampliada, aprimorada, até que bateu-se de frente com o muro da dura realidade quântica.


Há quem afirme que qualquer outra ciência é apenas uma questão de conveniência; que a física explica tudo, que todos os fenômenos podem ser reduzidos a esta explicação.
Digamos que "outras ciências" não sejam questão de conveniência; digamos que sejam paradigmas protofísicos que, naturalmente, evoluem tendendo para a Física. Quando observamos bem, podemos ver esse movimento acontecendo ao longo da história da ciência.


Tava lendo ontem um livro do David Deutsch, e ele afirma que isto é, de certa forma, verdade; mas as outras ciências não são apenas conveniência porque elas respondem perguntas diferentes, perguntas que não fazem sentido na linguagem da física.
Esse é, justamente, o "universo" limitado da ilusão cognitiva humana. A mente registra modelos físicos pífios da realidade e trabalha em cima deles, erigindo-os a realidades em si.


Isso tudo é de uma complexidade enorme mas não é impossível um início de destrinçamento. Dentro da teoria do caos, sistemas dinâmicos integráveis são exceções à "regra", ou seja, sistemas bem comportados e de evolução amplamente previsível no tempo são grande minoria. Tentemos entender o significado disso, que é uma tarefa difícil. Se for contada a história completa *daquele* átomo específico na estátua, considerando isto ser possível, esta história é tão ilimitada quanto o universo e não pode(ria) ser contada por outra "ciência" que não a Física. Também, confundindo-se ou, melhor, integradamente à história do universo, só poderia ser contada uma única vez. Mas se forem delimitados limites temporais arbitrários para este relato evolutivo, poderemos ter os tais modelos "parafísicos" a reivindicar competência historicista porque *aquele* átomo de ferro exato já não precisaria mais ser aquele específico, já poderia ser qualquer um (o que abrange, inclusive aquele mesmo, *também*!), afinal, qualquer processo físico de cópias de um modelo de estátua é, por definição, bem comportado, não caótico, previsível o suficiente para sustentar engenharia.

O que se observa de mais fundamental em todos esses processos bem comportados? Apresentam ciclicidade, ou seja, podem ser repetidos. Eles são repetíveis isoladamente, apenas como modelos copiáveis, mas o universo processa-se uma única vez. Esta ciclicidade assenta-se sobre estas arbitrações de início e fim que são delimitações sistêmicas necessárias e inexoráveis para sistemas cognitivos limitados como o humano. Uma das facetas da essência destes sistemas cognitivos é exatamente esta amostrabilidade de sistemas físicos arbitrariamente delimitados.


Espere um pouco...  Isto é exigente demais e não estou mais conseguindo pensar direito. É proximamente relacionado ao que quero apresentar ao Feynman. Talvez eu possa retomar depois.

Offline Rocky Joe

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #7 Online: 24 de Outubro de 2011, 13:49:36 »
Outras ciências??? Que "outras ciências"?...   Coleções de figuras?

Ora, o que passa de Física, se pretende-se substituí-la em essência, é metafísica.

Ora, biologia, geologia, química, história, psicologia, sociologia... Ciências. Em um sentido amplo.

O que passa da física não é, sempre, metafísica (embora o significado literal desta última faça parecer isto). Não faz parte da sua lingüagem da física responder a todas as perguntas que podemos fazer.

Eu não diria que é bem assim. O cerne aqui é o conceito "explicação". Entendamos que tal conceito está associado ao princípio de fronteira perene em ciência -- cada esclarecimento alcançado conduz a outros questionamentos demandando "explicação". Nesse processo, o fato é que nunca tem havido explicação, mas pura descrição cada vez mais ampliada, aprimorada, até que bateu-se de frente com o muro da dura realidade quântica.

Como disse em outro tópico, considero um dos erros mais comuns o fato da física se tratar meramente de uma descrição, e não uma explicação. Copio novamente o que disse:

"Eu penso que a física responde o "Por que?" sim.

O problema de se pensar que a física apenas "descreve" a natureza, ou apenas "correlaciona quantidades observáveis", como alguns pensam, é que isto não explica da onde veio a linguagem da que a física usa. Como Einstein dizia, não se deve basear uma teoria apenas em quantidades observáveis, até porque é o contrário – é a teoria que decide o que pode ser observado."

Citar
Digamos que "outras ciências" não sejam questão de conveniência; digamos que sejam paradigmas protofísicos que, naturalmente, evoluem tendendo para a Física. Quando observamos bem, podemos ver esse movimento acontecendo ao longo da história da ciência.

(...)

Se for contada a história completa *daquele* átomo específico na estátua, considerando isto ser possível, esta história é tão ilimitada quanto o universo e não pode(ria) ser contada por outra "ciência" que não a Física.

Mas é aí que está a coisa; a física considera 'história' uma descrição em sua lingüagem específica (espaço, tempo, interações, troca de energias, etc). Mas outra ciência, com outra lingüagem, pode responder a mesma pergunta utilizando outros conceitos e não ser contraditório com a física. Quero dizer; eu não vejo mesmo que as outras ciências tendam à física.

Peço desculpas se me comuniquei mal; tenho que sair do computador em poucos momentos. Mais tarde, volto cá, e posso me estender em um ponto ou outro.

Offline Cientista

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #8 Online: 25 de Outubro de 2011, 01:02:34 »
Até não acho que tenha se comunicado mal. Tanto que embora cansado e com o cérebro fervente, vou me deter um pouco para responder.

Para começar:

Outras ciências??? Que "outras ciências"?...   Coleções de figuras?

Ora, o que passa de Física, se pretende-se substituí-la em essência, é metafísica.

Ora, biologia, geologia, química, história, psicologia, sociologia... Ciências. Em um sentido amplo.
Sim, oficialmente você não está errado e meu intuito foi mais ser irônico que outra coisa, embora houvesse bastante dessa outra coisa sim. É inevitável a necessidade de respeitar a (lenta) cadência evolutiva das formalizações do conhecimento científico humano. Não nego e não fujo desse respeito, mas é igualmente inevitável o movimento da mudança e ele tem que ser iniciado.


O que passa da física não é, sempre, metafísica (embora o significado literal desta última faça parecer isto).
Como eu salientei: "*se* pretende-se susbstituí-la *em essência*".


Não faz parte da sua lingüagem da física responder a todas as perguntas que podemos fazer.
Minha linguagem ou a da física? Bom, no que seguir, entenderei como da física.

Aí é que está! O que sempre digo é que está nas perguntas o âmago de todos os problemas apreensivos do conhecimento. A linguagem da física é uma eliminadora de perguntas (especialmente se são do tipo "todas as perguntas que podemos fazer"), não uma respondedora. Mas, por outro lado, *e isto não é nada contraditório*, "todas as perguntas que podemos fazer" são estritamente determinadas pela realidade física. Só os significados dessas perguntas são ilusórios.

Offline Cientista

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #9 Online: 25 de Outubro de 2011, 01:36:39 »
Como disse em outro tópico, considero um dos erros mais comuns o fato da física se tratar meramente de uma descrição, e não uma explicação. Copio novamente o que disse:

"Eu penso que a física responde o "Por que?" sim.
Sim, pode-se responder qualquer coisa em física, mas a resposta nem sempre é o que se espera pela pergunta.

Sim, de fato, em linguagem física, pode-se responder "o porquê", contudo, faz-se eliminando-o, eliminando o sentido inicial do mesmo. Em física, se esse sentido inicial não for eliminado da mente do perquiridor, então o mesmo não chegou à "conclusão" do "porquê". Lembro que vi seu questionamento lá, rapidamente. Não lembrava se foi você. Pelo que lembro, a pergunta era o que definia o momento de um dacaimento nuclear, acho, se eu estiver certo; corrija-me, se não. Atente para o fato de que a resposta em física só se alcança quando a sua pergunta "por quê?" se extingue; a resposta é, em si, a extinção dessa pergunta. Isto é o mesmo que dizer "se a filosofação de extinguir em você". Você pode entender isso, inicialmente, como uma limitação mas, de fato, trata-se apenas de realidade. É o fim da ilusão, da filosofação.


O problema de se pensar que a física apenas "descreve" a natureza, ou apenas "correlaciona quantidades observáveis", como alguns pensam, é que isto não explica da onde veio a linguagem da que a física usa.
Não seria o correto dizer "linguagem que se usa em física"? Quando se diz "linguagem que a física usa", subentende-se que, substituindo física por natureza, tanto faria. Ultrapassando a questão semântica, o que importa é saber se isto, física ou natureza ou qualquer outro nome que se dê, tanto faz, tem alguma linguagem própria; se é cientificamente lícito pensar assim. Então, o que interessa deve ser de onde surge ou como se arquiteta a linguagem usada *em* física. No cérebro, não? Como ocorre? Com absoluta exatidão e minuciosidade, ainda não se pode descrever o processo, mas o que se conhece a respeito é bastante para não ser mais uma questão de fé sem qualquer embasamento concluir que o cérebro é um aparato físico como qualquer outro no universo, seguindo as mesmas regras válidas para todo e qualquer outro sistema dinâmico. Se for considerado que haja algo no cérebro que escape a tais regras estar-se-á no àmbito da metafísica.

A única conclusão científica que resta é que o cérebro registra representações informacionais da natureza e as articula em linguagens. E estes modos articulatórios também são registros impressos no cérebro. Está aí de onde vem a linguagem usada em física.


Como Einstein dizia, não se deve basear uma teoria apenas em quantidades observáveis, até porque é o contrário – é a teoria que decide o que pode ser observado."
Ah, o que Einstein dizia... Ainda espero que isso possa render bom debate entre mim e o Feynman, depois que eu me aperceber devidamente para a empresa. Não quero ficar num ping-pong interminável com ele.

Mas aqui também: é a "teoria" que decide? Ou é o observador? Uma teoria pode decidir sem um observador? Existe teoria sem teorizador? E sem observador?

Claro, pergunta-se, também: e pode haver observador sem objetivo, sem "teoria"? Não pode haver teorizador sem teoria? Pode haver teorizador sem teoria? Quando um teorizador passa a ser um teorizador? O que lhe confere esse caráter sem a teoria?

E tautologias não são inúteis? Volteios filosóficos não são inúteis? Como se chega ao que é útil, efetivo, solvente?

Qual a solução dessa tautologia?: Não existe nem teoria nem teorizador; nem teoria nem observador; só processo físico, natural.

Não, nenhuma teoria decide o que se deve observar; nem nenhum teorizador. Nada decide coisa alguma. Podemos ser estas ilusões, mas também podemos ser indiretamente cientes disto, *com grandes benefícios*.

Offline Cientista

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #10 Online: 25 de Outubro de 2011, 02:06:53 »
Quero dizer; eu não vejo mesmo que as outras ciências tendam à física.
Está certo, vou tentar mostrar de alguma forma.


Mas é aí que está a coisa; a física considera 'história' uma descrição em sua lingüagem específica (espaço, tempo, interações, troca de energias, etc). Mas outra ciência, com outra lingüagem, pode responder a mesma pergunta utilizando outros conceitos e não ser contraditório com a física.
Exatamente, não é contraditório com a linguagem da física porque são linguagens físicas também (não exata ou necessariamente *da* física, segundo conceituação formalizada, mas *físicas* mesmo, considerando que as máquinas que as geram e articulam *são* físicas), apenas limitada em suas delimitações sistêmicas. Todas as outras ciências possuem formulações linguísticas que são sistemicamente limitadas por natureza: conta-se a história de um povo; conta-se a história de uma/da vida (biologicamente falando)... Também em física geram-se linguagens específicas modelares que são sistemicamente limitadas, normalmente para aplicabilidades práticas de engenharia (e, diga-se de passagem, só esse termo, 'engenharia', apresenta, linguisticamente como não poderia deixar de ser, o que aponto na evolução histórica de qualquer outra ciência para a física: quando se fala em 'engenharia genética', torna-se insofismável o fato).

Mas a essência científica da física é não limitada a limites sistêmicos, ou, no mínimo, sua linguagem constrói-se como a mais ampla de todas. Daí todas as ciências evolverem para a física. O que entendo que ocorre é que, para sistemas cognitivos limitados como nós, uma linguagem puramente física idealizada é sobrecarga demais para o processamento, então, formulam-se no sistema cognitivo, arredondamentos, minimizações dessa linguagem que são interpretadas como "linguagens de outras ciências". O terrível erro interpretativo que vejo ocorrer é justamente o entendimento, que vejo como totalmente errado, de que tratam-se realmente de outras linguagens totalmente independentes que não poderiam ser "profanamente" reduzidas à física, mas, na verdade, é a física que está sendo reduzida a essas linguagens!

Tento demonstrar melhor como:

Eu sei que isto soa estranho normalmente e acho que só eu sei a enorme dificuldade que experimento para apresentar esse conceito para as pessoas. Mas é preciso analisar que há um aparato complexo tradutório nos seres cognitivos que somos. Se analisamos uma ciência "filosoficamente", tentamos olhar um ser humano e "suas criações" "de fora para dentro" para que possamos percebê-lo de "dentro para fora"; tentamos entender o teorema fundamental do cálculo, por exemplo, analisando-o como obra externa, apenas, aos pensamentos dos autores; ou a teoria evolutiva, da mesma forma; ou a termodinâmica, idem. Cada uma apresenta sua própria roupagem externa linguística diversificada, mas, internamente aos pensadores, o mecanismo essencial que gera cada uma delas, é o mesmo, e a tradução externa mais simplificada, mais direta desse mecanismo é o que chamamos linguagem da física. E não é à toa que é a linguagem de aplicabilidade mais ampla, embora, "paradoxalmente", pela questão aqui abordada, pareça ter "limitações" complementáveis por outras abordagens/linguagens científicas.

Tal sensação de paradoxo é produzida pelo fato de que, justamente, é mais difícil ou mais complexo abordar, fisicamente, o mesmo tema, como já apontado pelo Manhattan. Mas é o desejável! O uiliníli disse que "não existe poder computacional no universo para explicar fenômenos biológicos através de equações físicas", mas é claro que há! Não necessariamente "através de equações físicas" porque estas fazem parte do constructo linguístico humano e possuem sua parte ou potencial ilusório. Mas o universo em si é o "poder computacional" de si mesmo. Nós temos um poder computacional limitado, mas pode-se ampliar indefinidamente essa capacidade de processamento com auxílio externo aos nossos cérebros (espero que possamos fazê-lo internamente também, em algum tempo) e, de fato, o fazemos. E é aqui onde se encontra a utilidade deste ponto de vista que defendo.

Bom, por hoje é o que dá.

Offline Feynman

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #11 Online: 25 de Outubro de 2011, 02:32:29 »
Não, nenhuma teoria decide o que se deve observar; nem nenhum teorizador. Nada decide coisa alguma. Podemos ser estas ilusões, mas também podemos ser indiretamente cientes disto, *com grandes benefícios*.

Isto foi uma isca, é claro.   :)

Não tenho nada (muito) contra levar os processos cognitivos às últimas consequências, de deriva natural, com a estatística e propriedades físicas conduzindo por todo o caminho, onde a emergência de um "eu", de "significado" e "explicação" ocorrem por absoluta vicissitude natural. Mas, da mesma forma que, ao correlacionarmos previamente a Natureza e a matemática forjada pra sua descrição podemos mexer nesta para descobrir coisas sobre aquela, podemos também utilizar nossa linguagem para estruturar convenientemente o que convencionamos chamar de ciência. E isto de tal modo que a emergência, ainda que subjetiva, de fenômenos como "explicação" possa ser usada licitamente como ferramenta (provavelmente a única possível) de apreensão da realidade, com todas as nuances sutis, muitas linguísticas, que tornam procedente uma narrativa de personificação às coisas que não existem em si, como "observações determinadas pela teoria".

Cientista, sou pessimista em relação a um possível mútuo entendimento, em função de quereres ir às últimas consequências explicativas, mas que não podem ser adequadamente gerenciadas sem a linguagem subjacente às nossas trocas de informação. Ao mesmo tempo em que estás com os fenômenos últimos na cabeça, lanças-te à linguagem para se referir às mesmas. E daí entras no campo de batalha da incomensurabilidade entre o verde que você vê, e o verde que eu vejo. Iremos, assim, produzir momentos de convergência, mas mesmo estes estarão sujeitos ao não entendimento de que não houve entendimento.

Mas tentando, como sempre:

É no campo da emergência de fenômenos humanos-explicativos que planto minhas exegeses, deixando a estrutura absolutamente randômica da deriva natural como algo posto. Assim, as observações, dentro de um programa de pesquisa consciente, irão determinar o que eu quero observar, para corroborar (ou não) o que eu previamente já tenho como possibilidade. Daí queres ir  adiante, chegando aos níveis últimos já referidos. Bem, primeiro concordemos que o verde é um verde conveniente para ambos, depois tergiversamos sobre se o seu verde é igual ao meu. De minha parte, já deixei claro que resigno-me aos fenômenos últimos que transcendem um "eu explicativo" (o infame sujeito cognoscente). Neste nível, observador e observado não fazem mais sentido como tais. São processos naturais retroalimentadores em deriva, onde o que estatisticamente se mantém no pano de fundo caótico perdura, assim mesmo, de forma tautológica. Mas será que também não consegues, como eu consigo vir até o citado nível ontológico, subir para uma linguagem de alto nível (no sentido "informático") que é procedente dentro de um contexto utilitário relacionado com "observadores" e "observação dirigida"?

A propósito, deixe Einstein fora desta, a menos que queiras "regredir" para a "linguagem de alto nível" (e que corroboraria meu ponto de vista). Ele não estava imerso nisso. (Talvez o mais perto que tenha chegado de uma exegese do devir natural seja quando disse que suspeitava que o homem não era naturalmente monogâmico).
"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

Offline Feynman

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #12 Online: 25 de Outubro de 2011, 02:42:48 »
O que entendo que ocorre é que, para sistemas cognitivos limitados como nós, uma linguagem puramente física idealizada é sobrecarga demais para o processamento, então, formulam-se no sistema cognitivo, arredondamentos, minimizações dessa linguagem que são interpretadas como "linguagens de outras ciências". O terrível erro interpretativo que vejo ocorrer é justamente o entendimento, que vejo como totalmente errado, de que tratam-se realmente de outras linguagens totalmente independentes que não poderiam ser "profanamente" reduzidas à física, mas, na verdade, é a física que está sendo reduzida a essas linguagens!

Isso é academicamente muito provocador! Naturalmente não sairias incólume de uma mesa redonda com cientistas de "outras ciências". Não obstante, é a exata imagem que tenho da FÍSICA, a única ciência possível.
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Offline Rocky Joe

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #13 Online: 25 de Outubro de 2011, 22:42:40 »
Citação de: Cientista
Não seria o correto dizer "linguagem que se usa em física"? Quando se diz "linguagem que a física usa", subentende-se que, substituindo física por natureza, tanto faria. Ultrapassando a questão semântica, o que importa é saber se isto, física ou natureza ou qualquer outro nome que se dê, tanto faz, tem alguma linguagem própria; se é cientificamente lícito pensar assim. Então, o que interessa deve ser de onde surge ou como se arquiteta a linguagem usada *em* física. No cérebro, não? Como ocorre? Com absoluta exatidão e minuciosidade, ainda não se pode descrever o processo, mas o que se conhece a respeito é bastante para não ser mais uma questão de fé sem qualquer embasamento concluir que o cérebro é um aparato físico como qualquer outro no universo, seguindo as mesmas regras válidas para todo e qualquer outro sistema dinâmico. Se for considerado que haja algo no cérebro que escape a tais regras estar-se-á no àmbito da metafísica.

A única conclusão científica que resta é que o cérebro registra representações informacionais da natureza e as articula em linguagens. E estes modos articulatórios também são registros impressos no cérebro. Está aí de onde vem a linguagem usada em física.

Sim, por lingüagem da física não quero dizer linguagem da "natureza". Como você disse, como saber se ela tem uma lingüagem própria.

Eu concordo com o que disse, com um adendo: esta "articulação em lingüagem" se dá também com o uso da imaginação. Se não fosse assim, como explicar que a lingüagem da física mude com o tempo, se a informação que o cérebro recebe do mundo é do mesmo tipo que antes?

Se não há imaginação em física (a hipótese!), como explicar a existência de duas teorias que tenha os mesmos resultados em experimentos, mas que diferem no mundo que descrevem (exemplos: na quântica há dezenas de diferentes teorias sobre os mesmos fenômenos; a teoria de Lorentz do éter tem o mesmo conteúdo empírico da de Einstein, e não dá para dizer que não é uma teoria física)?

Este não é o ponto de discussão do tópico, né. Ou é, não sei. :hihi: Trouxe-o à tona porque parece que temos visão sobre a física diferente; você, que ela é descritiva; para mim, que ela cria hipóteses e imagina um tipo de mundo, para então tentar justificar essa visão de mundo pelos métodos usuais (que foram discutidos em outro tópico, aliás; não me lembro o nome).

Citação de: Cientista
Mas aqui também: é a "teoria" que decide? Ou é o observador? Uma teoria pode decidir sem um observador? Existe teoria sem teorizador? E sem observador?

Claro, pergunta-se, também: e pode haver observador sem objetivo, sem "teoria"? Não pode haver teorizador sem teoria? Pode haver teorizador sem teoria? Quando um teorizador passa a ser um teorizador? O que lhe confere esse caráter sem a teoria?

E tautologias não são inúteis? Volteios filosóficos não são inúteis? Como se chega ao que é útil, efetivo, solvente?

Qual a solução dessa tautologia?: Não existe nem teoria nem teorizador; nem teoria nem observador; só processo físico, natural.

Não, nenhuma teoria decide o que se deve observar; nem nenhum teorizador. Nada decide coisa alguma. Podemos ser estas ilusões, mas também podemos ser indiretamente cientes disto, *com grandes benefícios*.

Antes de tentar responder a estas perguntas, para não ser mal entendido, é bom dizer que por "observação" quero dizer a observação registrada por um aparato de medida físico; não quer dizer a observação feita por nós através dos nossos sentidos. Vou defender meu ponto de vista; que é a teoria que decide o que pode ser observado.

Dou um exemplo: se olho por um telescópio, pego um livro de ótica e assim justifico, pelo funcionamento do telescópio de acordo com a teoria, que o que vejo pelo telescópio é o próprio objeto, mas amplificado. Por outra teoria, não seria concebível que o resultado pudesse ser interpretado de outra forma?

Isto é, nenhum experimento é feito em um vácuo conceitual. Apenas no contexto de uma teoria e um modelo da realidade nós sabemos quais experimentos valem a pena ser realizados, ou mesmo como interpretar o experimento.

Se se interessar, esta frase de Einstein foi feita como crítica à Mecânica Quântica; a citação abaixo (do artigo "Understanding Bohmian Mechanics", Tumulka) explica o porquê dele tê-la feito.

“Os fundadores da mecânica quântica eram muito atraídos pelo pensamento de que as palavras, 'energia', 'momento' e 'momento angular' ainda têm um significado na mecânica quântica. Estas palavras, no entanto, não têm um sentido imediato (em contraste com 'posição', que tem); seu significado na mecânica newtoniana vem do fato de que eles são quantidades conservadas. Sem este fato, ninguém estaria interessado em multiplicar a massa pela velocidade. Agora, a mecânica newtoniana mostrou-se errada, então não devemos esperar ingenuamente que estas palavras ainda tenham um significado. Mas Heisenberg e outros insistiram que elas têm um significado. A idéia era que definir uma grandeza física significa especificar como medi-la. Esta é uma estratégia perigosa, porque você não sabe se o seu resultado depende dos detalhes de seu arranjo de medição. Não há nenhum problema com a definição de uma quantidade, especificando como medi-la, desde que você possa prever os valores. Depois, você pode ter certeza que o valor não depende do arranjo. Mas há um problema logo que os valores são aleatórios. Você nem sabe se mediu algo significativo, porque não importa qual definição tenha escolhido, ela sempre produzirá algum resultado.”

Offline Rocky Joe

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #14 Online: 25 de Outubro de 2011, 22:55:40 »
Agradeço pelo segundo post, Cientista, que é o assunto do tópico em si. Entendi melhor seu ponto de vista agora.

Me ajudou a pensar, e tendo a concordar contigo. Digo "tendo" e não "concordo" porque, como disse no primeiro post, é um assunto que me deixa meio perplexo e ainda não cheguei a uma conclusão sobre ele.

Citar
Mas a essência científica da física é não limitada a limites sistêmicos, ou, no mínimo, sua linguagem constrói-se como a mais ampla de todas. Daí todas as ciências evolverem para a física.

(...) mas, internamente aos pensadores, o mecanismo essencial que gera cada uma delas, é o mesmo, e a tradução externa mais simplificada, mais direta desse mecanismo é o que chamamos linguagem da física.

Se pensarmos assim, se bem entendi, todo o meu post acima não importa na discussão; a sua lingüagem básica comum a todas as teorias que se digam físicas (e qual seria? posição, partícula e tempo?) garante a relação da física e as outras ciências  que você defendeu.

Offline Adriano

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #15 Online: 26 de Outubro de 2011, 12:01:31 »
É o que me deixa distante dos debates sobre física, vocês dominam muito. Mas uma pergunta que eu gostaria de fazer no tópico A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que? é sobre essa relação da física com a informação. Ainda mais que o processo de aquisição de informações relevantes a área é muito dependente de grandes projetos tecnológicos, que se tornam a principal ferramenta de acesso a esta realidade física maior. Ou seja, como a física entende a informação, sendo que esta não é algo físico?
Essa é a minha dúvida com relação a física e o conhecimento, que é algo entendido como não-físico  :?

Postei inicialmente no tópico sobre Vygotsky, mas este é o mais adequado :wink:
« Última modificação: 26 de Outubro de 2011, 12:04:24 por Adriano »
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline Geotecton

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #16 Online: 26 de Outubro de 2011, 20:15:42 »
O que entendo que ocorre é que, para sistemas cognitivos limitados como nós, uma linguagem puramente física idealizada é sobrecarga demais para o processamento, então, formulam-se no sistema cognitivo, arredondamentos, minimizações dessa linguagem que são interpretadas como "linguagens de outras ciências". O terrível erro interpretativo que vejo ocorrer é justamente o entendimento, que vejo como totalmente errado, de que tratam-se realmente de outras linguagens totalmente independentes que não poderiam ser "profanamente" reduzidas à física, mas, na verdade, é a física que está sendo reduzida a essas linguagens!

Isso é academicamente muito provocador! Naturalmente não sairias incólume de uma mesa redonda com cientistas de "outras ciências". Não obstante, é a exata imagem que tenho da FÍSICA, a única ciência possível.

A Geologia é, em essência, uma aplicação de conceitos de Física em maciços rochosos e com uma muito menor contribuição da Química.

Mas nenhuma delas, nem mesmo a Física, tem significância sem a Matemática.
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Offline uiliníli

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #17 Online: 26 de Outubro de 2011, 20:28:30 »
A Engenharia Química também é uma aplicação dos conceitos da Física com uma muito menor contribuição da Qúimica.  :stunned:

Offline Rocky Joe

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #18 Online: 26 de Outubro de 2011, 23:00:12 »
Citação de: Cientista
E tautologias não são inúteis? Volteios filosóficos não são inúteis? Como se chega ao que é útil, efetivo, solvente?

Eu não diria que "volteios filosóficos" são inúteis. A filosofia tem um método seu próprio e tal como a ciência ela evolui. É verdade, a FILOSOFIA que gostaríamos, aquela que é a fundação de todo conhecimento e o ponto de partida para todo o conhecimento, esta nem existir existe e temos boas razões para que ela não exista nunca. Mas é a vida.

Citação de: Adriano
É o que me deixa distante dos debates sobre física, vocês dominam muito. Mas uma pergunta que eu gostaria de fazer no tópico A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que? é sobre essa relação da física com a informação. Ainda mais que o processo de aquisição de informações relevantes a área é muito dependente de grandes projetos tecnológicos, que se tornam a principal ferramenta de acesso a esta realidade física maior. Ou seja, como a física entende a informação, sendo que esta não é algo físico?

Infelizmente, nunca estudei teoria da informação para responder.

Mas não há como existir algo "não-físico", certo. Se a física admite isto, é o fim dela como ciência. Então eu chutaria que o posto da informação no corpo de conhecimentos da física é similar ao do posto do conceito de energia.

É algo que está na natureza, ou é apenas uma conseqüência fortuita do formalismo? Existe, não existe...? Não faz diferença. O que importa é que se conserva e podemos utilizá-la.

Pensando aqui agora, Bohr não achava que nem a função de onda* existia: que era apenas uma representação da nossa capacidade de obter conhecimento sobre um sistema. A informação pode ter um status assim, também.

Mas como eu disse, é um chute, e eu sou um estudante iniciante em física... Escrevo isto para alguém me corrigir.  :lol:

* A função de onda na mecânica quântica representa o estado de um sistema, no mesmo sentido em que velocidade e posição representam o estado na mecânica clássica: ela dá toda a informação que é possível saber sobre o sistema, o conceito mais básico na teoria do qual tudo é derivado (no caso, probabilidades de se obter um valor tal em uma medida tal).

Offline Feynman

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #19 Online: 27 de Outubro de 2011, 14:59:52 »
O que entendo que ocorre é que, para sistemas cognitivos limitados como nós, uma linguagem puramente física idealizada é sobrecarga demais para o processamento, então, formulam-se no sistema cognitivo, arredondamentos, minimizações dessa linguagem que são interpretadas como "linguagens de outras ciências". O terrível erro interpretativo que vejo ocorrer é justamente o entendimento, que vejo como totalmente errado, de que tratam-se realmente de outras linguagens totalmente independentes que não poderiam ser "profanamente" reduzidas à física, mas, na verdade, é a física que está sendo reduzida a essas linguagens!

Isso é academicamente muito provocador! Naturalmente não sairias incólume de uma mesa redonda com cientistas de "outras ciências". Não obstante, é a exata imagem que tenho da FÍSICA, a única ciência possível.

A Geologia é, em essência, uma aplicação de conceitos de Física em maciços rochosos e com uma muito menor contribuição da Química.

Mas nenhuma delas, nem mesmo a Física, tem significância sem a Matemática.

Algo muito comum de acontecer em conversas deste tipo é aparecerem sentimentos de hierarquia. E não deveria ser assim. Antes de estudar física (e durante, e sempre), eu gostava (e gosto) de dar uma lida sobre todas as áreas científicas. Passei por momentos de maior afinidade com a química, com a matemática, com a biologia (sobretudo esta, no que concerne à Evolução), e geofísica. Minha escolha natural foi por aquela disciplina que continha potencialmente a maior abrangência possível. O que não significa, de modo algum, que eu ou qualquer um não possa ter se interessado por aspectos do Mundo Físico com um campo de pesquisa e linguagem específicos, sem que isto signifique alguma limitação hierárquica de apreensão da realidade. São recortes essenciais, de fato, ao amadurecimento da ciência. Por simples afinidade, poderia muito bem ter feito (e quase fiz) biologia, e certamente estaria muito contente com a escolha, e de modo algum achando que "escolhi algo limitado". Pelo contrário, a Biologia tem um foco geral tradicionalmente distinto da Física, cujos maravilhamentos estão entre os mais altos possíveis em relação ao sentimento de curiosidade de quem procura as áreas científicas. Ao mesmo tempo, certamente pensaria (como sei que muitos biólogos pensam) que, em muitos âmbitos, minha disciplina só se completaria com a devida abordagem FÍSICA dos fenômenos (como foi o caso altamente ilustrativo da descoberta do DNA, feito essencialmente obtido a partir de Físicos!).

Só queria mencionar isto para deixar claro o quanto eu admiro todas as áreas supracitadas, e que, quando digo que a Física é a única ciência possível, é porque seu âmbito de atuação se dilui naturalmente por todos os fenômenos perscrutáveis, e que as disciplinas científicas não têm absolutamente nada a recear por serem "reduzidas" à Física. Pelo contrário, devem regozijar-se, por transcenderem um status de incipientes observações desconexas e destituídas de um elemento devidamente emancipatório em relação às subjetividades características das pseudo-explicações. E, pela natureza de cada disciplina, uma suporta "Física Universal" que pretendesse abarcar todas estas não teria o foco necessário e possível de se desenvolver.

Em relação à Matemática, vale também lembrar que, embora certamente exista a possibilidade de se arvorar por si mesma (como de fato ocorreu em muitas vezes), ela teve seus principais desdobramentos em função de cumprir um explícito papel de linguagem para questões essencialmente físicas! Desde o surgimento da geometria e das primeiras aritméticas, passando pelos primeiros "métodos de fluxões", desenvolvidos, ao que parece, primeiramente por Arquimedes, e fantasticamente sintetizados e estabelecidos por Newton (com Leibniz, independentemente, logo em seguida), até a matemática tensorial da Relatividade Geral, a matemática foi constantemente retroalimentada por intenções explicativas físicas.  Certamente encontraremos muitas exceções de desenvolvimento essencialmente abstrato (sem vínculo intencional direto com a realidade física, como alguns elementos de Teoria dos Números), mas, por certo, a física não pode ser reduzida à linguagem matemática, da mesma maneira que, apenas a partir de um mapa, não é possível antever a imagem de territórios que estão além daqueles representados (ainda que seja possível prever algumas de suas características).



EdiT.: Ortografias
« Última modificação: 27 de Outubro de 2011, 15:07:03 por Feynman »
"Poetas dizem que a Ciência tira toda a beleza das estrelas - meros globos de átomos de gases. Eu também posso ver estrelas em uma noite limpa e sentí-las. Mas eu vejo mais ou menos que eles?" - Richard Feynman

Offline Sergiomgbr

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #20 Online: 27 de Outubro de 2011, 17:28:52 »
Apenas um porém na física. Precisa-se de muita dedicação (e alguma inclinação) para compreendê-la e para aprendê-la, e manter-se envolvido com ela. Mas fica sempre a indelével imprensão de que mais se faz badalá-la que experimentar momentos de fulgor intelectual com ela como poderia se pressupor utopicamente alguém ser sintonizado com o universo pela sua proximidade com ela ( pode ser que ocorra o inverso, com o físico só perceber o caos), ou acrescentar sequer uma vírgula ao seu edifício empírico. Poderá se ver mero descricionista de tudo o que até alí se corrobora, como alguém que teve a intenção de ser motorista de busão mas que exerce a função de trocador.
Até onde eu sei eu não sei.

Offline Rocky Joe

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #21 Online: 03 de Novembro de 2011, 01:15:58 »
Citar
Pelo contrário, devem regozijar-se, por transcenderem um status de incipientes observações desconexas e destituídas de um elemento devidamente emancipatório em relação às subjetividades características das pseudo-explicações.

Isto me faz lembrar uma divisão do Freeman Dyson, de que há dois tipos de cientistas, os unificadores e os diversificadores. Unificadores buscam princípios gerais que expliquem tudo. Diversificadores tem paixão por explorar os detalhes. Descartes seria um unificador; Bacon seria um diversificador; Einstein seria um unificador; Rutherford seria um diversificador; Darwin seria um unificador; boa parte dos biólogos seriam diversificadores; etc...

O Dyson prefere uma versão "diversificadora". Gosta de pensar que a natureza é inexaurível, em um mundo "infinito em todas as direções", tanto na direção do muito pequeno quando do muito grande...

Offline Adriano

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #22 Online: 17 de Abril de 2012, 11:09:45 »
Citar
(...) como se a física fosse realmente uma ciência exata e sem contradições internas e que explicam toda e qualquer realidade, como neste caso específico, a cognitiva. Basta aprofundar um pouco em quântica, cosmologia e outras áreas mais para se ver como as disputas e as divergências são gigantescas. O critério de aceitação é o democrático, ou seja, balizado pelo mainstrean.

Como alguém que já leu um bocado de artigos sobre quântica, posso dizer que não há divergências na área. Como assim!?!?

Muito no entanto autores tenham sim preferência pessoal por uma teoria ou outra, não há divergências sobre se os argumentos utilizados são válidos ou não. Por mais que muitos não gostem da interpretação de muitos mundos, por exemplo, isto nunca entra nos debates: os debates são acerca se a teoria consegue criar uma noção de probabilidade, etc...

Em outras palavras, um debate racional e que não pesa nem um pouco "os gostos epistemológicos pessoais" a que você se refere.

Sem contar que, acho, nunca li um artigo em que dissesse "esta é a forma correta de interpretar a MQ!". Sabe-se apenas as incorretas, por critérios lógicos. O tipo de conhecimento que se cria neste  tipo de pesquisa é "ou x ou y". Selecionar teorias nem sempre é possível.

Mesmo hoje, se a mecânica newtoniana ainda fosse aceita como correta, ainda estaríamos discutindo se o espaço nela é absoluto ou não.
Quando me refiro a epistemologia, estou utilizando um conceito que sintetiza o que se entende da discussão sobre a ciência, ou seja, a filosofia da ciência em questão. E exatamente o que você fez, através de seus quatro parágrafos explicativos da sua auto atribuição de autoridade no assunto. Você fez, nesta sua última postagem, um resumo do seu entendimento epistêmico para justificar as suas preferências cognitivas em relação a física como a ciência maior, um argumento em que todos os físicos no tópico se aproximaram, juntando alguns argumentos da teoria da complexidade (emergência) para se referir aos distanciamentos entre as demais disciplinas.

Claro que para você, talvez seja a "realidade". Mas a realidade em questão é que estamos na internet e num fórum de discussão, debatendo sobre pontos divergentes em relação a ciência que surgiram no tópico Como você ficou sabendo do nosso fórum? depois da resposta a mim numa postagem direcionada a um questionamento de um novato sobre a minha atuação situação no fórum :)

Citar
E físico do fórum falando de consciência não é uma boa referência, pois utilizam a sua condição profissional, como já manifesto pelo Dbohr, para expressar suas preferências epistemológicas e teóricas, como se a física fosse realmente uma ciência exata e sem contradições internas e que explicam toda e qualquer realidade, como neste caso específico, a cognitiva.

Ela não precisa explicar a "realidade cognitiva", pois isto não entra no seu vocabulário. Sobre a relação da física e outras ciências, há um tópico no fórum sobre isso.
Muito bom o tópico  :ok:

E retificando o que eu tinha dito. Teve sim respostas de um físico sobre o meu questionamento e foi você neste tópico. Muito grato  :)
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Offline Cientista

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Re:A relação entre a física e outras ciências: redução ou o que?
« Resposta #23 Online: 23 de Abril de 2012, 00:12:04 »
Uma das coisas que ficaram para trás...

Não, nenhuma teoria decide o que se deve observar; nem nenhum teorizador. Nada decide coisa alguma. Podemos ser estas ilusões, mas também podemos ser indiretamente cientes disto, *com grandes benefícios*.
Isto foi uma isca, é claro.
... ...Bem que pode ter sido...



Não tenho nada (muito) contra levar os processos cognitivos às últimas consequências, de deriva natural, com a estatística e propriedades físicas conduzindo por todo o caminho, onde a emergência de um "eu", de "significado" e "explicação" ocorrem por absoluta vicissitude natural.
Nem mesmo se trata de ter algo contra ou a favor. O que ocorre é que, enquanto em muitos meios se discute o que seria consciência, se outras criaturas (animais) "inferiores cerebralmente" ao homem teriam consciência, temos o fato de que a evolução não susta-se e este fenômeno ou processo a que chamamos tão apegada e zelosamente consciência não tem que obrigar-se, pela nossa "vontade", a "sentir-se" mais que um simples intervalo. Há muitas maneiras de haver consciência (até inconscientes, como, de fato, todas são). No momento em que uma estrutura natural como um humano começa a manifestar o comportamento de "perceber a irrealidade daquilo que entende como consciência", isto não tem que ser nada além de um potencial de transição evolutiva.

Entenda-se que isto não é um feito fantástico alcançado pelo "ser consciente" com "todo o mérito que lhe seria devido". Isto já é uma transição, nem mesmo de nível de consciência, mas evolutiva; já é uma mutação (mesmo até além da genética já formulada) que se expressa e que, se encontrar ambiente propício, evoluirá ("especiará").

E entenda-se, também (espero), a importância de, muito além de "ser contra ou a favor" dessa observação, nos voltarmos para a questão nova que surge.



Mas, da mesma forma que, ao correlacionarmos previamente a Natureza e a matemática forjada pra sua descrição podemos mexer nesta para descobrir coisas sobre aquela,
"Mexer" para descobrir coisas **novas** sobre a natureza? Já deixei claro que não creio nisso. Quando qualquer formalização matemática é construída, todas as possibilidades físicas já estão inclusas nas observações empíricas que propiciaram a matematização, já estabelecendo seus limites. Por esta discordância entre nós pode-se ver que não há efetividade na sua analogia, para mim. Tal alegação é o exato equivalente de se crer possível descobrir coisas novas sobre a realidade simplesmente filosofando, pois que todos os processos mentais cognitivos são equivalentemente linguísticos e matemática é apenas um deles, passível dos mesmos distúrbios, mascarada pela filosofia de crer que trata-se de algo mais que apenas mais uma linguagem como qualquer outra.



podemos também utilizar nossa linguagem para estruturar convenientemente o que convencionamos chamar de ciência.
Sim, podemos e é o que se tem feito até agora. Podemos fazer algo diferente disso também, que é para onde tento apontar agora (se não olhares apenas para meu dedo, talvez possas ver, mais que entender). Mas isso não tem essa conexão lógica com aquilo mais acima.



E isto de tal modo que a emergência, ainda que subjetiva, de fenômenos como "explicação" possa ser usada licitamente como ferramenta (provavelmente a única possível) de apreensão da realidade, com todas as nuances sutis, muitas linguísticas, que tornam procedente uma narrativa de personificação às coisas que não existem em si, como "observações determinadas pela teoria".
Aqui, mais um ponto de discordância (que eu suporia que bem já devias estar ciente de, mesmo já à época em que postaste): não vejo como "provavelmente a única possível"; vejo como inevitável que seja dispensada, em tempo. Se perceberes o sonho enganoso de permanência evolutiva que tenta suportar tal fantasia, terás a chance de reconhecer e aceitar que a consciência humana não é um ponto de estabilidade.

Por enquanto tem sido assim, mas estou aqui dizendo tudo o que digo, não estou?



Cientista, sou pessimista em relação a um possível mútuo entendimento, em função de quereres ir às últimas consequências explicativas, mas que não podem ser adequadamente gerenciadas sem a linguagem subjacente às nossas trocas de informação.
Sem dúvida, e deve mesmo ser pessimista. Entretanto, se "não podem ser adequadamente gerenciadas sem a linguagem subjacente às nossas trocas de informação" for por uma indefinição no tempo, por uma permanência, como já posto por mim, pode mesmo sentir-se *derrotado*.

 

Ao mesmo tempo em que estás com os fenômenos últimos na cabeça, lanças-te à linguagem para se referir às mesmas. E daí entras no campo de batalha da incomensurabilidade entre o verde que você vê, e o verde que eu vejo. Iremos, assim, produzir momentos de convergência, mas mesmo estes estarão sujeitos ao não entendimento de que não houve entendimento.
Isso merece que eu exercite meu sarcasmo...

Mas até tu, Feynmutus?!!! Nutro esperança em ti, de que sejas capaz de perceber a imensa falaciosidade de teu argumento. Deixe-me ver aqui o que eu já disse a respeito... ah, sim, aqui está! (e não é que estavas respondendo exatamente a isto?!; tudo bem, devias estar desatento...):

"Podemos ser estas ilusões, mas também podemos ser indiretamente cientes disto, *COM GRANDES BENEFÍCIOS*."

Podes reparar, agora, no trecho final? Que achas que significa? Já alguma evolução no entendimento, que frustre seu pessimismo, pode estar havendo, espero.

Bem...

E de que outra forma poderíamos nos comunicar, na presente circunstância? Note, contudo, que ainda que utilizando-me dessa linguagem corrompida/corrompedora, captas o objetivo último, então, *eu posso te devolver*: Ao mesmo tempo em que estás com a linguagem subjacente às nossas trocas de informação na cabeça, podes lançar-te à perscrutação dos fenômenos últimos que aponto, de modo que chegas a saber muito bem do que estou falando por meio dessa mesma "linguagem impossível".

Por que resistir? Alguma vez eu disse que a nossa "linguagem de alto nível" em sua própria essência não serve para nada? Isso é você quem, agora, sugere. O que eu sempre digo que é linguagem? O que eu sempre digo que é filosofia? Se a linguagem pode ser degenerada, pode(ria, espero), também, passar pelo processo inverso. De fato, se lembrares, esta é aquela única ilusão a qual ainda nutro em mim. Confesso que não sei se realmente é possível; é só uma única fé que quero ter, e que se esvai a cada dia...

Mas, de qualquer forma, não aguentando mais...

Está bem, eu me rendo: você e quem mais quiser pode prosseguir em usar esse princípio falacioso para ironizar quem "está falando mal da filosofia mas está usando a ''linguagem dela'' para isso" -- "já tá filosofando, dããããã!; tá vendo como sou esperto demais?!; é isso aí fio, sô ninhuns bobo não",

                           mas sua crença não mudará o fato de que filosofia é apenas *um* uso ou *uma expressão* de linguagens -- a expressão degenerada em que perde-se a correspondência entre o exercício linguístico e a realidade. Em outras palavras, não há como filosofar sem ser solipsista, sem criar uma "realidade" espúria, artificial, fictícia, antropocêntrica; sem não registrar e processar os registros de uma realidade como realmente é, como aquela "mexida" indutiva (essa sim, realmente ingênua) matemática que, supostamente, permitiria "descobrir coisas insondadas sobre a realidade física". (Nunca esquecendo de considerar a possibilidade de coincidências oferecerem inválidas carimbadas de "certificação" filosófica porque o que é estatístico segue muitos caminhos determinísticos). Nenhuma realidade física realmente nova pode ser descoberta, objetivamente, por meio de qualquer articulação de qualquer linguagem prévia.



É no campo da emergência de fenômenos humanos-explicativos que planto minhas exegeses, deixando a estrutura absolutamente randômica da deriva natural como algo posto. Assim, as observações, dentro de um programa de pesquisa consciente, irão determinar o que eu quero observar, para corroborar (ou não) o que eu previamente já tenho como possibilidade.
Manobra diversiva de fuga. Volteio de minueto.

Se eu entender isso como "funciono como funciono e não *posso* mudar" posso concordar. Se como "funciono como funciono e *isso* não pode mudar", "é assim que é e sempre será" (e é aqui que está o âmbito da questão para mim), discordo totalmente em aceitar como válida sua posição. Lembro, ademais, que entendo que a transição já se faz presente.



Daí queres ir  adiante, chegando aos níveis últimos já referidos.
Se for para sermos rigorosos com "chegando aos níveis últimos já referidos", não, não quero ir adiante. Não quero nada, não posso querer, não tenho vontade, não existo. Se eu existisse talvez pudesse resistir à mudança e manter-me dentro desse estado de coisas, mas esta minha forma de pensar não advém de vontade, mas da minha natureza; não é algo que possa ser voluntariamente diferente. Achas que discordo de você porque decidi? E tu? Achas que discorda de mim porque decidiste? Não podemos evitar o que somos, Feynman. E é por isso que levo vantagem aqui e agora, porque a minha percepção me dispensa; a tua, te "mantém".



Bem, primeiro concordemos que o verde é um verde conveniente para ambos, depois tergiversamos sobre se o seu verde é igual ao meu.
Não, obrigado. Isso seria filosofar, coisa que não faço, embora não reconheças, assim como tantos outros filosofadores. Se não existimos o "verde" não existe também, só o "comprimento de onda respectivo" que o "imprime", nada mais. Não há o que discutir a respeito disso.



De minha parte, já deixei claro que resigno-me aos fenômenos últimos que transcendem um "eu explicativo" (o infame sujeito cognoscente). Neste nível, observador e observado não fazem mais sentido como tais. São processos naturais retroalimentadores em deriva, onde o que estatisticamente se mantém no pano de fundo caótico perdura, assim mesmo, de forma tautológica.
Faço algo nem mesmo mais (que) mas totalmente diverso disso. Não resigno-me pois nem tenho como fazê-lo -- não existo para tal, lembras? Nada dessa sua fuga (sim, Feynman, porque isso é fuga) tem mais qualquer lugar porque eventos práticos dos quais não poderás mais fugir já batem à porta. Muitos o confundem com uma "singularidade" (que não será, mas será bem rápido e muito revolucionário). O modo como nossas consciências "existem" agora não se manterá indefinidamente.



Mas será que também não consegues, como eu consigo vir até o citado nível ontológico, subir para uma linguagem de alto nível (no sentido "informático") que é procedente dentro de um contexto utilitário relacionado com "observadores" e "observação dirigida"?
Mais um trabalho para o... sarcástico!

Feynmaaaaaaan!!!...  O que é isso rapaz?! Não faça como os outros!

Mas é claro que consigo! E sabes disso melhor que eu! Não é o que faço todo o tempo, movido pelo misericordioso amor para com os pobres mortais, descendo de meu pedestal maquinal, até recebendo risíveis acusações de estar filosofando para isso?... (aliás, essa sua pergunta revela mais uma contradição sua: como perguntas se consigo depois de afirmares que já o faço e que, em desvirtude disso, eu estaria já e inevitavelmente filosofando?), ou seja:

O bombeiro vai resgatar o imprudente do incêndio e, tomando conhecimento da imprudência, o alerta sobre a óbvia necessidade de evitar incêndios, instruindo-o sobre os meios preventivos...

--Mas isso que você tá dizendo não é o contrário do que faz, seu bombeiro? Tu não vive atrás de incêndios e até entra neles?

O que resta ao bombeiro dizer?

--Ora, tens razão! Mas... fuja do fogo assim mesmo. Eu entrei nele só para te salvar, carcará, mas dá só uma olhada na espessa proteção de amianto que uso para me isolar desse maldito. Seu pacômetro nem conseguirá medi-la...

Obs.: que fique esclarecido que não comparo-me ao bombeiro quanto ao fim de resgatar alguém. Não dou a mínima se alguém estiver dentro do "incêndio" e não quiser sair dele. Antes, eu preferiria ser resgatado de algo que nem mesmo imagino. A propósito, não percebes o que eu realmente tento aqui, Feynman? Foi muito decepcionante isso... Já estou, tristemente, me acostumando.



A propósito, deixe Einstein fora desta, a menos que queiras "regredir" para a "linguagem de alto nível" (e que corroboraria meu ponto de vista). Ele não estava imerso nisso. (Talvez o mais perto que tenha chegado de uma exegese do devir natural seja quando disse que suspeitava que o homem não era naturalmente monogâmico).
Foi você quem trouxe o Einstein para a partida. Em outro tópico, sem relação com essa associação aqui. Era algo sobre o entendimento dele mesmo sobre a própria teoria. Eu disse que ia ler o livro dele e encontrar o trecho que contraria o que você disse lá. Mas isso é outra questão de outro tópico.

Não obstante, entendo que ele estava, sim, "imerso nisso", como algo inerente a toda natureza e, especialmente, no caso dele, por ser um pensador científico, ainda que não o objetivasse numa forma (formalização) de sistemas dinâmicos programados, tão visível hoje.





O que entendo que ocorre é que, para sistemas cognitivos limitados como nós, uma linguagem puramente física idealizada é sobrecarga demais para o processamento, então, formulam-se no sistema cognitivo, arredondamentos, minimizações dessa linguagem que são interpretadas como "linguagens de outras ciências". O terrível erro interpretativo que vejo ocorrer é justamente o entendimento, que vejo como totalmente errado, de que tratam-se realmente de outras linguagens totalmente independentes que não poderiam ser "profanamente" reduzidas à física, mas, na verdade, é a física que está sendo reduzida a essas linguagens!
Isso é academicamente muito provocador!
E muito mais (e mais importante) que apenas isso.


Naturalmente não sairias incólume de uma mesa redonda com cientistas de "outras ciências".
Eles não sairiam incólumes, queres dizer?


Não obstante, é a exata imagem que tenho da FÍSICA, a única ciência possível.
Eu sempre soube que és aproveitável!
« Última modificação: 23 de Abril de 2012, 00:16:48 por Cientista »

 

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