Eu acho que as cotas foram criadas não tanto por serem imediatistas, mas por "desobrigarem" o governo de melhorar o ensino público.
O único momento onde a precariedade do ensino público fica bastante visível e incomoda o povo é quando concorre com o ensino particular na disputa pelas vagas nas universidades, e foi exatamente aí que o governo mexeu para "contornar" o problema.
Não sei. Acho que há outros pontos a serem levados em consideração. A criação das cotas evidentemente incomodou muita gente, seja por princípios seja por causar um prejuízo direto (o não ingresso numa universidade pública), justo aqueles cujo poder aquisitivo sempre os manteve à salvo das implicações da péssima qualidade do ensino público. Entre essas pessoas, ecoa com muito mais força atualmente o clamor por melhorias no ensino público básico. A coisa passou de algo que antes apenas se "lamentava", a uma ameaça muito mais direta, que possa vir a afetar a formação, e por consequência as opções de emprego e status social. No popular, a água bateu na bunda.
Apesar da imprecisão nesse tipo de divisão, creio ser razoável que essa parcela da população que se opõe hoje às cotas pertence, no mínimo, à chamada classe média
sofre(Claro, com exceções). Essa tal classe, que a depender do viés político do observador, é, ou o motor do país, ou apenas preocupada com seus direitos históricos, me parece* ser, na média e até pelas condições materiais e de formação, bem mais politizada e atuante que aqueles que seriam hoje beneficiados pelas cotas**. Talvez a implementação de cotas tenha unificado, na defesa de melhorias no ensino público, tanto
abastados que sempre se viram em melhores condições para o ingresso nas universidades públicas, quanto a parcela da população que nunca teve outra opção além do péssimo ensino público, e sempre esteve afastada destas. Eu sinceramente não atribuo pouco peso político aos primeiros. Não apenas pelo fator número (e, diz-se que a classe média está inchando afinal), mas pelo potencial de influência, pra usar uma expressão que não gosto muito, os tais "formadores de opinião".
ps: parece-me perversa a lógica que, para a população pobre, uma vez criadas cotas, "está tudo bem". Quer dizer, claro que consideram um progresso em oposição à época em que as chances desses ingressarem em universidades eram quase nulas, mas há a percepção que a melhoria do ensino básico gratuito é o ideal. Escola de qualidade para todos, sem distinção de classes.
* Boa parte da direita creio pensar assim também, e aliás, põe a culpa de muitas de nossas mazelas no abstrato
brasileiro médio que se distancia da política.
** estou ignorando a questão dos negros ricos beneficiados por cotas, porque a regra geral hoje das cotas é que se use um critério sócio-econômico
somado ao racial. A cota apenas racial é exceção.