Existem duas teorias de inflação influentes no meio acadêmico: a monetarista e a pós-keynesiana. Eu suponho que as demais são variações dessas duas correntes principais, mas não tenho certeza quanto a isso. De qualquer forma, vamos ao seguinte esclarecimento...
Na teoria monetarista, a quantidade de moeda em circulação é definida como o agregado monetário restrito: M1 = M; M portanto é uma variável exógena, determinada pelo governo; o modelo supõe perfeito controle do governo sobre essa variável (suposição convencional de oferta de moeda exógena).
Outras vertentes do pensamento econômico não aceitam esta suposição; trabalham com a ideia de que o governo, mesmo que queira, não consegue realizar um controle estrito da oferta de moeda, que seria determinada pelo funcionamento da economia privada. M seria endógena, e não exógena.
Na teoria monetarista padrão, é impossível a existência de um processo inflacionário sustentado sem uma emissão monetária contínua (não importa qual choque de oferta haja). A inflação é sempre, e em toda parte, um fenômeno monetário decorrente da emissão contínua e excessiva de moeda por parte dos governos.
Por outro lado, se existe um nome sob o qual seja possível unificar as causas da inflação nas várias visões heterodoxas, é o chamado “conflito distributivo”:
Tentativa das diversas classes de agentes econômicos em ampliar suas respectivas participações na renda nacional (PIB) em detrimento das demais, mediante manipulação: das margens de lucro (capitalistas), salários (trabalhadores), juros (rentistas), alíquotas tributárias (governos de diferentes níveis federativos), taxas de câmbio, etc.
O conflito distributivo é um fato permanente na economia capitalista, e nem sempre gera consequências inflacionárias. Mas toda vez que a soma das taxas de crescimento desejadas de cada um desses vários componentes superar a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, haverá uma inconsistência distributiva que se manifestará sob a forma de inflação. Trata-se da “inflação por conflito” (distributivo).
Contudo, isto também não quer dizer que na teoria heterodoxa a inflação não seja TAMBÉM (mas não apenas) um fenômeno monetário (não necessariamente desencadeado apenas pelo governo).
Um primeiro questionamento heterodoxo à visão ortodoxa da moeda como causa única da inflação diz respeito ao agregado monetário mais adequado para ser associado ao processo inflacionário, posto que a moeda é um conceito difícil de definir com precisão.
A visão convencional associa o processo inflacionário à criação da moeda pelo governo; enfatiza, portanto, a emissão de agregados monetários sob maior controle governamental*. Tais agregados poderiam ser controlados com mais facilidade pelos instrumentos tradicionais de política monetária disponíveis ao governo. Neste caso, se houver inflação, portanto, a responsabilidade pela sua existência costuma ser atribuída exclusivamente ao governo.
A visão heterodoxa associa o processo inflacionário à geração de liquidez (conceito mais amplo), e não necessariamente apenas de moeda; a moeda é apenas um pólo extremo em um gradiente de ativos de maior ou menor liquidez.
Consequentemente, enfatiza o respaldo ao processo inflacionário gerado pelo aumento de agregados monetários cuja criação é resultante de decisões de agentes privados, estando portanto mais distantes do controle dos instrumentos mais tradicionais da política monetária governamental.
Portanto, a sanção monetária da inflação é muitas vezes originária do próprio setor privado, e não do governo.
A criação de liquidez por parte do sistema bancário pode, dentro de amplos limites, sustentar um processo inflacionário iniciado em outros setores da economia.
* Nota: Em princípio, se poderia dizer que a teoria ortodoxa define moeda de acordo com agregados monetários mais restritos, mais controláveis pelo governo, enquanto a heterodoxa segue o procedimento oposto. Contudo, recentemente o BACEN redefiniu os agregados monetários por um critério que, ao invés do grau crescente de liquidez, concentra-se nos sistemas emissores: M1: papel-moeda em poder do público + depósitos à vista; M2 = M1 + depósitos especiais remunerados + títulos emitidos por instituições depositárias; M3 = M2 + quotas de renda fixa + operações compromissadas registradas no Selic; M4 = M3 + títulos públicos de alta liquidez.