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Mesmo sendo um dos produtos culturais mais consumidos (certamente é a forma de ficção mais consumida) num país com índices ainda alarmantes de analfabetismo e analfabetismo funcional; onde a educação formal de qualidade ainda é uma meta a ser alcançada; em que a ampla maioria da população não tem acesso às artes vivas nem a exposições de artes plásticas; e com poucos leitores de livros mesmo entre aqueles que estão no – ou concluíram o – ensino superior, a telenovela ainda é alvo do desprezo de parte expressiva da intelectualidade brasileira de esquerda (e, por extensão, alvo do desprezo ou do desinteresse de muitos políticos e lideranças de movimentos sociais orientados ou influenciados por essa parte da intelectualidade de esquerda). Alheios – voluntariamente ou não – às novas teorias sobre a comunicação de massa e ao conhecimento produzido pelos chamados estudos culturais, esses muitos políticos e lideranças acabam por descartar algo que é essencial ao entendimento da mentalidade do povo brasileiro e seus desdobramentos políticos e à disputa pela (re)construção dessa mentalidade: a telenovela. Esse desprezo tem, é preciso dizer, uma genealogia: ele é fruto da crítica marxista que os teóricos da Escola de Frankfurt – mais notadamente Adorno e Horkheimer – fizeram ao que chamaram de indústria cultural, ou seja, a conversão da cultura em mercadoria e o processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, impulsionados sobretudo pelo advento dos meios de comunicação de massa (o rádio, o cinema e a TV).
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Basta assistir a um só filme soviético ou da Europa Oriental entre o início dos anos 50 e o final dos anos 80 que fica muito claro o cultivo do antagonismo (ódio em alguns casos) entre as 'classes sociais' (e que mais tarde resultou em uma classe mais exploradora e muito mais hipócrita - a nomenklatura) e todo desprezo com que eles tratavam os homossexuais.
Então seria ótimo que os intelectuais de esquerda olhassem um pouco para o próprio 'umbigo'.
Na verdade, me parece que o que você está chamando de esquerda na verdade é ultra-esquerda. E essa questão vai inclusive um pouco além disso que você disse. Inclusive dentro do próprio capitalismo, a ultra-esquerda (incluindo os comunistas ortodoxos e os maoistas nisso) era contra os homossexuais, julgando que eles eram doentes. E quanto ao centro-esquerda, era indiferente a essa questão. As associações médicas dos EUA tiraram a homossexualidade de sua lista de doenças já em 1973 enquanto na Europa ocidental que é mais de centro-esquerda do que os EUA isso só aconteceu mais tarde. E no caso da França, Portugal, Grécia e da Finlândia , nas décadas de 1970 e 1980 inclusive havia muita influencia de partidos de ultra-esquerda (incluindo o PCF como ultra-esquerda). (Já no caso da Itália dessa época, o PCI dessa época já era meio social-democratizado, nesse caso sim, que talvez não fosse de ultra-esquerda, no entanto havia grupos fora do PCF que eram de ultraesquerda, inclusive os terroristas de ultra-esquerda das décadas de 1970 e 1980 na Itália, mataram mais do que o fascismo italiano havia matado, aliais, fascismo italiano que foi bem light, segundo Anna Harendt, em "A origem do totalitarismo" o fascismo italiano matou a menos de 100 italianos em tempo de paz (é isso mesmo, menos de 100, não está faltando nenhum zero).
E além disso, dentro do próprio capitalismo, escritores como o Jorge Amado da primeira fase e filmes, também incentivavam enormemente o preconceito de classes, a demonização dos ricos de da classe média alta, e a justificação dos crimes contra ela, com uma visão idealizada e romântica dos criminosos violentos (e que inclusive foi prejudicial aos próprios pobres, por os que faziam esses livros e filmes, não percebiam que os pobres são tão ou mais vitimas dos criminosos violentos do que os ricos e a classe média alta).
Até mesmos algumas telenovelas da década de 1970 já eram assim e essa proporção aumentou na de 1980 e 1990 e nesse caso por influencia de intelectuais de ultra-esquerda e da parte mais excêntrica do centro-esquerda, e mesmo influencia de alguns intelectuais de centro-esquerda. Foi só na década de 2001-2010, com o aumento da criminalidade violenta, incentivado por esse tipo de dramaturgia, e por pregações ao vivo feitas por CEBs e por ONGs com muita influencia de ultra-esquerda nas favelas o nos bairros pobres, é que a dramaturgia do auto-visual, parou com essas idealizações dos criminosos violentos. (e no caso dos filmes, já era assim desde a década de 1950 e nos livros desde a década de 1930, inclusive a fase mais desse tipo do Jorge Amado foi entre a década de 1930 e a primeira metade da década de 1950).
E inclusive no caso da idealização dos criminosos violentos, foram os seguidores de Marcusi e Adorno os que mais fizeram isso. O pensamento de Marcusi e Adorno também é de ultra-esquerda.