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Mesmo sendo um dos produtos culturais mais consumidos (certamente é a forma de ficção mais consumida) num país com índices ainda alarmantes de analfabetismo e analfabetismo funcional; onde a educação formal de qualidade ainda é uma meta a ser alcançada; em que a ampla maioria da população não tem acesso às artes vivas nem a exposições de artes plásticas; e com poucos leitores de livros mesmo entre aqueles que estão no – ou concluíram o – ensino superior, a telenovela ainda é alvo do desprezo de parte expressiva da intelectualidade brasileira de esquerda (e, por extensão, alvo do desprezo ou do desinteresse de muitos políticos e lideranças de movimentos sociais orientados ou influenciados por essa parte da intelectualidade de esquerda). Alheios – voluntariamente ou não – às novas teorias sobre a comunicação de massa e ao conhecimento produzido pelos chamados estudos culturais, esses muitos políticos e lideranças acabam por descartar algo que é essencial ao entendimento da mentalidade do povo brasileiro e seus desdobramentos políticos e à disputa pela (re)construção dessa mentalidade: a telenovela. Esse desprezo tem, é preciso dizer, uma genealogia: ele é fruto da crítica marxista que os teóricos da Escola de Frankfurt – mais notadamente Adorno e Horkheimer – fizeram ao que chamaram de indústria cultural, ou seja, a conversão da cultura em mercadoria e o processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, impulsionados sobretudo pelo advento dos meios de comunicação de massa (o rádio, o cinema e a TV).
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Basta assistir a um só filme soviético ou da Europa Oriental entre o início dos anos 50 e o final dos anos 80 que fica muito claro o cultivo do antagonismo (ódio em alguns casos) entre as 'classes sociais' (e que mais tarde resultou em uma classe mais exploradora e muito mais hipócrita - a nomenklatura) e todo desprezo com que eles tratavam os homossexuais.
Então seria ótimo que os intelectuais de esquerda olhassem um pouco para o próprio 'umbigo'.
Não sei se entendi direito a relação que você faz entre a critica do Jean Wyllis à Escola de Frankfurt e os filmes soviéticos...
Um comentário: embora dispares a estética do realismo socialista soviético e a critica de Adorno á cultura de massas compartilham uma visão das pessoas comuns , a massa trabalhadora, como inculta e necessitando de ser "educada".
No realismo socialista é realizado um "rebaixamento" estilístico e estético das obras: os personagens são basicamente unidimensionais , personagens-tipo ( o operário , o camponês , o burguês...) , as tramas são pautadas no conflito social e politico estruturado de forma maniqueísta , os personagens tem a profundidade psicológica de uma poça d'água... Tudo partindo do pressuposto de que os trabalhadores tem de ser educados com obras que estejam no mesmo nível de sofisticação que eles... Os PC's no periodo entre 130 e 1960 exerceram um patrulhamento sobre os intelectuais e artistas a eles ligados , forçando a aceitação da estética realista socialistas. Vários ( como Italo Calvino , Oswald de Andrade , Albert Camus) romperam suas ligações formais com o PC por conta disto. Aliás Oswald respondeu ás críticas comunistas de que suas obras não seriam compreendidas pelos trabalhadores dizendo " A massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico."
Já a Escola de Frankfurt , em especial Theodor Adorno , faz uma critica da massificação e divulgação generalizada das obras de arte ( reproduções baratas de quadros , discos de música clássica , adaptações de peças para TV) como representando uma queda da qualidade artística e uma regressão , motivada pela necessidade de que as obras de arte sejam palatáveis e acessíveis à massa consumidora e , em última análise , sua qualidade artística é medida pelo seu sucesso comercial.
Em um texto denominado "
O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição" Adorno logo no início , após conceder que
As queixas acerca da decadência do gosto musical são , na prática , tão antigas quanto esta experiência ambivalente que o gênero humano fez no limiar da época histórica...
dispara
O própio conceito de gosto está ultrapassado...Se perguntarmos a alguém se "gosta" de uma música de sucesso lançada no mercado , não conseguiremos furtar-nos à suspeita de que o gostar e o não gostar já não correspondam ao estado real , ainda que a pessoa interrogada se exprima em termos de gostar e não gostar. A invés do valor da própia coisa , o critério de julgamento é o fato da canção de sucesso ser conhecida de todos ; gostar de um disco de sucesso é quase exatamente o mesmo que reconhecê-lo. O comportamento valorativo tornou-se uma ficção para quem se vê cercado de mercadorias musicais padronizadas
.
Em ambos os casos a capacidade do indivíduo médio , trabalhador , da "massa" em ser capaz de juízos estéticos é sub valorizado.