Para motivar a pergunta do tópico, transcrevo uma carta escrita do Coetzee para o Auster,
tirada do blog do Sérgio Rodrigues._____________
Caro Paul,
Você parece tratar o esporte como um fato sobretudo estético, e os prazeres do espectador de esporte como prazeres sobretudo estéticos. Tenho dúvidas sobre essa abordagem, por uma série de razões. Por que o futebol é um grande negócio, enquanto o balé – cujos atrativos estéticos são certamente superiores – precisa ser subsidiado? Por que uma disputa “esportiva” entre robôs não teria interesse algum? Por que as mulheres são menos interessadas em esportes do que os homens?
O que a abordagem estética ignora é nossa necessidade de heróis, que o esporte satisfaz. Essa necessidade manifesta-se em sua forma mais passional entre garotos que são jovens o bastante para terem uma vida de florescente fantasia; suspeito que seja o resíduo dessa fantasia juvenil que impulsiona o apego dos adultos ao esporte.
Na medida em que reajo à estética do esporte, é a momentos de graça (graça: que palavra complexa!) que eu reajo, momentos ou movimentos (outra palavra interessante) que não são resultados de um planejamento racional, mas parecem cair do alto como uma espécie de bênção sobre os jogadores mortais, momentos em que tudo dá certo, tudo se encaixa, quando os espectadores nem mesmo querem aplaudir, apenas agradecer em silêncio por estarem lá como testemunhas.
No entanto, que atleta gostaria de ser parabenizado por sua graciosidade em campo? Até mulheres atletas o olhariam de cara feia. Graça, graciosidade: termos efeminados.
Quando examino meu coração e me pergunto por que, no crepúsculo dos meus dias, ainda me vejo – às vezes – disposto a gastar horas assistindo a partidas de críquete na televisão, devo dizer que, mesmo absurdamente, mesmo caprichosamente, continuo em busca de momentos de heroísmo, momentos de nobreza. Em outras palavras, a base de meu interesse é ética e não estética.
O que é absurdo, porque o esporte profissional moderno não tem interesse algum na ética: ele responde à nossa fome de heroísmo apenas com a encenação do heroico. “Pedimos pão e você nos deu pedras.”