A orientação que temos na nossa universidade quando a pessoa se declarar parda, negra ou indígena sem que possua características que a identifiquem como tal é: NÃO FAÇAM NADA! Aceitem a declaração da pessoa e deem a vaga para ela.
Até que coisas assim comecem a acontecer e alguém resolva entrar na justiça...
Claro, porque no seu conto de fadas a primeira vez que algo do tipo aconteceu foi este caso do Itamaraty.
Pois eu sinto te informar que no meu mundo real coisas deste tipo acontecem desde que as cotas foram instituídas na UERJ e na UFBA (pelo que me recordo foram as duas primeiras). Inclusive a primeria notícia que li sobre algo deste tipo foi no mesmo O Globo desta notícia aí, há cerca de 12 anos, e falava de uma loira de sobrenome judeu/alemão que tinha estudado no Colégio Militar e cujo pai era oficial das armadas e que tinha passado na cota de escola pública (que também exige que o aluno tenha renda per capita de menos de 2 salários mínimos). E como já falei outra vez, já vi casos assim pessoalmente tanto quando estudava na UERJ quanto com amigos meus que fizeram PROUNI quanto agora na UFRJ. É regra, não é novidade nem exceção.
Em direito administrativo, se há dúvida, omissão ou conflito, a interpretação deve ser benéfica ao administrado. Nesse caso, ele deve se safar se eles quiserem levar isso pra frente, já que o "ou" lá, dá a entender o que ele defende.
Ou não.
Além do mais, independente deste seu adendo já favorável a ele, há de se notar que mesmo quanto ao ponto que você não acha sólido (do ponto de vistra do texto) a posição tomada oficialmente pelos órgãos relacionados a este tipo de coisa, como o Dodo mesmo exemplificou (e acho que também pelo que tem entendido a jurisprudência) é no sentido de que realmente basta se declarar crioulo pra ser negão. Ou seja, além do "in dúbio pro fraco" dar uma vantagem pro administrado também teria que se dar uma guinada de 180º em relação a postura que o Estado tem assumido como justa, correta e perfeita nos últimos anos/décadas.
Dificilmente vão ganhar. A aprovação em vestibular não gera direito à vaga. É meramente uma expectativa de direito e os tribunais andam tratando assim.
Concordo, mas não por isso.
Acredito que a interpretação mais provável seria sim de que o vestibular gere direito a vaga e não mera expectativa, desde que aprovação dentro dos critérios estipulados pela universidade e que eles sejam legais. Ou seja: se no edital do vestibular há 20 vagas para ampla concorrência e após o exame a universidade disser que só irá suportar 10 calouros para aquele curso por falta de professores ou seja lá... creio que a justiça obrigaria o Estado a arrumar um jeito de enfiar os outros 10. Agora, quanto a isso, o sistema de cotas infelizmente é legal e isso já foi corroborado pelo STJ, então neste caso não há mesmo o que fazer.
"ampla concorrência tava menos concorrida"
Isto tem acontecido eventualmente nos vestibulares com cotas. Acontece que algumas escolas públicas sempre tiveram bons desempenhos nos vestibulares, são geralmente escolas federais frequentadas por crianças e adolescentes de classe média pra cima. No caso do Rio há umas 10 ou 20 neste grupo (CAP-UERJ, CAP-UFRJ, Fiocruz, Colégio Militar, IFRJ, CEFET-RJ...) e a qualidade de ensino destas é em geral muito melhor do que a média das escolas particulares. Acontece que em alguns cursos, sobretudo os mais concorridos, tipo medicina, para um estudante de uma escola pública típica (aquelas estaduais em que falta professor de matemática no primeiro ano e professor de português nos anos restantes) às vezes acaba sendo mais vantagem disputar as vagas para não cotistas do que as para cotistas porque nas vagas de cotistas além de o número de vagas ser menor em determinados cursos a concentração de egressos das escolas supra é muito alta e em alguns poucos cursos a nota de corte acaba ficando maior.
Não tinha cota para escola pública ou eles não quiseram?
Talvez tenha acontecido o mesmo que aconteceu comigo ano retrasado. Fiz o vestibular para Direito na UERJ na ampla concorrência, sou negro, estudei a minha vida inteira em escola pública, parte dela em supletivo, moro em favela... o típico personagem ideal da propaganda do sistema de cotas, exceto pelo fato de que minha renda per capita passava, na época da inscrição, em uns 500 reais os critérios de corte social da instituição.
FIz 68 pontos, suficientes para passar em qualquer curso exceto os 4 mais concorridos (Medicina, Direito, Jornalismo e Eng Produção), portanto bastante alto. Nota de corte para ampla concorrência em Direito: 74 pts. Nota de corte para cotistas: algo em torno de 55 pts. Nada de mais, não afetou minha vida em grandes coisas porque acabei passando em outro vestibular, não fosse pela tristeza de saber com absoluta certeza que pelo menos alguns destes cotistas que passaram com menos que 60 pts é gente muito mais branca que eu, muito menos favelada do que eu, muito menos que estudou a vida inteira em escola pública, muito menos pobretona do que eu... e que simplesmente soube usar as brechas do sistema.
Eu sonho pelo dia em que os administradores abrirão os olhos e perceberão que a única coisa que faz sentido para diminuir a desigualdade é cota social.
Já concordei com isso, mas é impossível controlar o cumprimento dos critérios de corte social, e nem é (apenas) por incompetência do Estado, é pela própria natureza dos critérios mesmo.
Como eu consigo provar a residência de alguém? Se você declarar que mora na Rua X, me apresentar uma declaração do proprietário dizendo que você mora lá mesmo, e contas de luz em seu nome... como eu provo que você mora na mansão dos seus pais? Monto tocaia no seu portão pra ver se você realmente passa as noites onde você declarou morar? E você ao menos tem obrigação de dormir toda noite onde mora?
Como eu consigo demonstrar qual é a fonte de renda de um jovem sem emprego formal? Como eu comprovo que a renda deste indivíduo é a renda dos seus pais dividida pelo número de familiares de primeiro grau? Existe alguma lei que defina isso? Que eu saiba não.
São questões, portanto, imponderáveis, mesmo que se quisesse questioná-las administrativa ou judicialmente, acho que para a maioria dos casos seria impossível.
Concordo que as cotas sociais são bonitinhas ideologicamente. Pragmaticamente elas têm os mesmos péssimos resultados das raciais.