O crescimento naval no Oceano Índico e o flanco oriental chinês
Tem havido um gradual crescimento naval à volta da China. Inclui um aumento das esquadras de submarinos da região Ásia-Pacífico. Um relatório australiano publicado pelo Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI) preveniu que está em desenvolvimento uma corrida asiática aos armamentos. Diz o relatório: “Num arco que se estende do Paquistão e Índia através do Sueste Asiático até ao Japão, está em curso uma notável modernização e expansão [militares].” [19]
Também a China foi mencionada por Bill Gertz do The Washington Times como estando “aumentando forças militares e estabelecendo bases ao longo de corredores marítimos desde o Médio Oriente a fim de projectar o seu poder marítimo e proteger o transporte de petróleo, de acordo com um relatório interno até há pouco confidencial preparado para o Secretário da Defesa Donald H. Rumsfeld.” [20]
A China lançou-se numa política naval pro-activa com vista à segurança do Mar da China Oriental, do mar da China do Sul e do Oceano Índico. Estas zonas correspondem todas à rota marítima internacional de energia que leva o petróleo africano e do Médio Oriente para a China. O objectivo chinês é proteger a linha vital chinesa de energia da Marinha dos EUA e aliados. O Pentágono refere-se às bases navais por “colar de pérolas” devido à sua importância geo-estratégica no balanço do poder naval no Oceano Índico. [21]
As instalações navais chinesas estão a ser todas construídas ao longo desse corredor marítimo vital. O porto naval de Gwadar no Paquistão, nas margens do Mar da Arábia, foi projectado e construído pelos chineses. Foi igualmente assinado um acordo com o Sri Lanka (Ceilão) que dará à China acesso ao porto de Hambatota no extremo sul da ilha. [22]
A China planeou também a construção de um porto naval em Myanmar (Birmânia), um aliado chinês geo-estrategicamente importante. A criação de um porto em Myanmar eliminaria qualquer ameaça de ambos os estreitos de Taiwan e de Malaca. A China faz fronteira directamente com Myanmar e existe uma rede de combóios e de transporte rodoviário da costa de Myanmar até à China do Sul. [23]
Os Estados Unidos têm também tentado obstruir qualquer meio possível que permita que o petróleo possa atingir a China directamente através de uma eventual cooperação petrolífera trans-asiática para além das rotas marítimas tradicionais e vulneráveis que se encontram sob vigilância da Marinha dos EUA. Qualquer acordo energético trans-asiático, como o oleoduto Irão-Paquistão-Índia, contraria a agenda anglo-americana e da OTAN para o controle da Eurásia.
A frota do Pacífico dos EUA está também a atribuir maior importância estratégica à ilha de Guam no Oceano Pacífico, à medida que os EUA aprofundam a colaboração com a Austrália, Singapura, Filipinas e Japão para cercarem mais a China militarmente. [24] A questão dos mísseis balísticos e armas nucleares norte-coreanas está actualmente a ser utilizada como base ideal para cercar mais a China no Extremo Oriente. A Iniciativa de Proliferação da Segurança (PSI) iniciada pela Administração Bush Jr. em 2003, imediatamente a seguir à invasão do Iraque, constitui também um meio para controlar o movimento de tráfego internacional e cortar os fornecimentos de energia à China, caso surja uma conjuntura de agressão contra os chineses.
Controle de rotas marítimas estratégicas, o cordão naval dos mares e uma “Marinha global”
Controlar o alto mar e o comércio constitui uma linha de ataque adicional a instalar para envolver os gigantes euro-asiáticos China e Rússia. É isto precisamente o que a Iniciativa de Proliferação da Segurança (PSI) e o estabelecimento duma “força naval global” sob comando dos EUA têm como objectivo a cumprir. Neste aspecto, a China está em maior perigo de ameaça vinda do oceano do que a Rússia.
A rede naval que está a ser criada pela OTAN e aliados começa a emergir. Mais de 40 países participaram em manobras navais no Mar da Arábia e no Oceano Índico. [25] Trata-se duma ameaça aos fornecimentos energéticos chineses e ao comércio internacional entre a África e a Eurásia através do Oceano Índico.
O Almirante Mike Mullen, Chefe das Operações Navais dos EUA, declarou que os EUA procuram montar e estabelecer uma “marinha de mil navios” para tomar conta das águas internacionais. [26] Esta estratégia esboçada consiste na futura amálgama das marinhas da OTAN e dos aliados naquilo que foi designado pela Marinha dos EUA como uma “parceria marítima global” que “junte marinhas, guardas costeiras, forças marítimas, operadores portuários, armadores comerciais e muitas outras entidades governamentais e não-governamentais dedicadas às questões marítimas.” [27]
As áreas iniciais onde esta nova estratégia vai entrar em jogo são o Golfo Pérsico, as águas da África Oriental e o Mar da Arábia. O Almirante Mullen citou também a existência de um grupo de 45 vasos de guerra predominantemente da OTAN colocados no Golfo Pérsico e cerca do Médio Oriente como parte desta força naval global. [28] As operações nas águas do Médio Oriente e no Mar da Arábia incluem as Task Force Combinadas (acrônimo inglês: CTFs) 150 and 152. A Task Force Combinada (CTF) 150 opera nas águas do Golfo de Omã, do Golfo de Aden, do Mar Vermelho e no Mar da Arábia do Norte, onde vários navios de guerra franceses estão posicionados. A Task Force Combinada (CTF) 152, que inclui navios de guerra italianos, franceses e alemães, opera no Golfo Pérsico e tem o seu quartel-general no Bahrain.
É significativo notar que a Task Force Combinada (CTF) 152, que faz parte do grupo de 45 navios de guerra citado pelo Almirante Mullen como integrando a força naval global, está sob comando da Marinha dos EUA e do CENTCOM. Inclui operações navais no Golfo Pérsico e na vizinhança do Médio Oriente. A operação “Iraqi Freedom” no Golfo Pérsico e a operação “Enduring Freedom” ao largo do Corno de África são apenas duas das operações que estes navios de guerra predominantemente OTAN activamente realizam.
A crescente armada naval compreende três Task Force Combinadas (CTFs) primárias em coligação e sete forças navais de apoio. Entre os 45 navios que constituem a força de vasos de guerra encontram-se da França, Alemanha, Itália, Holanda, Canadá, Austrália, Paquistão e de outros parceiros NATO, ao lado dos navios de guerra da Marinha dos EUA e britânicos.
A força naval global encontra-se mandatada sob os auspícios combinados da OTAN e da ala de operações navais do CENTCOM. A formação desta vasta e relativamente pouco falada armada de navios de guerra só é possível com o consentimento da entente franco-germânica no quadro da OTAN. Estes navios de guerra foram agrupados sob o pretexto da luta pela “Guerra Global contra o Terrorismo.”
O controle das águas internacionais, do movimento e do comércio global: a “Iniciativa de Proliferação da Segurança”
A par da força naval global criada pelos EUA e pela OTAN, foi delineada uma estratégia para controlar o comércio, o movimento e as águas internacionais. A Iniciativa de Proliferação da Segurança (acrônimo inglês: PSI; acrônimo português: IPS), sob a capa de eliminar o contrabando de componentes ou tecnologia das armas de destruição em massa (WMD) e seus sistemas portadores (tecnologia ou componentes de mísseis), estabelece-se para o controle do fluxo de recursos e do comércio internacional. A política foi esboçada por John Bolton, quando ao serviço do Departamento de Estado como sub-secretário de Estado para o Controle de Armas e Segurança Internacional.
A estratégia foi iniciada em 31 de Maio de 2003 pela Casa Branca e delineada com violação aberta da lei internacional. Segundo a lei internacional, os navios de guerra da Marinha dos EUA ou da OTAN não podem abordar e inspeccionar navios mercantes estrangeiros em águas internacionais. Segundo a Parte VII (7) da Convenção da ONU sobre a Lei do Mar de 1982, as operações americanas são ilegais internacionalmente, a menos que autorizadas pelo país de origem do navio mercante. Os navios de guerra apenas podem abordar e inspeccionar ou deter navios do próprio país, a não ser que um acordo bilateral tenha sido assinado com outro país garantindo o direito de inspecionar navios mercantes navegando sob a sua bandeira.
Em águas internacionais, barcos estrangeiros só podem ser inspeccionados se poluirem junto das águas do país a que pertence a força naval ou se existir razoável suspeita de pirataria. Além disso, em águas internacionais navios pertencentes a um governo nacional têm imunidade contra paragens, inspecções e apreensões por parte de navios de outros países. Segundo estas regras internacionais, seria ilegal a Marinha dos EUA fazer parar em águas internacionais um navio pertencente ao governo da Coreia do Norte ou da Síria ou da China. Com o novo regime de águas internacionais proposto e actualmente posto em prática contra a Coreia do Norte pelo governo dos EUA, tudo isto começou a mudar, especialmente em águas do Oceano Índico e do Oceano Pacífico. Os governos de várias nações asiáticas criticaram abertamente e puseram em dúvida a legalidade das novas operações, incluindo o governo da Malásia. [29]
Naturalmente que a China suspeita da iniciativa americana sobre águas internacionais e recusou participar no esquema de 2003. Os chineses consideram que se trata de uma maneira dos EUA e seus aliados controlarem mais as águas internacionais e o comércio internacional. A Rússia, por outro lado, juntou-se ao esquema, porque Moscovo não está na posição, como a China, em que a sua linha de vida depende do tráfico marítimo e das águas internacionais. Além disso, a Marinha Russa pode reciprocamente, de acordo com o esquema, fazer parar e abordar navios mercantes americanos.
Não é coincidência que Singapura, o Japão e o Mar da China do Sul, todos na proximidade da China, tenham sido escolhidos como as principais zonas para os muitos exercícios navais segundo o novo esquema. EUA, Grã-Bretanha, Japão, Austrália, Canadá, Singapura, França, Itália e Alemanha, junto com a Rússia, tomaram parte nos exercícios navais relativos à Iniciativa de Proliferação da Segurança (PSI).
Muitos navios norte-coreanos foram ilegalmente parados e estorvados desde o início da iniciativa naval, mas a China, como outros países, está também sob ameaça de operações navais internacionalmente ilegais, reminiscentes das internacionalmente ilegais zonas “no-fly” impostas na pré-invasão do Iraque pelos governos dos EUA, britânico e francês. Abriu-se o precedente para um dia parar navios chineses e o tráfico marítimo para a China.
A expansão da OTAN e a marcha para o conflito global
O posicionamento militar global e as ambições geopolíticas da NATO cada vez mais acentuam e dão indicação sobre as operações e directivas militares da OTAN. O sistema de alianças militares reforça-se e os seus alvos principais parecem ser os gigantes eurasiáticos, Rússia, China e possivelmente Índia. A expansão da OTAN não está limitada apenas à Europa e à antiga União Soviética, mas pretende ter carácter global.Na Ásia, uma aliança asiática paralela irmã da OTAN está em formação a partir da rêde de alianças militares existentes no arco Ásia-Pacífico. [30] A China, a Rússia e o Irão estão agora na frente de uma relutante aliança eurasiática que toma forma em oposição à OTAN e aos Estados Unidos. Em última instância, pode ser no Médio Oriente que o ritmo de expansão da OTAN ficará estabelecido. Se o Médio Oriente cair sob total controle da aliança anglo-americana e da OTAN, estará preparado o palco para uma nova fase da “longa guerra” que vai levar direito ao coração da Eurásia.
Mahdi Darius Nazemroaya é Investigador Associado do Centro de Investigação da Globalização/Centre for Research on Globalization (CRG) especializado em assuntos geopolíticos e estratégicos.
Tradução de ODiario.info com modificações.
Original inglês: The Globalization of Military Power: NATO Expansion
NOTAS
[1] Judy Dempsey, Senador dos EUA reclama utilização da cláusula de defesa da OTAN para a energia, International Herald Tribune, Novembro 28, 2006.
[2] Mu Xuequan, Mandelson: Termina a pior crise entre a Rússia e UE desde a Guerra Fria, Xinhua News Agency, Abril 21, 2007.
[3] Pr. Michel Chossudovsky, Debatendo “Guerra e Paz” à porta fechada: a Conferência de Segurança da NATO em Riga, Centre for Research on Globalization, Novembror 26, 2007; Riga, capital da Lituânia, foi local de uma histórica conferência da OTAN que envolveu todos os principais decisores, partidos, corporações e indivíduos dentro da aliança OTAN. A oposição bielorrussa foi também convidada’ Debatendo “Guerra e Paz” à porta fechada: a Conferência de Segurança da OTAN em Riga, por Pr. Michel Chossudovsky, expõe o programa da OTAN em discussão à porta fechada e fornece uma completa lista de assistentes e participantes na cimeira transatlântica da Lituânia.
[4] Mahdi Darius Nazemroaya, A Marcha para a Guerra: crescimento naval no Golfo Pérsico e no Mediterrâneo Oriental, Centre for Research on Globalization (CRG), Outubro 1, 2006.
[5] Kuwait assina acordo de segurança com a OTAN durante a conferência do Golfo na próxima semana, Kuwait News Agency (KUNA), Dezembro 6, 2006.
[6] Kuwait assina acordo da OTAN, Op. cit.
[7] Pr. Michel Chossudovsky, “Armas de destruição em massa:” Criando um pretexto para lançar a guerra contra o Irão?, Centre for Research on Globalization (CRG), Novembro 1, 2006.
[8] Estados do Golfo ‘podem responder a ataque,’ Gulf Daily News, Vol. XXIX (29), No. 364, Março 19, 2007.
[9] B. Izzak, Kuwait preparado para qualquer guerra EUA-Irão, Kuwait Times, Maio 10, 2007.
[10] Robert M. Gates, Declaração de postura à Comissão de Serviços Armados do Senado (Testemunho, Comissão de Serviços Armados do Senado, Washington, Distrito de Columbia, Fevereiro 06, 2007).
[11] Vladimir Putin, Discurso e posterior discussão na Conferência de Munique sobre Política de Segurança (Comunicação, Conferência de Munique sobre Política de Segurança, Munique, Baviera, Fevereiro 10, 2007);
http://www.ynetnews.com/Ext/Comp/ArticleLayout/CdaArticlePrintPreview/1,2506,L-3340750,00.html[12] Sistemas anti-míssil dos EUA na Europa ameaçam a Rússia — Geral, MoscNews, Fevereiro 9, 2007.
[13] Escudo anti-míssil dos EUA na Europa pode provocar corrida aos armamentos — Geral, MoscNews, 16 Março, 2007.
[14] Escudo anti-míssil dos EUA ameaça Rússia – geral, Reuters, Janeiro 22, 2007.
[15] Mark John, Plano de mísseis dos EUA desencadeia tensões na OTAN, Reuters, Março 5, 2007.
[16] Sarah Suk, Almirante americano confiante na eficiência do escudo de mísseis, Kyodo News, Maio 1, 2007.
[17] Atul Aneja, “Oleoduto devia estender-se até à China,” The Hindu, Maio 7, 2007;
http://www.kuwaittimes.net/read_news.php?newsid=NDQyNzE4NjE=[18] Os chineses objectam ao esboço sobre o clima, British Broadcasting Corporation News (BBC News), Maio 1, 2007.
[19] Andrew Davies, O inimigo por baixo: guerra anti-submarina na ADF, (Barton, Território da Capital da Austrália: Australian Strategic Policy Institute (ASPI), Fevereiro, 2007), p.1.
[20] Bill Gertz, A China desenvolve rotas marítimas estratégicas, The Washington Times, Janeiro 18, 2005; “A China está a desenvolver relações estratégicas ao longo de rotas marítimas desde o Médio Oriente até ao Mar da China do Sul de uma forma que sugere posicionamentos defensivos e ofensivos que protejam os seus interesses energéticos, mas também que sirvam grandes objectivos de segurança,” disse o relatório patrocinado pelo director do Net Assessment, que chefia o gabinete de Rumsfeld sobre estratégias orientadas para o futuro.
[21] Pallavi Aiyar, India faz exercícios navais com a China, The Hindu, Abril 12, 2007.
[22] Ibid.
[23] Ibid.
[24] Luan Shanglin, EUA ensaiam jogos de guerra em larga escala perto de Guam, Xinhua News Agency, Abril 11, 2007.
[25] Comandante naval: os EUA não planeiam atacar o Irão, Xinhua News Agency, Abril 17, 2007.
[26] Thom Shanker, EUA e Grã-Bretanha aumentam navios no Golfo Pérsico como sinal ao Irão, The New York Times, Dezembro 21, 2006.
[27] Ibid.
[28] Ibid.
[29] Malásia sem pressa para se juntar ao pacto de segurança liderado pelos EUA, Reuters, Abril 17, 2007.
[30] Mahdi Darius Nazemroaya, Aliança militar global cercando a Rússia e a China, Centre for Research on Globalization (CRG), Maio 10, 2007.
Original inglês:
http://www.globalresearch.ca/context=viewArticle&code=NAZ20070510&articleId=5605Tradução portuguesa:
http://www.globalresearch.ca/context=va&aid=6329The original source of this article is Global Research
Copyright © Mahdi Darius Nazemroaya, Global Research, 2007
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