/
Quando você está transando, você por acaso pára e diz para sua parceira - "obtivemos sucesso na seleção natural!", "vamos levar nossos genes adiante!!" "nossos gametas estão se encontrando!!!". Acho que não. Seria um pouco fora de contexto, certo?
Se for o Sheldon Cooper o contexto será esse que descreve. Só não entendi a declaração de sucesso na seleção natural...
Por outro lado, se houver o uso de camisinha aí o contexto perde o sentido.
Mas, não seria difícil que um biólogo com pendores poéticos propusesse à sua parceira de sexo casual: “gentil dama permita-me depositar um exemplar de espermatozóide meu num óvulo seu?”
Quem disse foi você mesmo - que nunca sentiu necessidade de orar e que nunca experimentou nada de sagrado ou transcendente. Quando você me pede para provar que é real (e, com "real", espera algo objetivo, externo, medido, científico e empiricamente testado) então saiba que vai se frustrar terrivelmente.
A oração, a reza, intercessão, o apelo à potestade... é real. Sentir ou não necessidade de orar é real. Neste caso o conceito de “realidade” não é o que está em xeque. O que se questiona é o alegado efeito místico da oração. No sentido trivial do termo, ou seja, o de enviar petição ao poder superior a oração é ato absurdo. E olha que quem lhe diz isso já foi grande apelador aos céus. Muitas noites varei desperto rogando ao Senhor que solucionasse encrencas.
.
A única oração que funciona, e funciona só para quem ora, é a que reconhece a incapacidade de modificar o que está além do poder do homem de interferir em algum acontecimento. Essa conversa de oração de cura, de elucidação de encrencas, enfim, de ficar pedindo coisas a Deus, nada disso faz sentido, mesmo assim, enquanto lhe escrevo estas linhas milhões estarão apelando ao Chefão para que cure, modifique, melhore qualquer situação!
.
Pense cá comigo: se existe Deus e ele for o que se diz: onipotente, onipresente, onisciente, significa que é o ser soberano, cuja vontade predomina acima de qualquer outra. Sendo assim, seus desígnios são inalteráveis e não será lamentação, por mais dorida e contrita que se formate, que o levará a modificar o que tem estipulado. Se Deus quiser que eu morra de câncer de câncer morrerei e nem um milhão de apelos mudará minha sina.
.
Desse modo, na acepção comum do que seja oração, orar é jogar seus bônus-hora no lixo!
Por outro lado, se quiser fazer uma oração legal, diga (caso acredite “nele”): Papai do Céu, valeu por permitir que eu chegasse até aqui. Câmbio, desligo.
Não porque a experiência mística não seja real (e o é, mais até do que a experiência convencional e cotidiana da realidade), mas porque ela ocorre dentro de você, e não fora.
Disse grande verdade: a experiência mística é vivência psíquica, por exemplo: toda viagem fora do corpo é uma viagem dentro do cérebro.
Da mesma forma, a Arte não é real. Você poderia muito bem escutar uma música e dizer "isso é apenas um monte de sons e silêncios, frequências, ondas, não passa disso", ou olhar para um quadro e dizer "isso são apenas umas moléculas de tinta sobre um pedaço de madeira", ou escutar alguém declamando poesia e dizer "é só um monte de carbono falando um monte de coisa com coisa". A Arte não está fora de você. Ela não tem existência real, externa, objetiva. A Arte acontece dentro de você. A Experiência Sexual acontece dentro de você. O Amor mesmo acontece dentro de você.
Você está correto, arte é denominação genérica destinadada a categorizar coisas que, em graus variados, sensibilizam o ser humano. A arte em si é abstração conceitual, não tem existência concreta. Mas, quando o conceito se consubstancia em algo definido, aí passa a ser real: uma canção, uma pintura, escultura, poesia... mesmo que eu dissesse da música que se trata de mera sucessão de sonoridades intercaladas por silêncios ela não deixaria de ser real, perscrutável, analisável, apreciável...
A experiência sexual acontece dentro, mas há algo que se externaliza no processo... se é que me entende...
O amor é que nem o tempo na concepção agostiniana: quando dele falo penso que sei ao que estou me referindo, mas se tento explicá-lo percebo que não sei o que dizer...
Por isso, o que te separa da experiência mística é uma barreira que existe dentro de você mesmo.
O que nos separa de ter ou não experiências místicas é a inclinação pessoal para vivenciar tais deleites. Quem se compraz em sentir esses tremores vai buscá-los avidamente; já quem não tenha interesse, seja por preferir outras percepções, seja por dificuldades em produzir o clima psicológico necessário, não se esforçará por ingressar em tal seara. Alegar que a vivência mística é algo mais real que a realidade é apenas frase de efeito: sem evidências satisfatórias de que se trata de “fenômeno transcendental” (sim, sei que a expressão é incongruente) por mais que a sensação gratifique a quem a experimenta nada acrescentará em favor da transcendentalidade!
Outra dimensão do homem, por exemplo, é a Moral. Se você vê sua casa em chamas e adentra correndo para resgatar seus filhos, que você ama, e que estão dentro, você está agindo pela dimensão/esfera da Virtude, do Amor, etc. Se você parasse e pensasse de forma biológica, científica, talvez concluísse "ah, a tristeza que vou sentir vão ser só alguns hormônios, nada além disso" e "ah, minhas capacidades reprodutivas estão intactas, posso fazer mais alguns descendentes para levar meus genes adiante", ou "ah, analisando os riscos e benefícios, o mais provável é que seríamos todos queimados e mortos, então é mais matematicamente conveniente ficar aqui seguro e deixá-los perecer". Acontece que a Virtude é uma dimensão própria do homem, e mais, a Virtude é mais importante do que a Ciência. Ciência sem Virtude faz bombas de hidrogênio, não pela ciência ser má, mas por tornar-se um instrumento na mão de homens maus. Já Virtude, mesmo sem Ciência, é suficiente para justificar a efêmera e dolorosa existência humana.
Sinto desapontá-lo, mas moral e virtude são conceitos relativizáveis, que vagam ao sabor das regras definidas pelas diversas culturas. Vários comentaristas aqui já disseram mais ou menos isso, mas parece que não ouviu: moral varia conforme o tempo e a geografia. Durante muitos séculos a maioria dos povos sacrificavam animais aos deuses, isso era moral, não fazê-lo seria imoral. Certas civilizações foram mais além, imolavam crianças, virgens e escravos, para elas o procedimento era moral. A escravidão até recentemente era considerada moral. A ideia de que algumas nacionalidades ou etnias sejam superiores a outras é por muitos (e põe muitos nisto) tido como natural, portanto moral. O infanticídio foi prática comum de variadas culturas, inclusive os gregos, pais da filosofia, não viam nada de imoral em jogar no penhasco bebês que não fossem aprovados pelos sacerdotes. Na atualidade, vários países admitem uniões pedófilas: adultos casando e copulando com meninas de oito, nove anos! Não veem qualquer imoralidade nisso...
E tem mais, a concepção de virtude e a moral é passível de ser modificada entre indivíduos de uma mesma sociedade por fatores variados. Um pouco mais de testosterona circulando num corpo periga transformar o sujeito num devasso. Acidentes, com certa frequência, modificam as pessoas, tanto para o lado bom quanto para o outro.
Até mesmo situações agradáveis/desagradáveis são capazes de induzir pessoas a relativizarem a moral que seguiam.
Imagine casal e um filho. Vão numa sexta à noite fazer um lanchinho fora. A criança decide dar seu showzinho de pirraça e volta pirraceando até o apartamento onde moram. A mãe exasperada dá umas sacudidelas no menino e, acidentalmente o joga sobre a quina de um móvel e ele bate a cabeça mortalmente. Após choro e lamentação e mulher percebe que será presa e entra em pânico. O marido diz que não vai perder o filho e a esposa. Então combinam simular um acidente e jogam o corpo da criança pela janela...
Outra: mãe solteira de dois filhos encontra um namorado que lhe parece ser o que sempre sonhou: rapaz atencioso, generoso, carinhoso, de boa situação financeira. Não vê hora de firmarem o compromisso, mas, para a decepção da moça o sujeito diz que a considera muito, porém não quer assumir filhos que não sejam gerados por ele. Desesperada ante a expectativa de perder a grande chance a mãe põe os filhos dentro do carro e vai dar um passeio. Na beirada de uma lagoa tranca o veículo, com as crianças dentro, e o joga dentro da lagoa. Em seguida, registra queixa do desaparecimentos dos filhos.
Coisas assim acontecem com mais frequência que gostaríamos de ouvir...
Então, indago: qual a utilidade dessa vivência subjetiva em termos da produção de saber?
Qual a utilidade da Arte? da Moral? da Virtude? da Beleza? do Bem? "Utilidade" é um termo muito frio, morto, calculado. O que é útil e inútil? O que ajuda a mover a máquina do nosso regime socioeconômico é útil? Ou é inútil? Novas fórmulas, produtos, tecnologias, são úteis? Sempre? Quando penso nisso, toda a atividade humana não me parece essencialmente diferente do comportamento animal. As mais avançadas tecnologias nos elevam, na melhor das hipóteses, ao nível de "superchimpanzé". O reino do verdadeiro espírito, do verdadeiro artista, do santo, do filósofo, é raramente alcançado. Por que tão poucos? Por que a história do mundo e da humanidade não é uma história de progresso e realização, mas uma fútil e infindável adição de zeros? Nenhum grande valor se estabeleceu, os gregos há 3000 anos atrás eram tão avançados quanto somos. Quais são essas barreiras que impedem as pessoas de chegarem sequer perto de seu real potencial?
Comentarei melhor essa parte adiante, por ora retruco: não me parece que os gregos de 3.000 anos passados fossem tão “avançados” quanto nós: em que sentido diz isso? Seja como for, meu comentário teve outro direcionamento: falei que experiências pessoais (subjetivas) não geram saber coletivizável, mas posso estar equivocado, se estiver me corrija e serei grato.