Deixa os cara brincar.
Mas eles não estão brincando.
Muad, no Kentucky existe um museu do criacionismo que mais parece um estúdio da Universal. Impressionante, é uma disneylândia do fundamentalismo cristão. Porque museu mesmo não é, já que não há museu do que não existe nem nunca existiu.
O tamanho do investimento em uma maluquice como essa prova que não é brincadeira. Não sei
quanto custou para construir mas recentemente o museu recebeu o acréscimo de uma réplica da
Arca de Noé ao custo de 100 milhões de dólares. 100 milhões só a arca! Você acredita que alguém
invista cem milhões de dólares de brincadeira?
É natural que as pessoas duvidem que estas "multinacionais" evangélicas, e demais denominações
que se associam por afinidades naturais, possam extrapolar para manter seu status quo se estas pessoas não fazem ideia do tamanho dessa indústria, do seu poder econômico, sua capacidade de
influência e poder de articulação política e também do quanto estes interesses se sentem ameaçados por algumas mudanças inexoráveis do mundo.
Mas se tomarmos como parâmetro a Europa ocidental, vemos que é possível que no espaço
de apenas duas gerações a religião passe a ter um papel menos que secundário nas sociedades de países mais desenvolvidos. No norte da Europa, em países que durante séculos foram fortalezas do protestantismo, de repente em pouquíssimo tempo religião perdeu relevância completamente.
Essa é uma perspectiva que preocupa tanto a indústria evangélica norte-americana quanto as políticas anti-tabagistas afetavam a indústria do cigarro ou o controle de emissões de CO2 afeta
a indústria do petróleo. Não surpreendentemente a reação também é de muitas formas semelhante.
Mas qual é o diagnóstico que estes caras fazem sobre as causas do declínio da influência das
religiões organizadas nas sociedades mais desenvolvidas? Bom, primeiramente acham que o relativismo inerente a um mundo globalizado cada vez menor, onde todos estão expostos a um caleidoscópio cultural que apresenta mixados, distintos paradigmas e valores, induz naturalmente ao questionamento de uma religião que se auto proclame como verdade absoluta. É muito mais difícil para um ocidental do séc. 21 digerir que Jesus é o único caminho, verdade e vida, e a bíblia o único texto sagrado ditado pelo único deus verdadeiro, do que era para um ocidental no séc. 19.
Também interpretam várias mudanças culturais como inimigas da religiosidade. Especificamente daquela religiosidade mais sistemática que é praticada no âmbito de uma instituição religiosa organizada. Essas mudanças seriam a disseminação do uso de drogas, a liberdade sexual que inclui também a liberdade de opções sexuais, a desassociação do conceito de gênero do sexo biológico, o volatilidade cada vez maior das famílias, a prevalência do individualismo e coisas assim que de fato tendem a afastar o homem moderno, urbano, da autoridade e influência de uma instituição religiosa.
Você imagina que cultos da Igreja Presbiteriana façam parte do estilo de vida de uma maconheira promíscua bissexual andrógina com cabelo pintado de azul?
Por fim enxergam a boa educação como a mais terrível ameaça: o acesso a conhecimentos científicos que contradizem e desautorizam os textos sagrados. Vivemos em uma era em que a Ciência assumiu uma autoridade que até então era exclusiva das religiões. Antigamente se o Papa decretasse um dogma poucos se atreveriam a questionar. Se alguma interpretação em particular da
bíblia se impusesse também seria automaticamente aceita como verdade absoluta. Mas hoje, quando se diz "tal é cientificamente comprovado", isto é o que os leigos tomam por dogma. Entre a garantia papal e o teste do C14, o público tem muito mais fé no veredicto científico sobre a idade do Santo Sudário. E assim é porque mesmo que mesmo que uma pessoa não compreenda nada sobre Ciência, ela vive cercada pelos milagres tecnológicos provenientes do conhecimento científico. Nós aprendemos empiricamente que Ciência é um troço que funciona, que de alguma forma tem fundamento. Já as orações...
Logo, essa mega indústria que levanta 100 milhões de dólares ao estalar dos dedos para uma peça de propaganda, ela entende que nesse mundo globalizado de relativismos pós-modernos, de diversidade de valores, de uma sociedade competitiva que promove o individualismo e a busca pela realização pessoal, que valoriza o hedonismo e ainda por cima apresenta o materialismo científico como alternativa superior aos misticismos, nesse mundo talvez não a religiosidade, mas certamente as instituições religiosas perderão espaço.
Uma realidade que já se verifica na Noruega, na Holanda, na Dinamarca, no Reino Unido, no Japão, em Israel... na França onde a igreja católica já teve até que vender igrejas por não poder mantê-las.
Imagino que quando lideranças religiosas norte-americanas perceberam quão rapidamente a influência protestante definhava na Europa do pós-guerra, puderam projetar o que ocorreria nos Estados Unidos. É quando nós vemos, em meados dos anos 60, o recrudescimento do criacionismo, que havia perdido força a partir do julgamento de Scopes em 1929, quando fracassou a tentativa de barrar o ensino da Teoria da Evolução. Os novos criacionistas então tentam incluir o ensino da versão bíblica nos currículos, mas perdem essa nova batalha judicial. Aí inventam o Criacionismo Científico, que foi meramente uma tentativa de burlar a lei, e em 1970 um pilantra chamado Heny Morris funda o ICR. Também não conseguem tornar legal o ensino dessa versão pseudo-científica
do Gênesis, mas o movimento literalista bíblico americano continua a se expandir, se torna cada vez mais articulado, passa a investir em representatividade política e experimenta novas estratégias. E de certa forma, mesmo perdendo as mais importantes batalhas judiciais, estes poderosos interesses acabaram atingindo seus objetivos.
Isso não é nenhuma brincadeira. Não para eles.
1 bilhão de dólares por ano é o que eles conseguem fazer o país gastar com o ensino da fábula da Criação.
EUA gastam US$1 bilhão por ano para ensinar criacionismo
Acredite: gasto americano para ensinar teoria em escolas é maior que o PIB de 23 países no mundo
São Paulo – Quanto pesa no bolso de um país seguir os ensinamentos da Bíblia nas escolas durante as aulas de ciência?
Muito, pelo visto, se observarmos os Estados Unidos.
Segundo reportagem do Politico, o governo americano gasta 1 bilhão de dólares por ano para ensinar a teoria do criacionismo nas escolas.
Esse montante é bem significativo: maior que o PIB de 23 países, segundo a ONU, como os orçamentos de Zanzibar e São Tomé e Príncipe.
O recurso é gasto em forma de subsídios públicos destinado a escolas privadas.
Os programas didáticos de muitas dessas escolas nem incluem, paralelamente aos ensinamentos cristãos, a teoria da evolução ou outros fatos científicos.
E os livros vão além da criação do mundo em sete dias, segundo a reportagem: desdenham do secularismo, desacreditam momentos de descobertas científicas históricas e até hostlizam cientistas famosos.
Leis
Nos EUA, as escolas públicas, por lei, não podem colocar a teoria criacionista no currículo. Mas estados como Louisiana e Tennessee decidiram criar leis próprias para permitir isso.
Um levantamento da Slate achou dezenas de escolas, públicas e privadas, que ensinam criacionismo aos alunos.
Em Indiana, por exemplo, são 37 escolas. Na Flórida, 134.
Você ainda duvida da origem desse movimento global com objetivo de desacreditar a Ciência? É tão difícil enxergar a quê isso interessa?
Pode não parecer plausível que cientistas mequetrefes sejam financiados para endossar desinformação somente quando não se tem ideia do quanto é realmente investido nessa guerra pelos corações e mentes do público.