Era uma vez um lugar chamado Valério.
Quem subisse a serra, na estrada para Friburgo, passaria sem notar por uma fileira de casinhas humildes, antigas, que deveriam estar ali há muito mais tempo que a rodovia. Parecendo serem tão velhas quanto as montanhas, teriam testemunhado a chegada do progresso e tudo em volta se transformar. Tudo menos a antiga vila, onde o tempo parecia não passar.
Porém mesmo se um viajante tivesse olhos para o discreto povoado jamais imaginaria que a paisagem bucólica e banal escondia a entrada para um mundo mágico, assombroso.
Pelo menos assim me descreveu um amigo, depois de fumarmos um baseado.
- Você precisa ir lá. Ele disse.
Um dia fomos.
Uma galera, com barraca e apetrechos para ficarmos uma semana. Enfim eu conheceria O Lugar.
O Lugar havia sido descoberto por um doidão, por acaso, quando procurava por cogumelos frescos. Daqueles que brotam no pasto depois das noites de orvalho. A famosa "flor de la noche".
Quando descreveu O Lugar para os amigos, acharam que ele tinha encontrado os cogumelos.
Mas O Lugar era real. Ou melhor, surreal.
Chegando na calada da noite, enquanto todos dormiam, cruzamos furtivamente o povoado. Como sombras nos esgueiramos silenciosamente pelas ruas de pedra e atravessamos a antiga ponte de ferro. Seguindo por uma estradinha rapidamente alcançamos O Portal.
O Portal - que vinha a ser uma cancela podre de bambus - era o acesso para uma realidade paralela existindo intocada, secreta, um Shangrilá esquecido a poucos minutos do burburinho da cidade. Mas era preciso ser cuidadoso pois que O Portal era muito bem vigiado pelo Guardião: um velho muito velho, que falava por um buraco no pescoço.
Mas o velho tinha um filho que era moço, muito moço. Que parecia velho e tinha a aparência de um bode. E berrava como se um bode fosse.
Empunhava o Guardião um bacamarte e punha medo nas pessoas do lugar. Fama de feiticeiro.
Mas quem conseguisse ludibriar O Guardião e cruzar O Portal se veria em outro mundo. A partir dali uma estradinha serpentearia até o rio impecavelmente toda gramada com pelo de urso, como se cuidada fosse por um jardineiro mui caprichoso. Suas margens emolduradas com flores laranja e azul e acima a copa das árvores se tocavam, formando um túnel verde e vivo que era lar para milhares de pássaros exóticos e multicores. Pássaros completamente desconhecidos!
Desconhecidos pelo menos para nós, que nada entendíamos de pássaros. E que pouco habituados à presença de intrusos revoavam em polvorosa compondo uma sinfonia desafinada e cacofônica, mas de harmonia perfeita.
O cenário quase psicodélico desembocaria em uma visão onírica, que evocaria em mim a lembrança de uma daquelas capas de um álbum do Yes. Ao alcançar o rio a estrada se alargava em uma clareira gramada como um jardim, e ali estava uma enorme pedra rachada por onde cresciam vários tipos de orquídeas e estranhas trepadeiras. O rio, propriamente, era uma sucessão de platôs dispostos em degraus, formando plácidas piscinas e separados por cachoeiras, cada uma com um desenho diferente. Cada piscina com seu próprio tom de verde.
Magnífico, estranho e belo.
No dia seguinte me pus a explorar o rio. Me fascinava a infinita criatividade da natureza, com seus macacos, pássaros e milhões de insetos esquisitos. O musgo nas pedras era de muitos matizes e formava padrões abstratos geometricamente intrincados; fina tapeçaria que tecelão nenhum jamais teceu. Havia mundos sobre mundos naquele lugar e cada centímetro daquele rio era um universo inteiro a ser explorado. Vagar por aquele rio não era meramente um passeio agradável: era pura experiência mística e espiritual! Minha mente e meus sentidos estavam aguçados como nunca antes e eu, completamente imerso no aqui-agora, entendia vividamente que tudo que existe é um milagre.
Existir era um milagre e o real ainda mais mágico que o sonho.
Mas um dia, subindo o rio, começo a ouvir um rugir que vai ficando cada vez mais forte. Que estranho!, não poderia haver uma grande cachoeira naquele pequeno curso d´água. Mas... não havia mais dúvida, eu escutava cada vez mais próximo o turbilhão de uma grande queda d´água. Começo a subir rapidamente, o coração acelerado, e de repente me deparo com um imenso canion de paredes de pedras vermelhas de até sete metros de altura. O canion, impressionante, retorcia-se majestoso montanha acima e a partir daquele ponto só era possível prosseguir nadando. Ainda não se via a cachoeira mas estava próxima... e ao vencer mais uma curva do rio avistei o imenso véu. Aquele lugar vermelho, vou te dizer... era uma coisa. Nadei até a cachoeira, nadei por uma caverna. E no labirinto dos caminhos encontrei a passagem que me levou para dentro da queda d´água. Uau, que dia!
Pois é.
...