Agradeço à contribuição de todos. Como os temas e questões levantadas se cruzam, decidi respondê-los com um único post.
Mas em outras oportunidades você já fez referência, por exemplo, a uma suposta moralidade subjacente no universo.
Se você abrir um livro para um cachorro, ele verá estímulos visuais e sensoriais -
cores, folhas, capa, rabiscos (letras), material, espessura, peso. A profundidade, a essência de um livro, lhe é vedada, selada,
terrível.
Ele pode cheirar, morder, esconder, brincar, mas não pode ir além disso, por não ter, ele mesmo, um princípio inteligível.
Quando lemos um livro, ou este texto, nossos olhos, que são sensíveis, captam essas luzes, que são também sensoriais.
Mas algo em nós que não é nem sensível e nem visível, apreende o que também não é nem sensível e nem visível.
Platão chamou isso de alma racional; outros, de espírito eterno.
O livro aberto diante do cão é um caos, uma bagunça visual-sensorial, um objeto desprovido de valor e significado,
terrível.
A Sonata para piano n.º 14 de Beethoven, para um inseto, pode ser uma profusão caótica de barulhos incoerentes,
terrível.
Da mesma maneira, o que achamos que entendemos do que vemos ao nosso redor não se deve à sua natureza inerente,
mas à imperfeição de nosso atual veículo físico e infantilidade de nosso desenvolvimento mental.
No martinezismo, nós chamamos isso de Queda. O Advaita chama de Maya. O esoterismo tibetano, de Samsara.
Quer você chame isso da Caverna de Platão, ou de 'perder o Pleroma' para os antigos gnósticos,
estamos falando de diversos ensinamentos e abordagens de uma só Tradição Perene e Primordial.
Seu segredo consiste no fato de que, quando percebemos o Bom e o Belo, o fazemos com órgãos
tão verdadeiros quanto olhos e ouvidos, ainda que não sejam visíveis nem sentidos em nosso atual estado.
Se um bebê recém-nascido for exposto ao discurso de Martin Luther King, chorará com o barulho
terrível.
Da mesma maneira, só estamos aptos a Ler o
Livro da Natureza após desenvolvermos os órgãos que lhe são devidos.
Os rosacruzes os chamaram de "rosa do coração"; os budistas, de "mente de compaixão"; os gnósticos, "corpo de luz".
A que todos esses termos se referem? A algo que deve nascer em nós para ler a "Assinatura das Coisas".
Que é este algo? Para ver luzes, preciso de olhos; para ouvir sons, ouvidos; para saborear, língua.
O que tem de nascer em mim para ver e escutar a língua universal do Amor, do Bem e do Belo?
A resposta é a mais simples (na teoria) e o mais difícil na prática:
Assim como percebo coisas sensíveis com os meus sentidos sensoriais, e coisas inteligíveis com o meu intelecto,
é só no meu coração, com o desenvolvimento de seu próprio organismo moral, que o homem se torna sensível
para a dimensão ética-estética do mundo. Isso não tem a ver com nenhuma crença ou religião específica.
A profundidade da existência, a dignidade do Real, a valiosidade do Amor, da Verdade, do Respeito,
só podem ser enxergados, lidos e produzidos por aquele semeou, regou, cultivou e colheu esses frutos em Si.
Assim como o bebê chora pela sequência absurda de ruídos do discurso de Martin Luther King,
o homem espiritualmente morto está embotado e cego para a dimensão espiritual das coisas, dos seres e dos valores.
O universo se entreabre para ele como uma "máquina do mundo" sem valor ou significado,
ele vê a luta pela sobrevivência, os jogos de contrastes, o nascimento e decaimento das coisas,
e é incapaz de penetrar além dessa camada. Está cego para ela como um cão para os Versos Áureos de Pitágoras.
Pra mim não tem ficado clara a diferenciação entre este ocultismo de vocês e o Espiritismo
Gorducho, de fato, ambos (em sua versão moderna) se desenvolveram Lyon e compartilharam membros e conceitos.
Faz-se mister estabelecer aqui uma distinção entre as definições.
1- 'Ocultista' denota o estudioso intelectual das relações entre o homem, a natureza e o universo
ex: o texto
Como está constituído o ser humano do médico Gérard Encausse faz uma análise analógica da estrutura da anatomia humana.
2- 'Esoterista' refere-se ao praticante da interpretação profunda de uma doutrina exterior
ex: o livro
Novo Homem de nosso mestre situa os acontecimentos e revelações bíblicas como etapas da jornada interior de transformação espiritual.
3- 'Místico' denota alguém que abre-se pessoal e diretamente para a experiência transformadora da Unidade
ex: o livro
Noite Escura da Alma de São João da Cruz relata o processo de sua abertura direta para a experiência de união com o Absoluto.
4- 'Teósofo' refere-se a quem obteve uma revelação direta de princípios divinos e universais
ex: o livro
Science, Meaning and Evolution do físico teórico contemporâneo Basarab Nicolescu fala das visões do teósofo alemão Jakob Böhme,
um simples sapateiro que, escrevendo sobre as visões que lhe eram reveladas,
acabou por influenciar profundamente o pensamento filosófico e científico ocidental.
Respondendo à sua pergunta, o espiritismo, especialmente no Brasil, é
uma religião como qualquer outra.
Há uma forma exterior, crenças literais, dogmas, livros canônicos, uma doutrina oficial e instituições reguladoras.
Existem grupos que são somente esoteristas, como o Rito Escocês Retificado, e também apenas místicos, como os pietistas,
mas é comum que uma Ordem trabalhe os quatro aspectos, como é feito atualmente pela O.M.
No Ocultismo, como na vida, nada é o que parece ser, e 99% trata-se de metáfora e símbolo.
Sobre a associação com o socialismo idealista francês, é um fato. Não à toa, muitos líderes ocultistas,
de Eliphas Levi à Constant Chevillon, passando por Leon Denis, por exemplo, foram também líderes socialistas,
pois é inconciliável pregar a Igualdade e a Fraternidade, e crer na comunhão universal da humanidade e,
ao mesmo tempo, compactuar com a opressão e a exploração do homem. Acabo de fazer upload de um pequeno trecho que,
creio, será uma leitura definitiva para a solução de suas indagações:
Discurso iniciático relativo a uma iniciação martinistaVocê é um místico terraplanista?
Gigaview bem humorado, como sempre!
A realidade é terrível.
Vou, inclusive, aproveitar e perguntar aos sr(s) místico(s), porque não veem (ou aparentam não ver) o profundo misticismo naquilo que a ciência e os cientistas fazem em querer entender o que é a natureza e o universo e desvendar seus segredos.
Respondido no meu segundo post deste tópico, na resposta ao Sergiomgbr.