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"Deixar a Varig quebrar é burrice"Economista diz que o fim da empresa aérea custaria pelo menos R$ 10 bilhões ao País e que o novo discurso do governo só serve aos concorrentes interessados em criar um duopólio na aviaçãoPor Leonardo Attuch
O economista Paulo Rabello de Castro, formado na Universidade de Chicago, reduto do pensamento liberal, fica possesso quando ouve alguma autoridade de Brasília – e têm sido muitas nos últimos dias – repetindo o bordão de que o “governo não deve colocar dinheiro numa empresa quebrada como a Varig”. O motivo da indignação: esse discurso tem certa lógica, parece responsável e soa até liberal. “Só que é um discurso desinformado e burro, que só serve aos concorrentes”, diz ele. Rabello de Castro, que é consultor dos pilotos da Varig, fez um estudo em que aponta o prejuízo do País com o fim da companhia aérea: R$ 10 bilhões. Seriam perdas decorrentes do corte de empregos, do fim dos impostos e dos aumentos de tarifas com um duopólio formando por TAM e Gol, entre outros fatores. Além disso, ele diz que o que está em jogo não é o resgate da Varig com dinheiro público, mas sim uma solução privada, em que os atuais acionistas controladores seriam punidos e a empresa preservada. “É assim que se faz em qualquer parte do mundo capitalista”, diz ele, que também critica a postura errática do governo Lula no caso. Leia a seguir sua entrevista à DINHEIRO.
DINHEIRO – O sr. diz que o Brasil perderia R$ 10 bilhões com o fim da Varig. Por quê?
PAULO RABELLO DE CASTRO – Há muita coisa que se perde e que não se repõe pela concorrência. Essa é a primeira coisa, que já indica ser falso o argumento de que novos entrantes tomariam rapidamente o espaço da Varig. Haveria perdas fiscais e não fiscais. Só a queda do PIB do setor aéreo no Brasil seria da ordem de R$ 4 bilhões. Isso inclui a marca Varig, a sua operação e tudo que vem junto com ela, como o Smiles.
DINHEIRO – Por que é falsa a tese de que novos entrantes tomariam o lugar da empresa?
CASTRO – O discurso do “deixa quebrar para que o mercado resolva” é o dos concorrentes, ao qual eu, um autêntico liberal, me oponho. Não haveria a destruição criadora, na linha do economista Joseph Schumpeter, mas sim a destruição de uma empresa, que teria seu espaço ocupado por um duopólio. E não tem graça nenhuma país pobre sair destruindo suas companhias. A nova Lei de Falências é inteligente. Ela preserva a empresa e tira o acionista.
DINHEIRO – Até agora, estamos em R$ 4 bilhões. E o restante?
CASTRO – Eu fiz uma conta referente também aos empregos, considerando que, dos 11 mil trabalhadores, cerca de 7 mil poderiam ser absorvidos, mas com salários aviltados. Isso criaria uma perda para a economia de R$ 700 milhões. Estou confrontando dois cenários: a Varig existindo versus a Varig não existindo.
DINHEIRO – O que mais?
CASTRO – Eu coloco mais R$ 300 milhões como perda de eficiência nas linhas nacionais, estimando um aumento de tarifas da ordem de 7% após a confirmação de um duopólio entre TAM e Gol. E isso já pode ser pressentido. Já não se voa barato na Gol. Além disso, perde-se muito tempo nas filas. Estão roubando o tempo do cliente. É uma combinação de perda de eficiência e aumento de preços.
DINHEIRO – E as rotas internacionais?
CASTRO – Nesse caso, com a Varig deixando de voar para o exterior, é óbvio que companhias internacionais prestarão o serviço. Eu apontei um valor de R$ 670 milhões, que é inferior ao que a Varig fatura no exterior todos os anos, mas que representa o valor agregado desse PIB do transporte internacional. Mas isso pode estar bem subestimado.
DINHEIRO – Gol e TAM não passariam a voar nas rotas internacionais da Varig?
CASTRO – Não existe nem aparelho para isso. Os horários de chegada lá não são passados para outras companhias de bandeiras brasileiras. Ou é a Varig ou não é. Mas as perdas maiores são as que vêm na seqüência.
DINHEIRO – Quais?
CASTRO – No campo tributário são R$ 3,5 bilhões. É uma tunga no contribuinte.
DINHEIRO – Mas pode-se dizer que a Varig já não paga os impostos?
CASTRO – Esse valor é uma dívida do passado, que seria negociada mediante um crédito também do passado, referente ao congelamento tributário. É bom que se diga que esse crédito em favor da Varig já transitou em julgado e que o governo tem adotado apenas medidas protelatórias. O resultado disso é que a União vai acabar tendo que pagar a indenização referente ao congelamento para uma massa falida – e não para uma empresa em operação. Se eu pago para alguém que está vivo, eu posso cobrar os impostos. Se eu pago para um morto, fico numa situação ruim.
DINHEIRO – O encontro de contas no futuro só terá uma ponta?
CASTRO – Exatamente. Só a ponta do governo pagador.
DINHEIRO – E como seria a perda do fundo de pensão dos funcionários, o Aerus?
CASTRO – É o que fecha a conta dos R$ 10 bilhões. A despesa vai cair nas costas da sociedade. É só ver o que a Justiça já decidiu no caso do Aero, o fundo de pensão da Vasp. E agora, com a intervenção do governo no Aerus, no momento em que os funcionários apresentavam uma solução para a Varig, essa questão ficou ainda mais líquida e certa.
DINHEIRO – Por quê?
CASTRO – Houve uma falha clara na regulação, que deve ser sempre antecedente aos fatos. Eu mesmo fui ao governo ainda em 2002 para alertá-los sobre os problemas no Aerus. Os empregados pediram intervenção com muitíssima antecedência. Onde é que estava a Secretaria de Previdência Complementar nesse tempo todo? Só eu fiz denúncias formais várias vezes.
DINHEIRO – E por que eles decidiram intervir só agora?
CASTRO – Eles só acordaram do distraído sono para atrapalhar a única coisa que ainda poderia fazer o Aerus ser coberto parcialmente pela própria máquina da Varig. Os trabalhadores pegariam parte dos recursos para fazer a empresa voltar a operar. O que pouca gente sabe é que os trabalhadores são os principais credores da empresa. Portanto, é natural que eles queiram ser os donos de uma nova empresa, que seria a Varig Operacional. As dívidas não são com bancos privados.
DINHEIRO – O governo joga pela quebra da empresa?
CASTRO – É o que se depreende do discurso oficial, que além de burro é desinformado. Até porque a Varig não quer dinheiro público e nem está quebrada. Ela está agindo em conformidade com a lei de recuperação judicial.
DINHEIRO – O governo vetou a proposta de US$ 400 milhões feita pela Varig Log, por meio de uma decisão da Agência Nacional de Aviação Civil. Por quê?
CASTRO – É estranho. Parece que há um movimento orquestrado na direção da quebra e que existem dois pesos e duas medidas. Dependendo da situação, a lei vale ou não.
DINHEIRO – E por que o governo, que antes dizia que a Varig era estratégica, mudou tanto?
CASTRO – Eu fui ao José Dirceu no início de 2003. Ele me disse que gostava de aviação e que conhecia tudo – tudo mesmo – do setor. No primeiro momento, eu fiquei animado. Depois, quando perguntei se ele conhecia a situação do Aerus, percebi que ele não conhecia tanto assim.
DINHEIRO – Ele articulou o compartilhamento de vôos com a TAM. Isso foi bom?
CASTRO – Já ficou claro que isso foi bom para a TAM e contribuiu para a asfixia da Varig. Aliás, eu disse ao Dirceu que o problema da Varig era simples, uma vez que a empresa não devia a bancos privados ou internacionais. Ela devia a fornecedores, empregados e empresas com participação do governo, como BR e Infraero. A Globo, que devia a bancos internacionais, contratou a Goldman Sachs, chamou todos e renegociou. Sempre há solução, dentro das regras de mercado. O discurso do “deixa quebrar” é o discurso da conveniência.
DINHEIRO – Qual o papel da Fundação Rubem Berta, dona da Varig, na crise?
CASTRO – É o papel do Drácula, que foi sugando o sangue da empresa. O Drácula vai inoculando a vítima e só se alimenta do sangue necessário. Mas a questão é que a boa solução é aquela que mata o Drácula e salva a vítima – no caso, a Varig.
DINHEIRO – Alguém no governo já tentou efetivamente contribuir para uma solução?
CASTRO – O Carlos Lessa, que estava no BNDES, parecia disposto a contribuir, mas numa entrevista recente disse que suas iniciativas vinham sendo bloqueadas. Proibiram-no de fazer qualquer coisa a respeito.
DINHEIRO – E o José Alencar, no Ministério da Defesa?
CASTRO – Ele atuou para que a Fundação Rubem Berta contratasse uma consultoria do Unibanco. Mas a solução foi esdrúxula, pois dependia de mudanças na Lei de Falências no Senado. Por isso, não prosperou. E depois vieram os notáveis que ingressaram em maio de 2005.
DINHEIRO – É a turma do David Zylberstajn?
CASTRO – Isso. E foi então que a empresa aderiu à Lei de Falências. O problema é que a postura do governo em relação à Varig sempre foi errática. Mesmo sem ser credor.
DINHEIRO – BR e Infraero não são credores?
CASTRO – São empresas com participação acionária da União, com créditos relativamente pequenos. E é bom lembrar que operam em situações de monopólio. Será que é justa a tarifa aeroportuária cobrada no Brasil?
DINHEIRO – A Varig Operacional geraria caixa positivo?
CASTRO – Claro que sim. Se você separa essa empresa da Varig antiga, ela passa a valer, no dia seguinte, US$ 1 bilhão. E é uma conta até conservadora, porque a Gol, por exemplo, vem sendo avaliada em US$ 5 bilhões. É por isso que faz sentido, para muitos investidores, inclusive os funcionários, apostar no futuro da Varig.
DINHEIRO – E a Varig podre fica então com o governo?
CASTRO – Não é verdade. O desequilíbrio entre ativos e passivos é irreal. Existe só um descasamento temporal entre as cobranças feitas no presente à companhia e os diversos recursos processuais que o governo tem à disposição para não pagar o que deve à Varig.
DINHEIRO – Estatizar a Varig, como aconteceu com outras empresas aéreas importantes até na Europa, seria uma solução?
CASTRO – Essa é uma proposta que cria só confusão, porque não é necessária. Há soluções disponíveis de mercado, que, portanto, seriam mais eficientes.
DINHEIRO – O sr. ainda acredita numa solução?
CASTRO – O tempo joga contra. E nesse relógio o ponteiro dos segundos se acelera. O problema é que o efeito tempo age sobre a percepção do cliente – e isso é que me deixa desesperado. Mas deixar quebrar seria burrice, um neomercadismo da pior espécie. É a representação mais nítida de que o País já não toma decisões estratégicas.
DINHEIRO – Deixar quebrar é uma tese que vem travestida de discurso liberal.
CASTRO – É isso que me enfurece. Eu sou do time liberal, e não os que hoje atuam pela quebra da Varig. Propor a quebra não é liberalismo. É entreguismo aos concorrentes nacionais e internacionais. Mas tudo isso é reversível. A marca Varig é tão forte que basta um sinal contundente na direção positiva para que os clientes voltem.
http://www.terra.com.br/istoedinheiro/450/entrevista/index.htm