Armando Valladares
Contra Toda a Esperança
22 anos no "Gulag das Américas"
As prisões políticas de Fidel Castro
Cuba: ¿“sinais” do reino de Deus, ou do inferno?
Miami (FL), 25 de agosto de 2006.-
Caros amigos brasileiros,
Umas breves e afetuosas palavras de apresentação da edição eletrônica condensada, em português, de "Contra Toda a Esperança", minhas memórias de mais de duas décadas de cárcere e torturas contínuas no "Gulag" castrista, publicadas pela primeira vez em 1985, em espanhol. Como uma amostra de amizade e afeto, esta edição eletrônica será difundida gratuitamente, por e-mail, a todos os interessados.
No Brasil, figuras representativas da chamada esquerda católica, como o cardeal Arns, Frei Betto e Leonardo Boff chegaram a ver em Cuba comunista “sinais” do Reino de Deus onde, na realidade, o que existe é uma ante-sala do inferno. É esta a realidade que descrevo em “Contra Toda a Esperança”.
Os brasileiros têm dado muitas mostras de afeto e de compreensão pelo sofrimento do povo cubano. Em 2001, por exemplo, foi decisiva a preocupação da opinião pública, de autoridades e de meios de comunicação desse gigantesco país para que as jovens Sandra Becerra Jova e Anabel Soneira Antigua, literalmente seqüestradas e retidas na ilha contra a vontade de seus pais, profissionais cubanos residentes no Brasil, fossem finalmente libertadas e enviadas a esta nobre e acolhedora terra, para reunir-se com suas respectivas famílias.
No momento em que escrevo estas breves linhas de apresentação, estamos a poucas semanas das eleições presidenciais nesse grande País sul-americano. Me atrevo então a pedir a esse mesmo povo brasileiro, afetuoso, bondoso e compassivo, que se manifeste ante os candidatos presidenciais, solicitando-lhes um compromisso público para que o futuro governo atue com firmeza no campo diplomático e humanitário, de maneira a contribuir para a libertação de 11 milhões de meus irmãos cubanos que na ilha-cárcere continuam seqüestrados, desde há quase 50 anos, em sua própria pátria.
Que a Providência recompense a todos os brasileiros que assim procedam.
Com um abraço afetuoso, subscreve-se
Armando F. Valladares
E-mail: ArmandoValladares2005@yahoo.es
Este livro não é uma novela. É uma denúncia mundial. É um relato rigorosamente autêntico do que seu autor, Armando Valladares, viu e padeceu durante 22 anos de prisão -absurda e arbitrária- nos cárceres políticos de Fidel Castro.
Valladares descreve a tenebrosa prisão do castelo de "La Cabaña", onde os opositores do regime comunista são justiçados com um simples tiro na cabeça. Denuncia os campos de trabalhos forçados, onde a vida perde todo o sentido. Descreve as celas de repressão e confinamento, a maldade refinada de estilo stalinista.
Revela o funcionamento do "Centro de Exterminação e Experiência Biológica" da prisão de Puerto Boniato, a pior de Cuba, onde médicos soviéticos, alemães orientais e tchecoslovacos, junto com seus colegas cubanos, sistematicamente provocam doenças e realizam experiências psicológicas entre os presos políticos.
Pela primeira vez, possivelmente, são denunciadas as condições desumanas nos centros de detenção juvenil e a violência que ali impera.
Nunca antes se haviam detalhado as condições subumanas a que as mulheres, prisioneiras políticas, são submetidas em Cuba; a humilhação que sofrem essas infelizes quando repelem a "reabilitação" política comunista, obrigadas a vestir apenas roupas íntimas; o risco constante de serem enviadas para as prisões comuns de mulheres delinqüentes, na mesma nudez, para enfim sofrer sua definitiva desestabilização emocional e psíquica.
Este relato verídico começa e termina na prisão política. Mas também atravessa seus muros para narrar a perseguição e o tormento a que são submetidas as pessoas que tenham um ente querido isolado no vasto presídio político de Cuba.
Angústias, privações, torturas e assassinatos... dor infinda que, nestas páginas,é recolhida para dar uma mensagem -na verdade, um grito de angústia- pelos fatos tétricos que acontecem em nosso próprio continente, no "Gulag das Américas": a Cuba de Fidel Castro.
1. Detenção
O cano frio da submetralhadora em minha têmpora me acordou. Abri os olhos, assustado. Três homens armados estavam ao redor de minha cama... Um deles disse que eu tinha de acompanhá-los e que me vestisse. Na sala, um quarto policial vigiava minha mãe e minha irmã.
Tranqüilizei-as, disse-lhes que com toda certeza tratava-se de um erro, uma vez que eu não tinha cometido crime algum.
Eu era, então, funcionário do Governo Revolucionário na Caixa Econômica, anexa ao Ministério de Comunicação, e minha subida àquele departamento oficial havia sido rápida, motivada, em grande parte, por minha condição de estudante universitário.
Realizaram uma busca minuciosa, prolongada: levaram quase quatro horas revistando tudo. Não ficou um só centímetro da casa sem ser examinado. Abriram garrafas, verificaram livros, folha por folha, esvaziaram tubos de pasta dental, examinaram o motor da geladeira, os colchões...
Eu conversava com minha mãe, que era quem estava mais nervosa; enquanto isso, pensava em quem me teria denunciado. Pensei que a denúncia deveria ter saído de meu emprego. Eu sabia que tinha uns colegas que me eram hostis, devido às minhas idéias religiosas e minhas concepções idealistas do mundo, que esgrimia freqüentemente para discordar do comunismo como sistema.
Também sabia que eu estava marcado como anticomunista. Uma de minhas últimas discussões havia sido provocada por um lema que era repetido no país inteiro, lançado pelo aparelho propagandístico do Governo, e que tinha por objetivo ir preparando as massas, ir infiltrando nelas a idéia comunista. Castro já era acusado disso e, então, divulgaram a ordem:
"Se Fidel é comunista, que me ponham na lista: eu estou de acordo com ele".
O lema foi impresso em adesivos para serem colocados em automóveis, em placas de latão para serem fixadas às portas das casas, era diariamente publicado nos jornais, foram feitos cartazes e fixados ns paredes de escolas, quartéis, fábricas, oficinas e escritórios do Governo. O propósito era bem claro e simples: Castro era apresentado ao povo como um Messias, um salvador, o homem que devolveria a liberdade, a prosperidade e a felicidade a Cuba.
Os comunistas do Ministério apareceram para colocar um daqueles lemas na minha mesa de trabalho... "se Fidel é comunista...". Eu recusei. Ficaram surpresos e desorientados porque, se bem que soubessem de minha aversão ao marxismo, haviam achado que eu não iria recusar, uma vez que isso seria recusar Castro. Perguntaram-me se eu não estava de acordo com Fidel. Respondi que se ele era comunista, não, que não faria parte dessa lista.
Os policiais continuavam a revista. Terminaram nos dormitórios, banheiros, cozinha e passaram para a sala. Revistaram os quadros, as estatuetas de porcelana; uma delas chamou-lhes a atenção: tinham descoberto algo dentro. Com uma caneta esferográfica, um deles conseguiu tirar um papel: era um dos usados para embalar louças e cristais. Abriu-o e ao perceber que eu o observava com ar divertido, amassou- e atirou-o pela janela. Fizeram-nos levantar do sofá, viraram-no e o examinaram cuidadosamente. Terminou a revista e não apareceram armas, nem explosivos, nem propaganda, nem listas. Se bem que nada houvessem encontrado, eu tinha que responder a umas perguntas de rotina. Minha mãe argumentou que não havia motivo para me levarem. Eles responderam que não se preocupasse, que eu voltaria logo: eles mesmos me trariam de volta para casa. Só que a volta demorou mais de vinte anos.
Chegamos à esquina da 5a Avenida com a Rua 14, no Departamento Miramar. Era, então, a sede centra da Polícia Política, a Lubianka cubana. Várias residências, produtos do despojo, formavam o complexo do G-2, que era como, a princípio, chamavam a Segurança do Estado. Fui levado ao segundo andar, ao arquivo. Tiraram minhas impressões digitais e me fotografaram com um letreiro que dizia: "contra-revolucionário".
- Conhecemos suas declarações onde você trabalha; você andou atacando a revolução - afirmaram.
Defendi-me, dizendo-lhes que não havia atacado a revolução como instituição.
- Mas atacou o comunismo.
Isso eu não neguei. Não podia, nem queria fazê-lo.
- Sim, é verdade - disse-lhes, - considero o comunismo uma ditadura pior da que acabamos de padecer e se ele se estabelecer em Cuba, seria como na Rússia: passar do czarismo à ditadura do proletariado.
Naquela mesma tarde me levaram com os outros detidos - entre eles, uma mulher - a um pequeno salão. Mandaram que nos sentássemos em um banco de madeira. Havia refletores, que se acenderam; os fotógrafos e câmeras começaram a fotografar e a filmar. No dia seguinte, aparecemos nos jornais e televisão como um bando de terroristas, agentes da CIA, capturados pela Segurança do Estado.
Eu não conhecia nenhuma daquelas pessoas. Nunca as tinha visto. Foi lá que entrei em contato com Nestor Piñango, Alfredo Carrión e Carlos Alberto Montaner, três estudantes universitários. Também conheci Richard Heredia, que havia sido um dos chefes do Movimento 26 de Julho, na província de Oriente.
No dia seguinte houve o segundo interrogatório.
- Você estudou em um colégio de padres - disseram.
- Sim, nos Escolapios; mas o que importa isso?
- Importa, sim. Os padres são contra-revolucionários e o fato de ter estudado nessa escola é mais uma evidência contra você.
- Mas Fidel Castro estudou no Colégio Belém,dos padres jesuítas.
- Mas Fidel é um revolucionário e você é um contra-revolucionário, aliado aos padres e aos capitalistas; por isso vamos condená-lo.
- Não há nenhuma prova contra mim, não descobriram nada.
- É verdade que não temos prova alguma, concreta, contra você, mas temos a convicção de que é um inimigo em potencial da revolução. Para nós, é o suficiente.
À noite, cedo, tiraram Richard Heredia e eu da cela. Levaram-nos para um salão e exibiram-nos um filme feito para os noticiários de cinema e tevê. Um dos jornalistas, referindo-se a mim, comentou, a meia voz, que era uma pena me fuzilarem tão moço. A campanha organizada pelos comunista alcançou proporções tão vastas que me fez temer seriamente por minha vida.
Nessa madrugada fui levado para o último interrogatório. Foi como uma despedida.
- Sabemos que você conhece elementos que estão conspirando, que deve ter contato com alguns deles. Se cooperar conosco, podemos deixá-lo em liberdade e reintegrá-lo em seu trabalho.
- Não conheço nenhuma dessas pessoas, nem tenho contato com conspiradores.
- Esta é a última oportunidade que você tem de sair desta encrenca.
- Eu não sei de nada. Vocês não podem me condenar porque não fiz nada. Não há provas contra mim. Não podem demonstrar nada.
Nessa mesma noite, Carlos Alberto, Richard e eu, com um abridor de latas, começamos a fazer um buraco na parede posterior do banheiro. Íamos tentar fugir. Era tarefa difícil. Trataríamos de retirar o reboque da parede e arrancar o primeiro tijolo. Revezávamo-nos na perfuração. Sabíamos que nos arriscávamos a represálias. Mas nos dedicamos ao trabalho com afinco. No entanto, não conseguimos terminá-lo. Tiraram-nos de lá antes. Nunca soubemos se foi por casualidade ou se algum dos muitos que ali se encontravam era delator ou agente da Polícia Política.
Eram os primeiros dias do ano de 1961. Todo o litoral de Havana estava cheio de canhões que apontavam para o norte. Os Estados Unidos haviam rompido relações com Cuba e o Governo agitava a ameaça de invasão. O vento erguia grandes ondas que saltavam por cima da mureta da avenida que acompanha a costa da Capital. O carro corria a grande velocidade. Passou o túnel da baía e entrou na fortaleza de La Cabaña.
De repente, eu me vi no pátio, no meio daquela multidão de prisioneiros. Não conhecia ninguém. Designaram-me para o pavilhão 12 e me dirigi para lá. Na porta, um preso jovem, de óculos claros, ficou me olhando, sorriu, afável, e me estendeu a mão. Era Pedro Luis Boitel, dirigente estudantil universitário. Combateu Batista na clandestinidade, depois tinha conseguido fugir para a Venezuela, de onde voltou quando o ditador caiu. Havia me reconhecido pelas fotografias publicadas nos jornais. Foi a primeira pessoa que conheci lá e chegamos a ser grandes amigos, como irmãos.
2. A visita
A primeira visita foi de manhã. Homens não podiam visitar os presos. Só permitiam a entrada de mulheres. As revistas que faziam eram humilhantes. Deixavam-nas completamente nuas, sem respeitar sequer as velhas. Entre as mulheres que faziam as revistas havia duas que protagonizaram vários escândalos: "A China" e "Mirta", duas lésbicas que se aproveitavam da situação.
Por muito que minha mãe e minha irmã quisessem ocultar-me a vergonha e a indignação pela revista que tinham sofrido, não conseguiram. Eu as proibi de voltar.
Todas as noites havia fuzilamentos, no "paredão". Os gritos dos patriotas de "Viva Cristo Rei!", "Abaixo o comunismo!" estremeciam os fossos centenários daquela fortaleza. Quando escutava a descarga de fuzilaria, o horror apoderava-se de mim e me agarrava a Cristo com desespero. Compreendi, de repente, como numa revelação súbita, que Cristo não apenas servia para eu pedir-lhe que não me matassem, mas também para dar à minha vida e à minha morte, se chegasse a acontecer, um sentido ético que as dignificasse. Acredito que foi naquele momento, e não antes, quando o cristianismo, além de ser uma fé religiosa, transformou-se em uma forma de vida que em minha particular circunstância só podia se concretizar em resistir, mas com a alma cheia de amor e de esperança.
Aqueles gritos transformaram-se num símbolo. Já em 1963 os condenados a morte eram fuzilados no "paredão", amordaçados. Os carcereiros temiam esses gritos. Não toleravam naqueles que iam morrer nem sequer uma última exclamação viril. Aquele gesto de rebeldia, de desafio, nos instantes supremos; aquela demonstração de valor e integridade daqueles que morriam proclamando seus ideais, podia ser um mal exemplo para os soldados: podia fazê-los meditar.
Na prisão e em situações difíceis há uma necessidade de comunicação urgente com os outros. O amigo novo nos fala de sua vida, de seus filhos, na visita nos apresenta à família. Em apenas alguns dias forjam-se as grandes amizades, estabelece-se um afeto e simpatia muito profundos. Mas, uma tarde, chamam esse amigo para julgamento e ele não volta. E, à noite, é fuzilado. Compreendi muito bem, então, a atitude dos mais velhos, que não queriam conhecer os que ainda não tinham ido a julgamento.
Jesus Carreras era um dos chefes das guerrilhas contra a ditadura de Batista. Operava em Escambray, cordilheira montanhosa da zona central da ilha. Sua coragem pessoal nos combate o havia transformado em um herói lendário naqueles lugares. Mas o comandante Carreras tampouco havia combatido para a instauração de uma ditadura mil vezes mais feroz da que ajudou a derrubar. E Castro mandou-o para o cárcere, como a tantos outros oficiais; Mas contra os de alta graduação havia um ódio especial, como uma fúria. Carrera havia tido atritos com Che Guevara em plena guerra, porque não aceitava a imposição de Castro de situar um comunista como chefe da frente guerrilheira de Escambray. Quando Che Guevara penetrou na zona rebelde controlada por Carreras, este chegou quase a ponto de matá-lo. Che e Castro nunca esqueceram isso. Conversamos com freqüência porque vivíamos no mesmo grupo de liteiras e ele me disse que tinha certeza de que seria condenado à morte por causa daquilo.
Jesus Carreras foi fuzilado. Pelos constantes fuzilamentos, a prisão de La Cabaña havia se transformado no mais terrível de todos os cárceres. E para nos manter sob o terror, começaram as requisições de madrugada.Os pelotões, armados com barras de madeira, correntes, baionetas e tudo mais que servisse para bater, irrompiam nos pavilhões,gritando e batendo sem contemplação.
A ordem que nós, presos, tínhamos era a de sair como estivéssemos. Abriam-se as grades e a turba enfurecida de soldados entrava como uma tromba, distribuindo pancadas às cegas. Os presos, também como uma tromba, tratavam de sair para o pátio. Mas lá, uma fileira dupla de guardas armados de fuzis, com baioneta calada, encarregava-se de fazer com que ninguém ficasse sem sua ração de pancadas.
Muitos saíam meio despidos, de cuecas, ou nus, com sapatos ou descalços. Quando todos estávamos fora, arremetiam contra a gente e batiam com mais sanha. À medida que iam batendo e gritando, os soldados se empolgavam, seus rostos se descompunham. Em cima, no telhado, uma fileira de militares - mulheres, inclusive -, fuzil na mão, contemplava o espetáculo. Entre eles, um grupo de oficiais e civis da Polícia Política que jamais faltavam. O capitão Hernán F. Marks, um norte-americano, havia sido nomeado por Fidel Castro chefe da guarnição de La Cabaña e verdugo oficial. Era esse homem que disparava os tiros de misericórdia e quem dirigia as requisições.Quando se embebedava, coisa que fazia muito freqüentemente, Hernán mandava formar a guarnição e investia contra os presos em formação de combate. Ele mesmo chamava o presídio de seu "couto de caça". Outro de seus divertimentos era passear pelos pavilhões, chamar às grades aqueles para os quais se pedia pena de morte e perguntar-lhes atrás de qual dos ouvidos queria que atirassem. Anos mais tarde voltou para sua terra, os Estados Unidos.
Cada amanhecer La Cabaña despertava com nova interrogação: "Quem vão fuzilar hoje?"
Depois da chamada da manhã, abriam as grades e nos reuníamos no pátio, na interminável fila para tomar o café. O mais jovem do nosso grupo era Carlos Alberto, ainda menor de idade,se bem que em altura nos ultrapassasse a todos. Carlos Alberto havia se casado muito menino e sua esposa havia trazido, na última visita, Gina, filhinha de ambos, de apenas alguns meses. A família de Carlos Alberto estava tentando conseguir que, devido à idade dele, o transferissem para um presídio de menores. Uns dias depois do julgamento foi chamado à sala da chefia do presídio, com seus poucos pertences: ia ser mandado para uma prisão nos arredores de Havana. Algumas semanas depois, tendo conseguido uma lima, cortou os barrotes da cela e fugiu. Conseguiu entrar na Embaixada da Venezuela e, depois de meses de pressões, o governo cubano permitiu que saísse do país.
Carrión, Piñango, Boitel e eu festejamos com júbilo a fuga de Carlos Alberto. Um a menos naquele inferno!
3. Morte após morte
Treze dias tinham se passado desde a madrugada em que fui tirado de minha casa e levado à delegacia para que me fizessem umas perguntas. Nesse curto espaço de tempo a Polícia Política preparou todo o processo. Em doze ou treze dias era materialmente impossível realizar uma investigação, mas assim eram os julgamento. Não me foi possível conversar a sós com o advogado que atuou em minha defesa, nem permitiram a ele acesso ao sumário.
Sobre uma plataforma de madeira, uma grande mesa à qual os membros do tribunal conversavam entre si, riam e fumavam charutos que seguravam num canto da boca, mordendo-os, ao estilo dos valentões. Todos vestiam fartas militares. Era um desses tribunais típicos que se integravam de qualquer jeito, formado por operários e camponeses.
Ao começar o julgamento, o presidente do tribunal, Mário Taglé, colocou as pernas em cima da mesa, forçou para trás a cadeira reclinável e abriu uma revista em quadrinhos. DE vez em quando dirigia-se aos que estavam ao seu lado, mostrava-lhes alguma passagem da historieta que tinha despertado a hilaridade dele e riam juntos. Na verdade, demonstrar atenção e interesse, se bem que fosse cortês, não era necessário e eles sabiam disso. As sentenças já vinham decididas e redigidas da sede da Polícia Política. Dissesse o que se dissesse, fizesse o que se fizesse, a sentença não mudaria.
O promotor chamou o chefe do grupo que me deteve em minha casa.
- O senhor efetuou a prisão do acusado?
- Sim, senhor e fizemos uma revista na casa dele, mas não encontramos nada...
- Cale-se e só responda o que lhe for perguntado! - gritou o promotor, evidentemente incomodado por aquela declaração que era muito favorável para mim diante dos olhos dos poucos espectadores militares presentes; era proibido aos familiares assistirem aos julgamentos e eles nem sabiam quando teriam lugar.
O promotor não pode apresentar sequer uma prova contra mim. Fez-me duas ou três perguntas, principalmente ligadas à minha crença religiosa.
- Então você está de acordo com esses padres que redigem pastorais contra-revolucionárias.
- Eu nada tenho a ver com isso.
- Mas as investigações dizem que você tem muito relacionamento com os padres e que estudou em um colégio católico.
Voltou-se para o presidente do tribunal e lhe disse que eu era um inimigo da revolução e que havia cometido os crimes de estragos e sabotagem, depois recitou um número de artigos que supostamente referiam-se às sanções que eu merecia.
Nem então, nem depois, porque durante vinte anos continuei perguntando, nenhuma das autoridades pôde me dizer onde cometi um delito de estragos. Chama-se assim aos destroços que são ocasionados por uma bomba, um incêndio, um ato qualquer de sabotagem. São algo de concreto, visível, palpável. Perguntei ao promotor onde, em que fábrica, em que estabelecimento, em que data. Não pôde responder, porque nunca fiz nada parecido.
É como se alguém que estivesse sendo acusado de assassinato e perguntasse ao promotor a quem havia matado e este respondesse que não sabia; e se perguntasse pelo cadáver, respondesse que não havia cadáver. Algo assim como ter assassinado um fantasma. Nenhum tribunal em regime de direito teria podido me condenar. Não houve uma só testemunha que me acusasse, não houve quem me apontasse. Sem uma só prova, fui condenado pela equivocada convicção da Polícia Política.
Meu caso não foi uma exceção. Outro dos mais conhecidos foi o dr. Rivero Caro, advogado. Ele nunca esqueceu as palavras do interrogador da Polícia Política, Ildefonso Canales, que visivelmente zangado por não conseguir arrancar, nem com torturas, uma confissão do preso, disse-lhe claramente:
- Sabe o que acaba com você Sua mentalidade de advogado. Você está focalizando sua situação com mentalidade de advogado e se engana. Olhe, o que você declarar em juízo não importa; também pouco importam as provas que você puder apresentar; não importa o que diga, alegue ou proponha o seu advogado; não importa o que diga o promotor ou as provas que apresente; tampouco importa o que pense o presidente do tribunal. A única coisa que importa aqui é o que diga o G-2.
Em algumas ocasiões, os presos que tinham relacionamento com advogados muito próximos da direção da Polícia Política podiam saber, antes da realização do julgamento, a pena que receberiam no tribunal. Foi precisamente um contato como esse que permitiu à velha mãe do comandante Humberto Sorí Marín saber que seu filho, um dos homens próximos de Castro,ia ser fuzilado, acusado de conspiração.
Sorí Marín foi um dos mais estreitos colaboradores de Castro. Lutou ao lado deste nas montanhas e fez parte de seu Estado-Maior. Fez e assinou a lei da Reforma Agrária. Nos primeiros meses de triunfo revolucionário, esses laços apertaram-se mais ainda. Castro costumava almoçar de vez em quando na casa de Sorí Marín, atraído pela excelente cozinheira que era a mãe dele. Por isso, a senhora Marín, quando soube que seu filho ia ser fuzilado, transida de dor foi falar com Castro. O encontro foi dramático. A velha abraçou, chorando, o líder revolucionário que lhe acariciava a cabeça venerável.
- Fidel, eu te suplico.. que não matem meu filho, faz isso por mim...
- Acalme-se... Não vai acontecer nada com Humberto, eu prometo.
E a mãe de Sorí Marín, louca de alegria, ainda com os olhos cheios de lágrimas, beijou Fidel e foi correndo comunicar à família que tinha conseguido. Ela teve esperança que ele o perdoaria, tendo passado tantos perigos juntos, tendo partilhado tantos dissabores e angústias! Aquele passado comum não podia ser esquecido dessa maneira.
Na noite seguinte, por ordem expressa de Castro, Humberto Sorí Marín foi fuzilado.
Os homens que lutaram com Castro para estabelecer a democracia foram enganados; alguns fugiram do país, outros voltaram a empunhar armas ou participavam de planos conspiradores. Já os oficiais e policiais do regime deposto, acusados de crimes que em muitos casos não foram comprovados, haviam sido fuzilados. Aqueles eram dias em que um grupo de senhoras, vestidas de preto, penetrava nos pavilhões aguçando a vista, perscrutando rostos... bastava que uma daquelas mulheres levantasse o indicador para acusar alguém...
- Esse... foi esse que matou meu filho!
Aquele testemunho, sem qualquer comprovação, era o suficiente. O prezo era fuzilado. Essa situação prestou-se a vinganças pessoais, sem nenhum vínculo real com fatos criminosos. Nos primeiros dias de janeiro, 21, exatamente, em uma manifestação diante do palácio presidencial, Castro declarava:
- Os esbirros que estamos fuzilando não passarão de 400...
No entanto, muitos mais já haviam caído diante dos pelotões, naqueles dias de barbárie e morte.
Isto é apenas uma parte do livro que tem 160 páginas. Quem quiser o livro envie-me uma mensagem.