Duvido, portanto, que meu desespero chegue a ser suficiente para eu acreditar que o sací pererê vai aparecer ao lado do meu leito para tornar meu sofrimento mais ameno.
Uma dúvida que deverá confirmar ou não, se você é assim tão "forte", apenas quando aquele "momento supremo" chegar.
Eu não acredito que todos acreditem numa divindade num momento de sofrimento, na beira da morte. Mas é muito provável que numa situação crítica uma pessoa deseje que haja algo que exista para beneficiá-lo, que o ampare nesses momentos. É o apego à vida.
Eu tinha sonhos onde eu tinha poderes sobre-humanos. Por exemplo, alguém disparava contra mim, eu levantava e usava poderes telecinéticos para defender-me e aos que estavam num autocarro (ônibus) sendo ameaçados por terroristas. Já sonhei que um "alien" me matava com a cauda, e podia repetir a cena várias até conseguir sobreviver (como um jogo de vídeo). Eram sonhos marados e acho que os tinha porque havia no meu íntimo uma necessidade de controle sobre a realidade.
Os piores sonhos tinham haver com o dia-a-dia. Para mim eram pesadelos. Lembrar-me da mentira antiga. Tinham muitos sonhos relacionados com a escola e a família. Até sonhei que estava nu na sala de aula (deve ser um clássico). Eram sonhos sobre o medo de não ter controlo.
Quando deixei de me preocupar sobre um mundo que me velasse ou sobre a falta de controlo sobre o mundo, tive sonhos mais interessantes, como se fossem filmes e eu o espectador. Até deixei de ter medo do escuro. Antes via sempre imagens no escuro, depois deixei de fazer caso e agora consigo ver um filme à noite na sala e não ter qualquer de atravessar o corredor para ir ao quarto de banho (privada) e depois ao quarto para dormir.
Já quase me afoguei numa piscina (estava num ponto mais fundo do que pensava), mas não pensei numa intervenção sobre-natural que me ajudasse. Fiquei muito assustado, devo confessar, e só pensei na minha vida. Consegui acalmar-me e subi até estar a salvo.
Tenho uma doença crónica (escrevi sobre ela no "Wikipedia": Crohn) e houve momentos que sofri imenso. Tinha um abcesso próximo do ânus que estava sempre inchando, e numa noite só pensava que ia morrer. Tinha visões estranhas, vendo um monte vertical de cadeiras e mesas que se desmoronaram, e uma agulha enorme para me aliviar ao extrair o pus. Queria que houvesse algo que me ajudasse, mas não pensei em deuses, no além ou em qualquer ser sobre-natural que me ajudasse. Só pensava na agulha. No dia seguinte o abcesso rebentou, tinha os lençóis todos sujos de sangue e pus. Foi um alívio. Fui ao Hospital e foi o início de vários tratamentos.
O mundo não é como queremos. Quando era criança, imaginava que alguma vez pudesse ter poderes como um super-herói. Já desejei que o mundo preocupasse por mim, que houvesse algo que tivesse a intenção de me ajudar.
No "momento supremo" podemos desejar que haja um milagre, mas isso é porque queremos sobreviver. Queremos ser super-heróis, que haja uma intervenção divina ou uma excepção da nossa experiência sobre a Natureza.
Quanto aos que dizem não acreditar em deuses, mas que vacilam no tal "momento supremo", acho que talvez tenha alguma relação com a aposta de Pascal. No entanto há tanta crença, que de qualquer modo o mais provável é que estaríamos condenados se houvesse um caminho certo.
Eu não era, e vou deixar de ser. É a vida.