Como estou sem tempo (e paciência) para dá uma resposta completa, aí vai uma bem interessante:
A Liberação NÃO Eliminaria o Crime!
Ingênua idéia pressupor que o maior, se não o único, problema da questão das drogas é a guerra resultante de sua proibição, ainda mais supor que a legalização eliminaria esta guerra.
É difícil resistir a ver somente duas explicações para uma opinião desta: Ou o indivíduo tem interesse direto em vender e ou consumir drogas, ou é de uma ingenuidade cândida.
Essa dúvida poderia ser eliminada perguntando para qualquer traficante se ele pararia de traficar drogas se elas fossem legalizadas. Que motivo ele teria para isso? Se ele já considera que o negócio vale a pena mesmo tendo que arriscar a própria vida, porque acharia que não valeria se sua atividade deixasse de ser crime hediondo?
A contra resposta do defensor da liberação é tão previsível quanto risível. Ele acha que pagando impostos e arcando com todas as despesas de um comércio legal, muitos traficantes desistiriam da profissão. Uma opinião dessas deve incluir a crença de que Marcola e companhia estão ansiosos para adquirir um CNPJ, pagar direitos trabalhistas e recolher INSS de seus funcionários.
Agora, fazendo sempre o contraponto com a pirataria digital, por acaso a mesma não coexiste com o mercado legal de mídias?
Evidentemente o comerciante que se aventurasse no recém legalizado mercado de drogas nem conseguiria competir com os traficantes que manteriam seu negócio na ilegalidade, com a diferença que de crime hediondo, sua atividade passaria para mero contrabando. Possivelmente seriam considerados revendedores de drogas piratas!
E o que os traficantes fariam com seus armamentos? Os entregariam gentilmente à polícia porque não precisam mais deles? Se até contrabandistas de produtos comuns as vezes praticam outros crimes e brigam entre si, porque os traficantes abandonariam sua vida de violência, ainda mais com a perspectiva inevitável de uma concorrência cada vez maior?
Portanto, O CRIME CONTINUARIA EXISTINDO! Os traficantes não vão abraçar a legalidade integral, vão continuar à margem da lei. Para quem já faz isso com tanta eficiência praticando um dos 5 crimes inafiançáveis previsto na constituição, continuar a fazê-lo praticando um crime mais brando seria moleza.
Os revendedores legais teriam que arcar com altos impostos, principalmente para custear os danos que seus produtos fazem na população, e seu preço final seria muito maior que o dos traficantes.
A Liberação Seria um DESASTRE para a Saúde Pública
Mas com o tempo, empresas legais até poderiam ir aderindo ao comércio, aumentando a disputa de mercado, e a redução drástica do risco da atividade apenas incentivaria mais e mais revendedores ilegais, e a redução inevitável dos custos tornariam as drogas mais e mais baratas e mais acessíveis.
Vamos até imaginar alegremente que a guerra envolvida deixasse de existir. Bem, quem já tem um número de centenas de milhares de pessoas morrendo por ano em consequência do uso de álcool nem sequer precisa de guerra, mas como se não bastasse o estrago inenarrável que as drogas lícitas fazem em nossa vida, como eu disse no texto A Droga da Incoerência, ainda há quem queira trazer MAIS DROGAS para consumo liberado em nossa sociedade!!!
Já temos milhões de famílias desgraçadas pelo abuso do álcool entre seus integrantes, já temos desastres de trânsito que permanecem incólumes apesar de toda campanha do "Se beber não dirija", já temos milhões de vítimas do tabagismo morrendo por ano não sem antes consumirem fortunas em tentativas desesperadas de sobreviver. E então, ainda me vem uma espantosa 'inteligência' dizer que liberar uma miríade de outras porcarias é uma 51!
Dá até pra imaginar os pacotinhos de cocaína vindo com a inscrição "Cheire com moderação", ou quem sabe os cigarros de maconha tragam a etiqueta "O Ministério da Saúde adverte..."
E por falar em Ministério da Saúde, adivinhe quem vai pagar a conta!?
Claro que, invariavelmente, aparecerá alguém fazendo o favor de nos lembrar que em países tal e tal, a liberação deu certo. Contra isso, basta lembrar onde estão os países em questão, qual sua qualidade de vida, qual a parcela de sua população pobre, e se por lá, existem favelas com milícias armadas que desafiam a própria autoridade estatal.
E quanto ao Direito Individual de se Drogar?
Aqui, volto a questão anterior da Disposição Mental em se submeter a alteração psíquica. Repito, querer alterar seus estados mentais é direito de todos, e podemos fazer isso de diversas formas. Quer nos concentrando em certos pensamentos, ou respirando acelerada e profundamente por alguns minutos para induzir a uma sobrecarga de oxigênio**, o que faz um efeito surpreendente.
** Não se anime. Doses extremas de oxigênio podem ter efeitos tão fortes quanto drogas pesadas. Já há até bares de aspiração recreativa de doses de oxigênio em alguns países. É claro que não dá pra proibir ninguém de vender oxigênio, no entanto, os efeitos colaterais do hábito prolongado podem ser tão severos quando os de muitas drogas. Oxigênio em excesso com muita frequência provoca deterioração neural, acelera o envelhecimento e super estimula a produção de radicais livres.
Originalmente, não brado nem mesmo contra a iniciativa de experimentar substâncias incomuns para produzir tais alterações. Eu mesmo já o fiz por meio do Ayahuasca, que é legal, com objetivos místicos, e mesmo assim não pretendo repetir.
Mas por que uma necessidade constante? Por que uma necessidade forte, maior que uma simples curiosidade? Por que uma necessidade tão forte que justifica financiar a dor e o sofrimento de milhares de pessoas?
Em suma, por que existe uma disposição psíquica para que alguém pretenda alterar artificial, e radicalmente, seus estados mentais com tanta recorrência?
Sigamos o raciocínio.
Se você quer mudar seu estado mental momentâneo, é porque considera que o estado para o qual quer mudar é mais desejável do que o atual, não?
Claro. Qualquer um que esteja triste gostaria de ficar alegre. Tudo bem. Mas se você só consegue fazer isso mediante meios artificiais, é porque não consegue fazê-lo espontaneamente. Por isso, está sofrendo de uma deficiência momentânea de controlar seus próprios estados mentais.
Tudo bem. Todo mundo passa por isso. É radicalismo condenar alguém que numa situação isolada decidiu se embriagar para esquecer um grande sofrimento. Estamos todos sujeitos a momentos depressivos.
Mas se você precisa alterar seu estado mental artificialmente com muita frequência, é porque, evidentemente, considera seus estados mentais naturais predominantes insatisfatórios.
Em última instância, se você precisa se alterar frequentemente, com grande necessidade, a conclusão inevitável e que você gosta menos de seu estado normal, e, consequentemente e evidentemente, GOSTA MENOS DE SI PRÓPRIO ao natural.
Isso na realidade é óbvio para quem, como eu, jamais teve necessidade alguma de recorrer a drogas. Eu gosto de como eu sou! Gosto de meus pensamentos, de meus estados mentais comuns. É claro que ocasionalmente enfrento sofrimento, e é claro que já desejei que certo sofrimento desaparecesse. Mas na maioria das vezes não sinto a menor necessidade de mudar o que já sou!
Esse é o principal motivo da pessoa que, mesmo podendo experimentar drogas livremente, não o faz. Porque não sente necessidade. Isso está diretamente relacionado a auto-estima, amor próprio, gostar de si.
Portanto, quem tem a necessidade frequente de se alterar artificialmente sofre de algum problema de auto-estima, ou ao menos, pensa não ser capaz de relaxar e se divertir por si próprio. Fundamentalmente, todo o fenômeno social do narcotráfico repousa na pura e simples fraqueza mental do usuário.
Na sua BAIXA AUTO-ESTIMA!
Uma pessoa que tem deficiência de amor próprio, certamente terá deficiência em amar a outrem, e uma das formas mais claras desta deficiência e sua insensibilidade pelo sofrimento alheio, mesmo porque já está bastante ocupado com o próprio sofrimento. Assim, por que haveria de se importar com as vítimas do tráfico de drogas?
Quem é a Vítima?
Acho detestável a política de tratar o usuário de drogas como uma vítima do tráfico, como se alguma vez ele tivesse sido obrigado a usá-las, ou sequer persuadido por marketing. Casos há deste tipo, mas nem sequer chegam a minoria significativa.
Assim, dá pra entender quando o Capitão Nascimento afirma que "traficante é traficante e amigo de traficante é bandido". Mesmo sem qualquer reflexão filosófica profunda, é uma síntese de tudo o que uma reflexão séria sobre o tema tende a demonstrar. O indivíduo intelectualmente simples pode chegar a essa conclusão por pura sorte, mas também por uma intuição genuína e por vezes mais eficiente que um vasto raciocínio.
Se alguém quer usar drogas, e está disposto a pagar muito caro por isso, fatalmente alguém irá fornecê-las, e se isto é ilegal, a debandada para toda a criminalidade resultante não é somente inevitável, e previsível. Numa era onde tanto se fala em liberalismo econômico, no poder do mercado que emerge da simples troca espontânea de necessidades, deveria ser óbvio que o tráfico de drogas é inextirpável como uma continuidade material de uma cadeia de coisas que começa numa simples disposição mental.
Quase dá pra dizer que, num contexto social e impessoal, o traficante é na verdade a vítima, visto que em sua maioria são pessoas pobres que adentraram a atividade motivadas pelas necessidades de consumo tão devidamente estimuladas em nossa civilização atual, e que, com isso, trabalham servilmente, ainda que de forma indireta, para uma elite economicamente já favorecida que não abre mão deste luxo.
Com certeza o combate ao tráfico de drogas teria mais sucesso se atacasse os consumidores, mas isso é ilusório, afinal, são uma classe social privilegiada, podem ser considerados doentes, mentais, e de qualquer modo, não são diferentes de qualquer amante inveterado do álcool.
A Disposição Psíquica para o entorpecimento é a mesma tanto para os usuários de drogas quanto para os usuários sistemáticos de álcool, como examinei em A Droga da Incoerência. É um problema que tem sido parcamente atacado, recebendo muito menos verba do que o combate direto ao tráfico puro e simples. E não é para menos, tentar se indispor contra o álcool é briga na certa em qualquer lugar que se vá, exceto no A.A., ou talvez em alguns centros religiosos. Há que se louvar a atitude do governo em adotar a tardia Política Nacional sobre o Álcool, ainda que me pareça pouco promissora.
Assim, a verdadeira raiz do problema, o núcleo duro de toda a desgraça, permanecerá praticamente intocado, como quase todos os núcleos fundamentais dos problemas do mundo. Protegido, como se não bastasse, pela própria virtualidade do mental, como por um sistema cultural que não abre mão de prazeres discutíveis independente de quanto sofrimento cause.
Diante da impossibilidade da abordagem real, no entanto, não deveríamos pensar que descambar para o exato oposto seja a solução. É até plausível que se libere uma droga mais leve, como a maconha, visto que seu potencial ofensivo é inegavelmente inferior ao do álcool, e mesmo dos cigarros comuns, e considerando que possui aplicações medicinais e que um de seus subprodutos, o cânhamo, é um tecido promissor. Ainda por cima, é fácil de ser cultivada, até mesmo em apartamentos, como a polícia vive constatando. Aliás o sujeito que planta e consome somente a própria erva ao menos pode ter a consciência tranquila de não estar mais financiando o tráfico.
Mas não é por isso que devemos admitir uma liberação pura e simples. Além de já estar associada ao tráfico de outras drogas mais pesadas, a maconha ainda é uma droga prejudicial a saúde, e com potencial lesivo a sociedade. E ainda que sua liberação seja passível de alguma razoabilidade, o mesmo não se pode dizer de praticamente todas as demais drogas, que seguramente seriam postas na fila da legalização numa eventual liberação de uma droga mais leve.
Ademais, a liberação atende, fundamentalmente, não a uma reivindicação de segurança pública, não uma preocupação com a saúde ou o bem-estar social. A liberação, no fundo, visa nada menos que atender ao mero capricho do dependente mental que considera o uso de drogas necessário ao seu bem-viver. É muita subversão de todo o bom senso querer dobrar o estado e a sociedade em função do puro e simples prazer controverso e artificial.
O único "crime" que pode e deve ser legalizado é mesmo a Pirataria Digital, que nem sequer era crime há pouco tempo atrás, que é praticada ou apoiada pela quase totalidade da população, é que se é ofensiva, só o é para para uma milionária elite que construiu sua fortuna no breve hiato histórico onde a telecomunicação esteve concentrada em suas mãos.
A Tragédia em Tropa de Elite
Nenhuma pessoa decente pode achar que o modo como o BOPE é retratado lidando com os criminosos é louvável, mas é difícil negar que poderia ser de outra forma, devido ao nosso contexto atual. O Capitão Nascimento e seus companheiros, tragicamente, lançam mão do método reprovável da tortura para que consigam cumprir o dever que lhes é imposto. Não tendo acesso a métodos mais sofisticados de combate ao crime, não tendo sequer o apoio aberto da sociedade, e ainda por cima tendo que lidar com um inimigo transmorfo e covarde, fica realmente difícil encarar um suspeito, cuja experiência leva a detectar com altíssima probabilidade de culpa, e não pegar pesado uma vez que se sabe que ele está trabalhando para, ou acobertando, tal inimigo.
Ainda assim, causou surpresa, até aos produtores do filme, o modo como o público tende a ver nos policiais, heróis comparáveis ao norte-americanos Chuck Norris e Rambos da vida. Não deveria ser surpreendente. Por mais que o cinema nacional tenha melhorado, continua preso a fórmulas previsíveis e monótonas de exploração sistemática de tudo o que há de pior em nosso país.
Não parece haver disposição para outra coisa que não exibir nossas favelas, nossos sertões miseráveis, ou nossa já estereotipada corrupção político e social. Para piorar, os filmes que exploram maciçamente o tráfico de drogas tem sido feitos, até agora, do ponto de vista de personagens suficientemente próximos ao tráfico a ponto da visão pessoal dos traficantes acabar sendo privilegiada. O traficante termina sendo visto de forma simpática, se não quase heróica.
Pela primeira vez essa estrutura foi rompida numa grande produção. Desta vez a polícia é vista não somente como um irremediável antro de corrupção, mas também como um local onde existem pessoas honestas querendo fazer o que realmente se espera delas.
Se o Capitão Nascimento, o Mathias e o André são vistos como heróis, é pelo simples fato de que pela primeira vez os personagens centrais de uma trama violenta não são o exato oposto, isto é, vilões ou anti-heróis declarados. Após tanto tempo tendo que aguentar estórias de personagens corruptos, decadentes, asquerosos, ou na melhor das hipóteses, bons e honestos mas fracos demais para se impor como humanos dignos e respeitáveis, personagens como os de Tropa de Elite são tudo o que o público brasileiro precisava para despertar sentimentos de heroísmo e gerar identificação imediata.
Isso tudo, porém, não evita o trágico subjacente. O detestável absurdo do fato de que, numa escala mais ampla, toda aquela guerra é inútil enquanto não tivermos coragem de encarar o problema em toda a sua dimensão. Responsabilizamos o traficante, e passamos a mão na cabeça do usuário. Condenamos o vício, mas toleramos, ou pior, glorificamos, a disposição mental para o entorpecimento. O resultado disso é um conflito sem fim em nós mesmos, que nunca termina, e se manifesta física e socialmente num problema de proporções bélicas.
Pressionados por um crime organizado bem armado, brutal, covarde e que é ainda por cima apoiado por vastas parcelas das elites, não há que se esperar que a polícia aja como se esperaria de um herói romântico. Ela há que endurecer! E se ninguém parece muito preocupado com o fato de que traficantes sejam duramente tratados, todos certamente lamentam os inocentes que serão pegos neste fogo cruzado.
Se bem que isso é chover no molhado, o problema das guerras é justamente o fato de que elas fazem vítimas inocentes. Se as guerras só afetassem os que estão diretamente interessados e envolvidos nela, nao seria um problema!
A tragédia em Tropa de Elite, é que por mais que se lute, não se pode derrotar um inimigo que tira forças sobretudo de nossa própria covardia e contradição. De nossa própria miséria mental
Pode-se dar uma dura nos bandidos, mas esquadrão especial nenhum do mundo irá derrotar um inimigo que se apoia num fundamento inatacado, e que é antes de tudo a viciada disposição mental vergonhosa que leva ao consumo de drogas, principalmente pelas elites privilegiadas.
Uma Droga de Elite.
Marcus Valerio XR
Outubro de 2007
http://www.xr.pro.br/ENSAIOS/ELITE.HTML