Vejo o caráter distinto atribuído ao estado pela esquerda e pela direita, Dono da Verdade, não como uma verdadeira "definição" de cada um destes opostos, mas apenas como uma conseqüência de uma distinção bem mais profunda entre os dois lados: o grau de respeito ao indivíduo como um fim em si próprio.
O grau de respeito ao indivíduo, para mim, é o fator que verdadeiramente distingue uma pessoa "mais à esquerda" de outra "mais à direita".
Quanto mais à esquerda se encontra uma pessoa na "linha da política", mais disposta ela está a sacrificar os interesses do indivíduo em função da coletividade. Por exemplo: a tão falada "justiça social" pode-se resumir, grosso modo, a tirar de uns apenas porque possuem mais para dar a outros apenas porque possuem menos.
Errado. Redistribuição de renda não existe por causa disso.Como o capitalismo é um local onde há a competição dos agentes visando maximizar seus auto-interesses, a redistribuição de renda serve essencialmente para fornecer as condições mínimas adequadas para preparar as pessoas desvalidas para o ambiente de competição.
Se "a essência da filosofia liberal é a crença na dignidade do indivíduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades e oportunidades de acordo com suas próprias escolhas", como já dizia Friedman, então você acha que um analfabeto subnutrido e mórbido que vive no Sertão tem capacidade razoável de auferir renda? Boa parte da pobreza é relacionada não com as drogas ou a vagabundagem, mas com a própria falta de liberdade.A privação de capacidades individuais ocorre neste caso, porque o baixo nível de renda da maioria dos miseráveis dos países subdesenvolvidos tem como razão fundamental o analfabetismo e más condições de saúde, além de fome e subnutrição. Sem a universalização do acesso a serviços que eliminariam tais privações, não há sequer uma chance razoável de os miseráveis terem boa capacidade de auferir renda no mercado e se inserir de forma competitiva no capitalismo.
Não só isso, em muitos casos, não é limitação de renda que uma pessoa excluída socialmente sofre, mas problemas relacionados a outras privações de aptidões, como as relacionados à idade (velhice, por exemplo, principalmente quando certas pessoas são incapazes de acumular um certo montante de contribuição previdenciária ao longo de sua vida por ter trabalhado no setor informal a maior parte da vida), sexo (discriminação sexual, por exemplo), posição social (como assistência à maternidade), localização (área sujeita a inundação, à seca ou a violência), ambiente epidemiológico e outras coisas sobre os quais o indivíduo não tem controle.
E não se deve restringir a atenção a oportunidades inadequadas, mas deve-se preocupar também com os processos que geram a liberdade e com a liberdade de escolha que as pessoas têm.A defesa ativa da facilidade econômica para os mais humildes é um exemplo disso.
Um exemplo. Os trabalhadores autônomos do setor informal perdem muitas oportunidades de escapar da pobreza com suas próprias forças, porque pagam juros bancários e rendas da terra escorchantes no que diz respeito a produção de pequeno porte.Políticas públicas que visem a um melhor acesso dos pobres aos mercados de trabalho, produtos e insumos é o que pode estimular os pobres a saírem da pobreza elevando sua própria capacidade produtiva.
É menos intenso, ou mesmo inexistente (em casos mais extremos), na esquerda, o direito à propriedade: algo muito considerado por pessoas mais à direita.
Quanto mais à direita, mais se defende que cada pessoa deva ser dona do fruto de seu trabalho. Aquilo deve pertencer a ela, é sua propriedade. Quanto mais à esquerda, por outro lado, menos uma pessoa é dona do fruto de seu trabalho, e mais este trabalho é usado em coisas "públicas", coisas que não pertencem a niguém em particular mas que todos têm acesso (mas acesso de uma forma mais restrita à que um homem possuiria se este algo fosse seu).
É daí que nasce as diferentes atribuições que cada um dá ao estado: quanto mais à esquerda, mais se defende um estado grande, uma instituição "representante da coletividade", com mais poderes para agir na esfera do indivíduo com a intenção de beneficiar o coletivo. Quanto mais à direita, por outro lado, menor o estado, justamente por este não ter outra atribuição senão defender o indivíduo o considerando soberano nos assuntos que digam respeito apenas à ele próprio.
A sua proposta libertária, a defesa que há é a da liberdade e da dignidade de ALGUNS indivíduos, mas não de TODOS os indivíduos. Não deixa de ser estranho que um “liberal” veja com “desgosto” que haja a possibilidade de alguns indivíduos em melhores situações serem sacrificados em uma intensidade devidamente quantificada pelo bem de outros, nem que isso implique na liberdade praticamente igual a zero de vários indivíduos.E cooperação compulsória já existe num “Estado da minarquia”, já que este é uma instituição coercitiva no sentido que ninguém tem condições de escolher se quer pagar ou não uma contribuição que financia bens públicos, como segurança e defesa nacional. O argumento do “desgosto com a compulsoriedade” carece de coerência.
Numa sociedade com direitos de propriedades irrestritos, isto é, a não-capacidade do Estado ser uma instituição coercitiva no financiamento por impostos e ter obrigação de prestar alguns serviços essenciais mínimos, os “direitos naturais do indivíduo” podem não proporcionar aos homens a melhor vida possível.Numa sociedade assim, onde existem os fortes e os fracos, os últimos dependeriam tão somente da boa vontade dos últimos para sobreviver. É argumentado que os direitos de propriedade devem existir para que a vida humana seja possível, mas daí extrapolar e dizer deve-se abolir qualquer coerção positiva, não importando as conseqüências, é claramente um erro. Um Estado libertário pode permitir, por exemplo, a existência de gigantescas fomes coletivas (existe privação da liberdade individual maior que a fome involuntária?), sem que ninguém seja obrigado a fazer nada devido aos “direitos irrestritos de propriedade”.
Os “direitos naturais do indivíduo” só são direitos sagrados por causa das conseqüências boas que traz para os homens. Por outro lado, o botãozinho mental dos não-consequencialistas é este: “tal ação é coercitiva, e, portanto não deve ser feita, porque viola a liberdade individual dos que sofrem a coerção”, e nada é falado sobre a liberdade rigorosamente igual a ZERO de muitos indivíduos que pode surgir em conseqüência disso.
A verdade que a cooperação compulsória garante mais a liberdade agregada dos indivíduos que a cooperação voluntária em algumas situações.Caso contrário, não teríamos que ler coisas como a que está abaixo (artigo do economista Olivier Appiax, sobre o fato de haver 44 milhões de americanos que não dispõe de nenhuma forma de cobertura de saúde):
“Nos Estados Unidos, o número de desassistidos nos serviços de saúde cresce, inclusive entre os assalariados que dependem de um seguro pago pela empresa. O alto custo do benefício faz até os empresários sonharem com um sistema público”.
“Em algumas regiões rurais do Velho Sul e em bairros inteiros das grandes cidades americanas, a esperança de vida é mais ou menos idêntica à da Indonésia e da Guatemala. Em Baltimore, está no mesmo nível da Índia1 . Nas reservas indígenas e entre algumas populações afro-americanas das grandes cidades do leste, a expectativa de vida é inferior a 60 anos para os homens.”
E que dizer da eficiência do sistema privado de saúde americano?Veja que o que está escrito abaixo é uma aplicação prática da teoria do economista George Arkelof (aquele que ganhou o Nobel em 2001 junto com o Stiglitz e o Spencer, devido a contribuições sobre a influência da assimetria de informações nos mercados), segundo a qual em “condições nas quais um vendedor de um bem conhece melhor sobre a qualidade deste bem do que o comprador o resultado do funcionamento do mercado não é eficiente”:
“A saúde não é um produto de consumo comum e corrente que ‘os mecanismos de mercado’ possam repartir de forma eficiente e eqüânime. Existe um desequilíbrio fundamental entre o nível de informação que dispõem aqueles que produzem os serviços de saúde e aqueles que os utilizam: a complicação do sistema é tal que, segundo uma série de estudos publicados pela Universidade de Oregon, apenas 11% das pessoas idosas estariam em condições de escolher de acordo com seu interesse entre pagar pelo serviço e o seguro particular.”
“Em novembro de 2002, os dirigentes da Ford, General Motors e da DaimlerChrysler publicaram um texto afirmando: 'Um sistema de saúde público reduz de maneira sensível o custo do trabalho(...) quando o comparamos ao custo do sistema privado equivalente àquele que os fabricantes americanos de automóveis compram das companhias de seguro'.”
Fonte:
http://diplo.uol.com.br/2004-07,a958Isso me fez lembrar uma observação de Amartya Sen em seu livro “Desenvolvimento como Liberdade”.Ele diz que nos países ricos da União Européia, nenhuma Seguridade Social deixam os pobres europeus na situação de “descobertura” que alguns pobres americanos como estas que vemos nos trechos das citações acima. Obviamente, isso inclui os países de modelo de capitalismo mais similar ao americano, como o Reino Unido e o “tigre celta”, a Irlanda.
Qualquer não-fundamentalista de livre-mercado vê problema no livre-mercado produzir um resultado socialmente ineficiente, porque sabe que isso diminui a facilidade econômica de outros capitalistas.Sem falar no estrangulamento na segurança protetora dos mais humildes.