Autor Tópico: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos  (Lida 14252 vezes)

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Offline Adriano

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A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Online: 20 de Dezembro de 2007, 22:35:18 »
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A sociobiologia e a crítica dos antropólogos

Por Gláucia Silva

Criada pelo biólogo Edward O. Wilson, a sociobiologia nasceu nos Estados Unidos, entre o fim da década de 1960 e o início dos anos 1970, com uma proposta de síntese entre dois objetos que são estudados separadamente: as sociedades humanas e as sociedades de outros animais. Os sociobiólogos começaram a considerar que as sociedades humanas apresentam muitos aspectos em comum com os agrupamentos estudados pelos zoólogos, também denominados sociedades, como as colméias e os formigueiros, supondo assim a existência de um estímulo altruísta para formações gregárias entre animais (incluindo aí os seres humanos).

Por vários motivos os antropólogos, cientistas sociais voltados para o estudo das diferenças culturais, discordam completamente da explicação sociobiológica. Assim, logo um ano depois de Wilson ter lançado o seu The sociobiology: the new synthesis, Marshall Sahlins, importante antropólogo norte-americano e crítico ferrenho de seus compatriotas sociobiólogos, publicou, em 1976, um livro intitulado The use and abuse of biology, an anthropological critique of sociobiology, onde analisa minuciosamente todos os raciocínios simplificadores e etnocêntricos desenvolvidos e aceitos pelos sociobiologistas.

Embora não seja possível citar aqui todos os aspectos relevantes do debate (ao qual me refiro também numa publicação intitulada O que é sociobiologia, da coleção Primeiros Passos, ed. Brasiliense), creio fundamental citar alguns móveis dessa controvérsia: (1) o etnocentrismo dos sociobiólogos, que julgam universais condutas e/ou categorias de pensamento presentes somente em algumas sociedades humanas; (2) a “genetização” das culturas humanas pelos sociobiólogos, que atribuem aos genes papel preponderante na explicação dos comportamentos, o que acaba levando a análises reducionistas e que desmerecem a dimensão simbólica das sociedades humanas; (3) o antropocentrismo dos antropólogos, que lidam com as características humanas como se não pudessem ser encontradas, em alguma medida, em outras espécies, ditas naturais; (4) o relativismo cultural aceito pelos antropólogos, que então consideram que os processos sociais só podem ser explicados pela socialização, isto é, pelo aprendizado, nutrindo certo descrédito com relação à possibilidade de aspectos físicos e fisiológicos terem aí interferência e dispensando a busca de universais culturais.

Para ilustrar com apenas um exemplo o etnocentrismo dos sociobiólogos, recorremos ao fato de Wilson enfatizar dois tipos de condutas – egoístas e altruístas –, para explicar as interações animais em sociedade. Essas suas noções são escolhidas pelos sociobiólogos porque elas explicariam a vida em sociedade. Há um pressuposto que o egoísmo é adaptativo – “Farinha pouca? Meu pirão primeiro”. Mas esse, conforme o contexto, também pode ser considerado um comportamento anti-social. Se a sociedade é uma forma adaptativa selecionada pela natureza, então, os seres sociais devem temperar seu egoísmo com uma dose de altruísmo que permita a sobrevivência da sociedade, ou, pelo menos, de meus genes. Nesse caso o altruísmo é apenas a aparência de um egoísmo genético.

A crítica que se pode fazer aos sociobiólogos é que essas categorias não são nem inequívocas (aliás, nada científicas), nem universais, estando ausentes de muitas sociedades humanas que não problematizam suas condutas por esse viés. Hábitos e atitudes que um ocidental poderia facilmente enquadrar como altruísmo ou egoísmo recebem explicações muito mais complexas em sua terra de origem.

Consideramos altruísta aquela pessoa que se dedica aos outros e que é capaz de dar sua vida por um ideal ou alguém. Já no Japão, essas atitudes são encaradas de um ponto de vista totalmente distinto da dicotomia altruísmo/egoísmo. Um trabalho escrito por Ruth Benedict, antropóloga norte-americana, na década de 40, procura mostrar as grandes diferenças que existem entre a cultura japonesa e a dos Estados Unidos. Neste livro, intitulado O crisântemo e a espada ela afirma que morrer pelo imperador, pela pátria ou pelo seu nome de família não significa na sociedade japonesa ser altruísta; trata-se de manter a própria honra, idéia básica que, ao menos na época em que o trabalho foi feito, norteava o sentido da vida na cultura japonesa. Logo, dar a vida em troca da de outrem entre os japoneses não pode ser explicado pelas premissas da sociobiologia que admitem duas categorias classificatórias para essas condutas.

Outra crítica dirigida aos sociobiólogos é o fato de destituírem a sociedade humana de sua dimensão simbólica; só assim podem atribuir unidade a dois fenômenos que embora designados pelo mesmo nome são bastante distintos. Isso acontece com o próprio termo “sociedade”. Os biólogos denominam “sociedade” um tipo de associação existente entre as formigas. Nela há funções diferenciadas assumidas por tipos de formigas que, embora pertençam à mesma espécie, nascem diferentes, umas especializadas na reprodução, outras na manutenção do formigueiro. Os entomologistas também conhecem um comportamento comum entre as formigas que reconhecem um indivíduo morto pelo cheiro e assim retiram-no do formigueiro. Numa experiência, cientistas que estudavam formas de comportamentos inatos, “perfumaram” algumas formigas saudáveis com a substância exalada pelas formigas mortas. Embora vivas, as “perfumadas” eram carregadas para fora do formigueiro; tantas vezes voltassem, tantas vezes seriam retiradas. Só por esse aspecto, pode-se concluir que qualquer comparação entre sociedades de insetos e as humanas merece, no mínimo, extremo cuidado.

Durante décadas, então, a crítica formulada por Marshall Sahlins pôde sintetizar o pensamento quase unânime dos antropólogos sobre a sociobiologia. O acúmulo de etnografias evidenciando a grande diversidade das sociedades humanas e, sobretudo, atestando a importância de se levar em conta seus aspectos simbólicos para a compreensão adequada das diferenças culturais, contradizia a argumentação baseada na existência de uma natureza humana geneticamente determinada e moldada pela seleção natural.

Sem abandonar a argumentação contrária à sociobiologia tecida inicialmente por Marshall Sahlins, os antropólogos puderam, entretanto, ultimamente desenvolver uma auto-crítica no sentido de reivindicar para si também a ambição de re-avaliarem as causas e conseqüências colocadas pelo grande fosso que criamos entre natureza e sociedade. Afinal, o que quer boa parte dos biólogos que se intitulam também “sócio” senão a superação da seguinte dualidade: por um lado, o homem como um ser social, racional, criativo, moral e autônomo; por outro, o homem animal, naturalmente social, que nasce, cresce, se reproduz e morre?

Essa dualidade tem uma longa história, e ela se mostra especialmente bem assentada e desenvolvida em nossa sociedade, a ocidental. Outras sociedades, como a dos Ashuar, por exemplo, estudada pelo proeminente etnólogo francês Philippe Descola, não opõem a espécie humana às demais espécies naturais. Também os Makuna, outro povo da Amazônia, classificam como “gente” as pessoas, os animais e as plantas, já que são todos seres vivos e possuem “vida social”.

Pode-se afirmar que mesmo que as conclusões e os raciocínios excessivamente biologizantes e simplificadores dos biólogos (que se intitulam sócio) nunca tenham convencido – com razão – os antropólogos, a sociobiologia aponta para uma questão importante, que é a da dupla classificação humana: os seres humanos são radicalmente distintos de todos os (outros) animais, mas não deixam de ser animais.

Tim Ingold, influente antropólogo britânico, que, a partir da década de 1980, levanta a questão da “animalidade do homem” de uma forma bastante pertinente, afirma que se enfatizar a singularidade da condição humana não é por si só uma postura antropocêntrica. É a radicalidade da distinção que manifesta um antropocentrismo, e não a distinção em si. Para Ingold, poderíamos trocar a fratura que separa radicalmente a humanidade da animalidade por uma escala que gradualmente as ligasse, reconhecendo em outros animais atributos considerados essencialmente humanos (formas de linguagem, engenhosidade e inteligência). Apoiado em outros autores, ele sustenta que assim como os habitantes das sociedades tribais da África, Américas e Oceania tiveram, no passado, seu pertencimento à humanidade questionado pelos primeiros estudiosos do assunto, os animais podem estar sendo vítimas, de um movimento análogo.

É verdade que o antropocentrismo foi durante muito tempo um aspecto que tornou sem importância, aos olhos dos antropólogos, a questão da “animalidade” do homem; mas não foi o único. O relativismo cultural, extremamente bem aceito na antropologia contemporânea, e cujo exercício propiciou a colocação em causa do etnocentrismo, foi outro. Ele se estabeleceu internamente à disciplina dispensando a procura de universais entre as sociedades humanas de forma a considerar que a diferença (cultural) é a grande semelhança entre os homens. Embora antropocentrismo e relativismo cultural não precisem caminhar sempre juntos, é claro que o segundo associando-se ao primeiro torna ainda mais difícil a busca de superação do corte antropocêntrico entre o animal homem e os outros.

Mais do que tentar um intercâmbio com outras disciplinas, antropólogos como Ingold têm refinado a reflexão antropológica a partir da observação de como outras sociedades classificam a si próprias e pensam a natureza em geral; os antropólogos têm questionado também sua prática, examinando em que medida suas categorias de pensamento refletem um modo de pensar culturalmente referido e historicamente datado. Penso que se trata de um caminho muito mais profícuo do que o dos sociobiólogos, que tentam fazer uma síntese juntando campos científicos de forma a hierarquizar seus objetos. Em outras palavras, o homem é um só. As ciências é que, ao elegeram seus objetos, o dividiram em animal e social. Para se reaver a unidade perdida, não basta reunir disciplinas, mas sim reconstruir o objeto. Voltando a Ingold, podemos concluir que nem as ciências humanas são as únicas que podem explicar as culturas nem as ciências naturais sozinhas podem dar conta de compreender as outras formas de vida e os universos dos animais não-humanos.

Gláucia Silva é antropóloga, professora adjunta da Universidade Federal Fluminense.

http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=17&id=169
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Suyndara

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #1 Online: 21 de Dezembro de 2007, 10:31:33 »
Sabe qual o problema?

Wilson pensou a sociobiologia para todas as espécies de animais, os antropólogos não gostaram de ser taxados de "animais", as feministas da década de 70 detestaram a idéia de um gene para agressividade e daí toda a briga começou  :P

O engraçado é que a hipótese gaia é uma merda e sempre teve apoio do pessoal das humanas  ::)

Acredito que os fatores culturais tornem nossa espécie especial no sentido de "quebrar regras" biológicas, mas não a ponto de simplesmente ignorá-las  :ok: Ou seja, dava pra encaixar as idéias sem essa divergência toda, que aliás só ocorre por falta de conhecimento de causa...

A pergunta filosófica que fica é: existe altruísmo de fato?  :hein:

[]s

Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #2 Online: 21 de Dezembro de 2007, 20:20:10 »
Claro que existe altruísmo, é uma característica da nossa espécie. Os genes da espécie humana são "egoístas", uma coisa leva a outra. Isso é influência do filósofo e economista Adam Smith, que fala sobre o egoísmo humano como motor principal da "mão invisível", que faz gerar a complexidade econômica da sociedade, com o desenvolvimento tecnológico beneficiando a todos. É o altruísmo máximo.
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Nigh†mare

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #3 Online: 21 de Dezembro de 2007, 20:39:39 »
Claro que existe altruísmo
:ok:


..., é uma característica da nossa espécie.
:no:


Os genes da espécie humana são "egoístas", uma coisa leva a outra.
:hein:


Isso é influência do filósofo e economista Adam Smith, que fala sobre o egoísmo humano como motor principal da "mão invisível", que faz gerar a complexidade econômica da sociedade, com o desenvolvimento tecnológico beneficiando a todos. É o altruísmo máximo.
:stunned:

Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #4 Online: 21 de Dezembro de 2007, 20:50:40 »
Princípio da descrença.        Nem o idealismo de Goswami e nem o relativismo de Vieira. Realismo monista.

Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #5 Online: 21 de Dezembro de 2007, 20:54:03 »
Citação de: Wikipédia
Altruísmo Recíproco é umas das teorias da sociobiologia. A evolução do altruísmo recíproco foi proposta por Robert Trivers em um trabalho de 1971. Ela se baseia nos conceitos de economia e matemática como a teoria dos jogos (ver: dilema do prisioneiro), em que participantes de uma relação podem obter vantagens mútuas se cooperarem.
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Atheist

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #6 Online: 22 de Dezembro de 2007, 04:37:15 »

A pergunta filosófica que fica é: existe altruísmo de fato?  :hein:

[]s

I don't think so...

Atheist

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #7 Online: 22 de Dezembro de 2007, 04:38:21 »
Citação de: Wikipédia
Altruísmo Recíproco é umas das teorias da sociobiologia. A evolução do altruísmo recíproco foi proposta por Robert Trivers em um trabalho de 1971. Ela se baseia nos conceitos de economia e matemática como a teoria dos jogos (ver: dilema do prisioneiro), em que participantes de uma relação podem obter vantagens mútuas se cooperarem.

O que não passa de egoísmo...

Offline Herf

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #8 Online: 22 de Dezembro de 2007, 08:00:43 »
Os genes da espécie humana são "egoístas", uma coisa leva a outra.
:hein:
É que, em muitas espécies, inclusive a nossa, o ato de cooperar muitas vezes torna-se vantajoso para o indivíduo. Mas é um altruísmo decorrente do egoísmo, quero dizer, "só sou atruísta contigo porque isso me traz, neste caso, mais vantagens do que se eu fizesse as coisas sozinho".

Nigh†mare

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #9 Online: 22 de Dezembro de 2007, 17:39:32 »
Sim, mas egoísmo e altruísmo são antíteses. O altruísmo, para ser altruísmo, pressupõe ausência de satisfação de interesses pessoais, à exceção da própria satisfação pessoal de fazer o bem a outrem (por ela mesma).

Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #10 Online: 23 de Dezembro de 2007, 08:50:30 »
O que me parece, é que, o fato dos genes serem "egoístas", não impede as atitudes altruistas dos indivíduos, mesmo que seja uma atitude de auto-engano. Os genes são mais da espécie do que da espécime. Assim não tem sentido um indivíduo falar "meus genes", e sim sobre os genes das populações, no sentido biológico. No final das contas a evolução não ocorre no indivíduo, muito menos nos genes de um indivíduo.

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Narkus

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #11 Online: 24 de Dezembro de 2007, 03:27:39 »
Dawkins sempre fala do tal "fundo" de genes de uma população.

No "O Gene Egoísta" Dawkins exemplifica algumas situações interessantes, mas bem a grosso modo.

Eu me lembro sobre as disputas onde a intimidação favorece tanto o vencedor quanto o derrotado pois ambos não se machucam e nem gastam energia com confrontação. Normalmente o macho maior, mais forte e com mais capacidade de intimidação vence e o mais fraco cede a posição de domínio.

Tinha um outro sobre comportamentos generoso, egoísta e rancoroso. O generoso ajuda cegamente, o egoísta aceita ser ajudado mas não retribui, o rancoroso uma vez traído por um egoísta não ajudará mais este último.

E dawkins relata sobre o provável equilíbrio que justifica a existência de muitas estratégias de altruísmo onde aparentemente uma sociedade predominantemente de indivíduos "rancorosos" sejam a ideal. Os egoístas só seriam beneficiados se tivesse um número consideravelmente alto de "generosos". Mas numa sociedade de predominância de indivíduos rancorosos os indivíduos generosos não seriam prejudicados, não havendo qualquer pressão contra o "generoso". Mas bastaria surgir alguns "egoístas" em meio a tantos "generosos" para novamente equilibrar etc.

É claro que é uma análise muito grosseira estabelecer apenas 3 esteriótipos de comportamentos egoísta/altruísta, mas serve pra reforçar a certeza de que o comportamento altruísta é extremamente favorável em diversas espécies.
Uma sociedade de uma determinada espécie que seja muito "egoísta" poderá se extinguir com mais facilidade.

Offline Buckaroo Banzai

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #12 Online: 24 de Dezembro de 2007, 12:47:49 »
Essa questão de altruísmo "puro" existir, ou dessa distribuição de altruísmo, rancor e etc em populações humanas, independe de genes específicos para isso. Não que não possa ter qualquer variação genética influindo nisso, de qualquer forma.

Por exemplo, não precisamos pensar em termos de aptidão/reprodução para dizer que o altruísmo não é "puro", basta argumentar que o altruísmo traz satisfação ao altruísta, e essa auto-satisfação já é uma motivação egoísta. Alguém faria algo que beneficiasse a outra pessoa voluntariamente, mas sem ter nenhuma satisfação com isso? Não, sempre tem algum interesse por trás, mesmo que seja apenas para dizer que fez o que tinha que fazer, apesar de fazer a contra-gosto.

Se quem faz isso teria mais filhos e netos/transmitiria mais genes do que alguém que não faz, ou como o nível de altruísmo entre humanos influencia no sucesso reprodutivo das pessoas, nem precisa ser colocado em questão, e pessoalmente, acho que é algo bem insondável, um modelo sobre isso seria muito artificial para ter qualquer utilidade em se pensar.

Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #13 Online: 24 de Dezembro de 2007, 13:43:08 »
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Retórica inundante

A sociobiologia está hoje inundada por expressões metafóricas. Além da venerável «sobrevivência dos mais aptos», temos as «estratégias», os «egoísmos», os «altruísmos», as «malevolências», os genes «maus», «bons», «inteligentes», e «egoístas» ; a «batalha» dos genes, o «escravo», a «exploração», a «fêmea adúltera», a «violação», o «marido enganado», o «intrujar», a «timidez», os «custos» e os «benefícios», e tantas outras metáforas aplicadas a biomoléculas e a animais, num desenfreado antropocentrismo. Em substituição do vocábulo «altruísmo» foi proposta a expressão «social donorism» (G.C. Williams e O. C. Williams), mais neutra, com menos carga emocional. Mas o resultado foi, segundo parece, nulo. Existe uma tendência, em muitos casos não premeditada, para projectar comportamentos humanos na sociedade animal, e vice-versa, o que pode, a meu ver, explicar a resistência à utilização de termos directos e de sentido neutro.

Trecho de: O abuso da metáfora em biologia
e seus perigos


A problemática semântica se estende a divulgação científica, atrapalhando o entendimento de conceitos e de teorias diversas. O mesmo ocorre na simplificação antropomórfica dos genes, como sendo egoista, já que não tem relação tão direta com o egoísmo humano. O mesmo ocorre com o altruísmo, um vocabulário muito pobre e simplista para descrever a complexidade social das populações animais e humanas.

O texto faz uma certa oposição entre a sociobiologia e a antropologia, pois o elo perdido, que liga a humanidade ao animais é muito extensa, mas a chave para a melhor compreensão entre o mundo natunal e a civilização humana.
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Offline Buckaroo Banzai

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #14 Online: 24 de Dezembro de 2007, 14:09:48 »
Não acho que haja exatamente um abismo entre a humaindade e animais. Somos animais.

Isso não significa que entenderemos tudo sobre os humanos apenas com exemplos e generalizações de outros animais. O mesmo vale para todas as outras espécies: não se entenderia os elefantes sem aceitar que eles, ao mesmo tempo em que são uma espécie animal, têm características únicas como espécie.

De forma similar, não dá para entender um computador ou uma TV apenas através de analogias de um com o outro, sem perder muita coisa importante. Não significa que algum deles seja "especial", que não seja só uma máquina.

Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #15 Online: 24 de Dezembro de 2007, 14:15:45 »
Não existe mesmo um abismo, não existe uma origem divina do ser humano, mas o uso exagerado de explicações da sociologia animal para a espécie humana tende a ser desastrosa. E isso é muito comum nesses papinho de genes isso, ou genes aquilo, para querer explicar o comportamento da civilização.

Nisso sim há um abismo de diferenças sociais, entre o animal humano e os demais animais sociais. O texto aborda bem essa questão, e o uso de metáforas na sociobiologia também contribui para esse entendimento.  São questões práticas e empíricas da humanidade, que fogem da explicação biológica de maneira satisfatória. Claro que dando o seu devido valor as contribuições que deram e que muito ainda vão oferecer ao entendimento das ciências humanas.
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Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #16 Online: 24 de Dezembro de 2007, 14:23:14 »
Um exemplo é a teoria do ciclo intergeracional da pobreza. Ela descreve a desigualdade social persistente através de um investimento maior das famílias em capital humano, o que explica em grande parte a pobreza, que não tem como investir nas gerações futuras, herdando assim a situação socioeconômica. O inverso com os mais ricos.

Está muito ligado a teoria da seleção parental. As melhorias de oportunidades para toda a sociedade seria um avanço para os moldes da teoria do altruismo recíproco. E nisso ocorre uma adaptação do evolucionismo biológico para o evolucionismo cultural. São bons modelos explicativos, através de nossos instintos animais (altruismo), que não deixam de agir na sociedade.
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Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #17 Online: 24 de Dezembro de 2007, 14:51:39 »
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A existência de um problema é o ponto de partida para a aprendizagem nos seres vivos de um modo geral. Em verdade, para Popper, o conhecimento humano cresce por um processo que é de tentativa e eliminação de erro. Os seres vivos estão empenhados em resolver problemas, sendo os mais prementes os da sobrevivência.
A mutação (tentativa) e a seleção natural (eliminação de erro) determina que os seres vivos tenham órgãos e
comportamentos que lhes possibilitam resolvê-los; assim as características de um organismo vivo podem ser
vistas como soluções dos problemas de sobrevivência. Nesse nível as tentativas (mutações) são ao acaso e
inconscientes. As tentativas mal sucedidas são eliminadas por seleção natural. As tentativas bem sucedidas
sobrevivem com o organismo; entretanto, a sobrevivência passada não garante a sobrevivência no futuro pois, se
houver, por exemplo, uma mudança no ambiente, o ser vivo poderá não estar adaptado.
"Desde a ameba até Einstein, o crescimento do conhecimento é sempre o mesmo: tentamos resolver nossos problemas e obter, por um processo de eliminação, algo que se aproxime da adequação em nossas soluções experimentais"
(Popper, 1975, p. 239).
A diferença entre a ameba e Einstein está nas suas atitudes em relação ao erro. Diversamente da
ameba, Einstein tentou o melhor que pôde, cada vez que lhe surgia uma solução, mostrá-la falha e descobrir um
erro: ele tratava criticamente as suas soluções. A ameba, se tiver uma solução errada, será muito provavelmente
eliminada junto com ela. “Podemos portanto dizer que o método crítico ou racional consiste em deixar que nossas hipóteses morram em vez de nós” (Popper, 1975, p. 227).

Trecho de: A filosofia da ciência de Karl Popper: o racionalismo crítico

Esse embasamento biológico da teoria de Popper é que considero o pulo do gato. Ele percebe a disputa das teorias (memes?), de forma análoga a seleção natural, ocorrendo um avanço da ciência através desse mecanismos, onde as teorias e hipóteses se degladeiam, onde a teoria mais forte, que tem evidências empíricas e é refutável, sobrevive.

O que entendo como a principal diferença entre o altruísmo e o egoísmo, é a valorização da vida, onde a idéia de liberdade de expressão é o auge desse sentimento benevolente. Na natureza, a idéia é de muita crueldade, onde o mais forte, para fazer valer a sua força, precisa matar o mais fraco. São os animais predadores, as mais belas e mais elaboradoradas máquinas replicadoras.
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Suyndara

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #18 Online: 28 de Dezembro de 2007, 16:33:41 »
Eu gosto bastante de sociobiologia e acho que é o tipo de assunto legal pra se discutir, até mesmo em mesa de bar  :P

A questão do altruísmo é bem complexa, pq de fato sempre existe um tipo de egoísmo associado  ::)

Eu pensei muito sobre isso nesse natal: se a capacidade humana de sentir compaixão pelos seus semelhantes é maior ou não do que o ódio e agressividade que uma situação de simples sobrevivência requer...o ser humano é capaz dos dois extremos e isso definitivamente não pode ser genético  :ok: (ou seria?  :?)

 ::)

Offline Adriano

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #19 Online: 28 de Dezembro de 2007, 19:59:29 »
Eu acredito ser algo genético, relacionado ao atruismo recíproco, uma evolução da seleção de parentesco. Embora seja uma atitude genuinamente altruísta do indivíduo, é algo programado geneticamente.

Em filosofia, Adam Smith escreveu a Teoria dos sentimentos morais, que descreve bem o altruismo humano. Embora ele também tenha dito que é do egoísmo individual que surge a divisão do trabalho e não do atruísmo. Ocorre que altruísmo é um processo de cooperação, e não uma atitude que traga algum prejuízo para o próximo.
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Suyndara

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #20 Online: 02 de Janeiro de 2008, 10:06:00 »
Os artigos do Smith são bem interessantes  :D

Eu sinceramente sou bióloga demais para acreditar em altruísmo puro  ::) (cooperação mesmo a gente só vê qdo o interesse coletivo supera o individual)

Mas também acho exagero essa idéia de determinismo genético, já que a expressão de uma característica sempre sofre influencia do meio (e aí cabe a questão da escolha pessoal, da ética e moral de uma cultura, entre outros. O preço de ser humano é ter que controlar os instintos  :P)

Nas últimas décadas existe uma tendência muito grande de tratar da formação das sociedades utilizando os mesmos parâmetros e conceitos da evolução biológica, não sei se já ouviu falar nos trabalhos de Gell Man, com sistemas dinâmicos, esse é um dos gráficos mais interessantes:



E se como demonstra os estudos, isso é mesmo verdade, então o altruísmo na espécie humana também não é mera bondade, é apenas egoísmo disfarçado  :ok:

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Offline FZapp

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #21 Online: 02 de Janeiro de 2008, 11:15:35 »
Altruísmo Recíproco é umas das teorias da sociobiologia. A evolução do altruísmo recíproco foi proposta por Robert Trivers em um trabalho de 1971. Ela se baseia nos conceitos de economia e matemática como a teoria dos jogos (ver: dilema do prisioneiro), em que participantes de uma relação podem obter vantagens mútuas se cooperarem.

O que o Nightmare ressaltou foi o fato de vc dizer que é somente humano... não vejo porque, se existe altruísmo, seja somente humano. Aliás, procure no texto que vc ressaltou sobre altruísmo se diz que é uma característica somente humana. Justamente, ao meu ver, a sociobiologia traz esse componente interessante: somos humanos, mas antes que nada somos animais, e como outros animais, temos a nossa sociedade.

Acho que gostaria bastante, se não leu, de ler 'Tábula Rasa' de Steven Pinker. Aliás, dedica um capitulo inteiro às criticas à sociobiologia e ao caráter político que a questão acabou tomando...
« Última modificação: 02 de Janeiro de 2008, 11:27:58 por JCatino »
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Si hemos de salvar o no,
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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #22 Online: 02 de Janeiro de 2008, 11:17:30 »
Os artigos do Smith são bem interessantes  :D

Eu sinceramente sou bióloga demais para acreditar em altruísmo puro  ::) (cooperação mesmo a gente só vê qdo o interesse coletivo supera o individual)


Você gostaria de definir altruísmo com as suas palavras ? Acho melhor antes de eu ficar dando opinião onde talvez entendi as coisas de um jeito equivocado.

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #23 Online: 02 de Janeiro de 2008, 11:25:15 »
Sim, mas egoísmo e altruísmo são antíteses. O altruísmo, para ser altruísmo, pressupõe ausência de satisfação de interesses pessoais, à exceção da própria satisfação pessoal de fazer o bem a outrem (por ela mesma).

Talvez a nossa mente doida por armonias simetrias os coloque como antíteses, mas não tenho certeza de ser antítese de fato.
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Offline Luis Dantas

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Re: A sociobiologia e a crítica dos antropólogos
« Resposta #24 Online: 02 de Janeiro de 2008, 12:37:07 »
Na prática até mesmo religiões como o Taoísmo basicamente declaram que verdadeiro altruísmo é muito para se esperar encontrar em um ser humano. 

O que existe, isso sim, é um comportamento altruísta baseado em proteção de laços de confiança e cooperação.  Mas a origem última é de fato o desejo por nosso próprio conforto e segurança.

O que não desmerece a ninguém, diga-se.  Pelo contrário até.
Wiki experimental | http://luisdantas.zip.net
The stanza uttered by a teacher is reborn in the scholar who repeats the word

Em 18 de janeiro de 2010, ainda não vejo motivo para postar aqui. Estou nos fóruns Ateus do Brasil, Realidade, RV.  Se a Moderação reconquistar meu respeito, eu volto.  Questão de coerência.

 

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