Eu já acho que os filhos são uma responsabilidade da sociedade como um todo, não do casal.
Quem pensa que são só os pais propriamente ditos que lidam com as consequências de um nascimento não está prestando atenção aos fatos.
Eu me lembro de que foi uma das primeiras discussões que tive com o Raphael aqui no fórum; ele alegava que é automaticamente benéfico trazer novas crianças ao mundo e eu achava essa uma postura extremamente ingênua (não mudei de opinião). Cada criança nova merece um certo espaço, respeito, proteção e direitos, e essas coisas simplesmente não podem vir apenas de um único casal, por mais dedicado e meritório que ele seja.
Como eu disse para Raphael na ocasião, "ter um filho é uma das decisões mais invasivas que qualquer pessoa pode tomar".
Tenho muito respeito e admiração por quem se dedica a esse desafio, mas nem por isso vou compactuar com esse mito de que é "decisão individual" ou mesmo do casal; NÃO É, e de fato nunca foi.
Quem realmente cria os filhos é a família extendida (incluindo tios, avós, primos) e até mesmo a sociedade como um todo. Os pais são por assim dizer a "linha de frente". Não acho justo abandonar os casais (e menos ainda os pais solteiros ou separados), mas também não acho justo atribuir a eles um mérito exclusivo que eles não tem; tanto a responsabilidade quanto o mérito transcendem aos casais, pais e mães.
E, sinceramente, estou farto de ver gente posando de mais merecedora só porque tem filhos e eu não. Como se eu estivesse de alguma forma magicamente protegido das consequências de quando quem tem filhos erra a mão. Como se eu não me visse consistentemente pressionado a ser compreensivo e, sim, inclusive socorrer financeiramente famílias que não contribuí para pôr no mundo. Como se eu próprio não fosse fruto de uma situação familiar e pagasse as consequências por isso.
Talvez eu tivesse mais paciência para esse tipo de postura se não visse tanta gente falhando tão espetacularmente em cumprir com as obrigações mais básicas e evidentes da criação de filhos. Aparentemente é mais digno, ou pelo menos mais perdoável, ser mais um entre os muitos que não dão conta dos próprios filhos do que ser um que renuncia às alegrias de ter quem me chame de pai para poder estar mais disponível, menos comprometido e no fim das contas pesar menos para os outros...
Eu acredito no valor da compreensão e da solidariedade, mas tudo tem limite. Se ter um filho é algum tipo de passaporte para ser perdoado e protegido por todos, então vou entrar na fila. Mas se, como penso, é pelo contrário um compromisso sério que traz obrigações e consequências que se perpetuam geração após geração, então por favor tenham alguma consideração por quem percebe que isso não é brincadeira.