(Posso estar fazendo uma réplica, mas achei este seu post excelente, digno que impressão e placa comemorativa)
Obrigado
É um assunto muito interessante.
Afinal, no que essas coisas diferem tanto dos sistemas nervosos mais simples, que se supõe terem alguma forma de experiência subjetiva? Meio que ambos são "computadores", circuitos eletrétricos ou eletroquímicos, mudam um pouco os materiais. É difícil então dizer o que é que causaria a consciência ou não. Seria a atividade elétrica nessas coisas, reagindo de acordo com "inputs" ambientais?
Não, é o conjunto de circuitos e a relação entre o estímulo e o 'banco de dados de respostas' que precisa de uma análise para cada situação.
Veja, no ser humano exitem vários níveis de consciência, há vários 'pensamentos' concorrentes, cada um deles derivado da relação ente estímulo-banco de respostas-tomada de decisão. Esse conjunto todo e a ilusão do eu me fazem deduzir que existe um 'eu' que comanda.
O que chamamos de consciência deriva de uma quantidade e qualidade altas dessa mesma relação.
Isto invalida, claro, a especulação de se somente os humanos termos ou não consciência. Com certeza polvos tem muitas qualidades cerebrais que poderiam ter desencadeado um grau de consciência como a humana; mas eles tem uma sociedade bem diferente então não a desenvolveram como nós. Então, se comparar somente os mecanismos neurais necessários, pode achar que somos iguais. Mas os mecanismos congnitivos humanos, herdados de mamíferos, são muito mais complexos no que tange às ncessidades de socialização dos indivíduos, e foram a base pelo qual nasceu o que chamamos de consciência.
Primeiramente, eu concordo de certa forma, acho que a consciência tenha uma origem mais antiga na árvore filogenética, talvez até algumas origens independentes, e ao mesmo tempo não me parece, intuitivamente, nada razoável cogitar que a consciência exista em coisas como calculadoras, termômetros ou moléculas.
Tem um livro do Carl Sagan no qual ele dá um palpite interessante, sobre que talvez outros animais mais próximos tenham um nível de consciência similar ao que temos quando sonhamos, quando, se não me engano, funções do córtex frontal e do lado esquerdo (isso pode estar desatualizado e errado, mas acho que era isso que ele disse no livro) "tiram uma folga". Nos sonhos, não temos a mesma capacidade de reflexão, tanto que somos enganados pelas invenções mais idiotas da nossa mente. Os sonhos lúcidos seriam essas partes que deveriam estar "dormindo" durante o sonho, por alguma razão, voltarem a prestar atenção às ilusões criadas para o homúnculo, e percebem que aquilo tudo não é real. Por algum motivo isso me parece muito mais satisfatório do que os outros animais serem desprovidos de consciência como se fossem autômatos.
Mas o engraçado disso tudo é que, não importa, mesmo que cheguemos a um ponto na árvore filogenética que pareça mais razoável, ainda nem resvalamos no "problema difícil" da consciência, a questão do que são, e
como são produzidos (e não apenas quais seus correlatos neuronais) esses "espectadores", que achamos que devem existir em diversos graus de inteligência nos animais, mas que duvidamos para alguns, e praticamente todos excluem para seres sem sistema nervoso ou máquinas com circuitos eletrônicos, por mais complexos que sejam.
Tudo isso que você disse, sobre estímulos, bancos de dados, interações com o ambiente, e etc, teoricamente seria concebível existir sem a necessidade desse "espectador" se originando de alguma forma, a menos de maneira quase metafórica.
Se a maioria dos animais veio vivendo há milhões de anos sem experiência subjetiva, muito bem, obrigado, então por que ela seria adaptativa?
Mas eu vejo claramente que houve uma complexidade cada vez maior de relação com o ambiente, então sim animais tem experiência subjetiva, até me atrevo a dizer que podemos constatar em muitos mamíferos a ilusão do eu.
Há algum tempo li ou ouvi que os ratos sonham; que puderam inferir que provavelmente eles estavam "reprisando" os mesmos acontecimentos do dia (passar por um labirinto). E parece que depois disso, ele criava novos labirintos no sonho. Não lembro exatamente como se davam essas inferências.
Pela homologia conosco, me parece muitíssimo razoável, praticamente certo, supor que ele estivesse "vendo" esses sonhos, e que também "viu" os acontecimentos reais.
Por outro lado, há o problema da "visão cega" em humanos, que talvez possa ser extendido para criar zumbis filosóficos totais, talvez até menos problematicamente se for em algo mais simples como um rato. Provavelmente ele teria a mesma "leitura" no imageamento cerebral, já que há todo esse fluxo de dados, tal como há na visão cega o fluxo dos dados visuais até algum processamento que passa "por trás" da consciência. Talvez então o que quer que crie a consciência no cérebro, só tenha aparecido mais recentemente, e não sabemos bem quando (e não estamos nem chegando perto de falar o que é, do que são "feitos" os qualia).
Para visualizar o problema, por algum motivo me parece ser mais fácil tentar imaginar um hipotético robô avançado que fizesse o mesmo, ou ainda, preferencialmente, um hipotético robô
praticalmente totalmente mecânico, talvez eletro-mecânico, sem circuitos eletrônicos, só engrenagens, rodas dentadas, molas, cordas, correntes, etc; com memórias armazenadas em cartões perfurados, que vão sendo levados de um lugar para outro por cordas, roldanas e túneis pneumáticos.
É possível imaginar uma sociedade feita dessas "coisas", seja dos robôs de tecnologia eletrônica, ou dessas hipotéticas obras genias puramente mecânicas, que funcionasse, que tivesse interações sociais diversas, cujos indivíduos analizassem situações, discutissem entre si fazendo trocas de dados, etc. Mas por algum motivo, para essas coisas, parece bem menos plausível, praticamete ridícula a hipótese de gerarem um espectador dotado de qualia, como nossos corpos/cérebros produzem; principalmente para os seres feitos apenas engrenagens mecânicas, e em menor grau, para os com cérebros e sentidos eletrônicos.
O que de certa forma nos leva (ao menos a mim) à estaca zero, a concluir que não temos idéia do que seja, e por mais ridícula que pareça a idéia de "coisas" terem qualia como nós, isso não pode ser excluído como possibilidade, até que de alguma forma possamos provar que o nosso substrato material (ou algo bem parecido) para esses fluxos de informações seja algo mais ou menos "especial", a única coisa capaz de gerar qualia, que nem sabemos o que é!
Podemos especular... mas fica praticamente no nível de "invenção", quase filosofia de botequim... talvez... talvez os qualia sejam mais ou menos um tipo de fenômeno quase que inerente à sistemas materiais diversos, algo relacionado a trocas de informações... mas talvez eles dependam da velocidade dessas trocas de informações, então isso faria que o robô de engrenagens mecânicas deixasse de ser um candidato plausível para ter qualia; robôs eletrônicos por outro lado, seriam automaticamente promovidos a candidatos fortíssimos, e tão fortes que teríamos que igualmente propor, eu imagino, níveis de consciência mais ou menos análogos aos que se imagina que tenham os animais "inferiores", a aparelhos eletrônicos como PCs e calculadoras. Talvez possamos plotar diversos níveis de consciência num gráfico com dois eixos, um para nivel de complexidade, e outro para simplesmente distanciarmos em algo coisas que sentimos que, se tiverem experiências subjetivas, são de alguma forma, diferentes das nossas. Mais ou menos como, a diferença que há entre a audição e a visão, mas para sentidos/níveis de experiência que nós humanos nunca experimentamos, talvez nem outros animais.
E ainda assim... não se está absolutamente em nada, dando conta to "problema difícil" da consciência...
Acho que isso só poderá ser feito através de experimentos arriscados e de ética bem duvidosa envolvendo o cérebro. Meio como um experimento mental que alguém propôs, não lembro quem. Descobre-se que tal área do cérebro faz isso e aquilo, descobre-se o "código neural" e constrói-se algum chip que consegue realizar a mesma função e conversar com as áreas adjacentes no código neural. Substitui-se, e, supostamente, dá no mesmo. Mas talvez em algum ponto, algo no modo como o mesmo resultado é alcançado pelo chip, difere de forma a não produzir mais a consciência... aí teria-se essas diferenças para se investigar...
Ainda assim... estaria se investigando agora correlatos materiais, em vez de especificamente neurais, da consciência... e não o que ela "é" em sua natureza mais "imediata".
Eu sou realmente impedido de rejeitar como cogitável o tipo de dualismo proposto pelo Chalmers (acho que ele é o principal propositor disso), mas ao mesmo tempo é desconfortável por que
também não explica nada realmente, pelo que eu entendi.... é quase uma caixa-preta... não muito diferente de se supor que existam também "almas", apenas mais parcimonioso por não chegar a esse nível. A vantagem é que talvez abra um novo "campo" de explicações, meio como não se pode esperar das coisas subatômicas que sigam exatamente as mesmas regras do mundo "macro". Não se sabe exatamente o que é um quark, uma partícula virtual ou qualquer uma dessas coisas malucas... não são exatamente a mesma coisa que os seus análogos "macro" em versão ultra miniaturizada... tem propriedades especiais... talvez, o fenômeno da experiência subjetiva também seja produzido por coisas que não se pode entender apenas por analogia aos mecanismos conhecidos, tendo regras extras para o seu "mundo".
Acho importante terminar com algumas notas "anti-
woo", tendo dito isso tudo. Isso tudo não quer dizer que podemos aceitar coisas de paranormal, espiritismo, dualismo de algumas correntes cristãs, que há uma "alma" e etc... nada disso é exatamente "favorecido" por essa perspectiva, seriam saltos lógicos, tão grandes como imaginar que, já que os físicos e astrofísicos "inventam" todas essas coisas de supercordas, branas, multiverso e etc, então deve haver algo como um "chocolativerso", um universo no qual todas as partículas são de chocolate; e um "bizarroverso", um universo no qual todos os humanos compreendem perfeitamente a natureza de todos os fenômenos mas estão se esforçando para deixar de entender, as universidades sendo instituições de criação de ignorância, e havendo prêmios análogos ao Nobel, mas para a burrice.
Eu acho que essa questão toda possivelmente nunca será respondida de forma totalmente satisfatória, no mesmo nível que podemos entender por exemplo, a atividade muscular ou resistência de materiais. Podemos observar esses fenômenos, mas é complicado "observar a experiência", "observar a observação", o subjetivo. Não temos como saber se você "usa" para rotular as ondas de luz na faixa do "vermelho" o mesmo qualia que eu uso, ou se é o que eu uso para o verde (ainda que possamos suspeitar disso, caso algum de nós seja daltônico, mas me refiro a simplesmente a hipótese de se ter os qualias todos trocados), ou se é ainda cada um de nós cria cores inimagináveis para os outros. Acho que ouvi dizer que esse tipo de conclusão, da dificuldade da observação desse tipo de coisa, foi algo que deu um impulso ao behaviorismo.
E novamente, não é porque talvez seja algo fora dos limites da ciência que então "vale tudo" e podemos inventar qualquer coisa, sendo o domínio do "método" da religião ou de sei lá o quê.