Ops, não tinha visto ainda essa mensagem.
(sobre circuitos vs. cérebros)Meio que ambos são "computadores", circuitos eletrétricos ou eletroquímicos, mudam um pouco os materiais. É difícil então dizer o que é que causaria a consciência ou não.
Vou tentar explicar como eu vejo isto:
cérebros se diferenciam de circuitos elétricos no momento em que, para preservar a integridade do corpo, o sistema nervoso reconhece o corpo como sua 'identidade'. Foi um invento do cérebro para reconhecer o que deve ser preservado e verificado, como boca, mãos, costas, etc.
Nos computadores existem procedimentos para incialização de drivers e periféricos que garantem que o 'cérebro' central recohece esses periféricos. Porém ele foi programado para reconhecer periféricos, e não para assumir uma personalidade. Esta invenção artificial de reconhecimento de periféricos é diferente de uma personalidade, que foi o recurso mental que cérebros avançados encontraram para saber melhor preservar sua integridade.
Ou seja, a consciência foi uma invenção de cérebros o suficientemente complexos para reconhecer o corpo como ele mesmo e assim preservá-lo, identificá-lo, manipulá-lo melhor.
O problema é que "consciência" tem vários significados, esse é um deles, e concordo plenamente até aí.
Mas o "problema difícil" da consciência não se refere a isso, que é quase "trivial", perfeitamente explicável por essa analogia que você fez, mas nos qualia, na experiência subjetiva.
Será que se programassemos um robô/computador para ter uma personalidade, ele teria qualia? Sim, ele poderia ser programado para dizer que vê a vermelhidão do vermelho. Mas isso seria diferente, em termos de qualia presumidos, de um sino amarrado a uma balança batendo como "modo de dizer" da balança+sino que "sente" o peso de algo que é colocado sobre o prato?
E por isso considero a consciência uma caracteristica não só humana mas de muitos animais, inclusive não somente mamíferos, embora o comportamento dos mamíferos se pareça mais conosco e então saibamos melhor reconhecer as atitudes de uma personalidade em outros mamíferos (alguém leu aqui o livro de Darwin 'A expressão das emoções no homem e nos animais' ?).
Eu também faria essa aposta, tão mais seguramente quanto maior for a homologia e parentesco conosco. No entanto, sabemos que mesmo cérebros humanos podem responder corretamente à estímulos sensoriais, sem no entanto haver a experimentação subjetiva de qualia (visão cega), e portanto, é teoricamente possível que outros animais sejam completamente assim, não muito diferentes do que imaginamos ser um carrinho de controle remoto, ou um puxado por um barbante, em termos de experiência subjetiva.
(Penso que "é possível" contanto que eles não tenham as áreas e padrões de atividade cerebral correlatos; sempre que houver, penso que eles devem ter algum tipo de qualia, tão mais parecido quanto mais próximos forem os correlatos. Por outro lado, também poderia ser um fenômeno que emerge apenas através de alguma peculiaridade cerebral humana, do "todo" do cérebro, não apenas dos correlatos diretamente. Há ainda, de qualquer forma, a possibilidade de ter surgido também em outros animais, mesmo sem grande homologia, contanto que seja satisfeita qualquer que venha a ser a condição que os gera, que não sabemos realmente qual é)
Como acontece com outras caracteristicas em qualquer espécie, a consciência no ser humano foi reutilizada, passou a tomar um papel fundamental na construção de uma sociedade baseada nos individuos complexos e sua interação, utilizando ao máximo seus recursos, embora o comportamento humano tenha características reconhecíveis em qualquer outro primata.
Isto me lembra que Peter Gabriel (sim, eu sou fã) fez uma música recentemente com a ajuda de chimpanzés. Não conheço gravação em estúdio mas ele toca essa música ao vivo no DVD da turnê do seu disco Up de 2003.
Isto é, expressões artísticas, que é uma das características que pode demonstrar uma consciência, estão presentes em outros animais. E mesmo que não vejamos na natureza chimpanzés pintando quadros, podemos inferir que possam fazê-los a partir das emoções que já expressam.
Eu concordo com tudo isso; mas continua não explicando nada sobre os qualia.
Tudo isso poderia ocorrer sem que eles existissem, são necessários "apenas" recepção e processamento de informações do ambiente, não qualia. Processamento que no caso dos animais e seu histórico evolutivo, acaba gerando como efeito colateral o agrado pela arte por reproduzir iconicamente coisas que afetam as emoções, sinais para ativação de subrotinas de alta prioridade.
Coisa similar poderia ser alcançada até com programas ou robôs, fazer com que eles "gostassem" de certos estímulos e os procurassem, mas não costumamos julgar que por trás da recepção do estímulo há uma experiência subjetiva de qualia, mas em vez disso algo mais similar ao que ocorre com uma ratoeira ou uma calculadora.
Buckaroo, você que é biólogo se não estou enganado, não sente um cheiro antropocêntrico nas discussões sobre consciência e/ou inteligência ? Cada vez que pergunto ao interlocutor o que considera consciência ou inteligência, não há características que não reconheça em outros animais.
(não sou biólogo, só gosto mais de ciências do que assistir futebol ou big-brother e biologia deve ser mais ou menos compatível com o meu cérebro, enquanto que física parece algo meio inerentemente incompreensível, beirando ao insano, e química e matemática são só meio chatas)
Mas sim, sinto esse cheiro. Só que no caso da experimentação de qualia acho que a coisa é realmente complicada, tanto que há até uma posição totalmente oposta ao antropocentrismo, a idéia de que até coisas não-vivas, "inanimadas", talvez pudessem ter o seu tipo de qualia (David Chalmers).
Eu tendo mais a opinião de que é algo cerebral/animal, que é de alguma forma resultado de cérebros apenas, mas fico bem perdido se penso nas distinções entre um cérebro-processador e um de neurônios, e isso acaba quase me levando à conclusão de algo mais básico, como uma propriedade física da realidade, meio parecida com matéria e energia, mas outra coisa.
Realmente li pouquíssimo sobre isso, então posso estar representando mal as idéias a esse respeito, mas penso que seria mais ou menos assim: o que é "energia"? A capacidade de um sistema em realizar trabalho. Sim, mas por que esse sistema, nessas condições, tem a capacidade de realizar trabalho, em vez de não fazer nada? Eu não sei, mas acho que não temos como saber o por que disso, apenas podemos constatar que há determinadas condições/configurações em que os sistemas tem capacidade de realizar trabalho, e que uma vez que não mais satisfeitas, a energia acaba, e o sistema não mais realiza trabalho. Talvez um beco sem saída similar se dê com os qualia; alguns sistemas físicos tenham a "capacidade de sentir qualia", e não podemos dizer porque/como, apenas quais condições físicas precisam ser satisfeitas para isso.
Frustrantemente pobre/nulo em explicação, e por algum motivo bem mais frustrante do que a pergunta do porque sistemas com capacidade de realizar trabalho têm a capacidade de realizar trabalho. Acho que de certa forma essas questões de natureza última (se é que qualia é uma delas) são o "fim da ciência", não se tem mais como realmente investigar, perguntar os "porques/como" em algum ponto, apenas constatar "o que".