O ponto aí era, de qualquer forma, talvez de forma um pouco insondável demais, era que apesar de um "n-deísmo" ser talvez a única coisa mais imediatamente digna de consideração como hipótese a partir da admissão do agnosticismo (não vejo sentido em ficar enfiando especificidades características do teísmo), essa prática do "agnosticismo complacente" de forma quase escancarada praticamente fala de Javé, comumente referido por "Deus", ou algo muito próximo.
Não concordo. Javé é o deus do Velho Testamento, aquele serzinho detestável e não acho que muitos não-teístas, ao discutir a existência de deuses, o considerariam seriamente. O deus que tenho em mente quando sou intimado a tocar no assunto é mais parecido com o deus dos deístas, simplesmente um ser inteligente e consciente que tivesse capacidade de planejar e executar a criação do Universo.
Bem, eu já considero esse como javeóide, no sentido de ser um cara só "criando o universo", ou o mais próximo disso numa acepção dos termos que não tornasse a frase algo praticamente ontologicamente impossível.
Bem, a partir daí poderia se tecer um tipo de crítica ao agnosticismo "mesmo", que talvez fosse meio trivial. Acho que se seguido à risca, de certa forma o agnosticismo inevitavelmente desemboca no niilismo, tudo pode ser verdade ou mentira, é simplesmente impossível saber qualquer coisa; não existe "saber", só acreditar.
Isso é discutível, mas já seria tema para outro tópico. Pode-se pensar também em diversas gradações para o nível de certeza que se pode ter sobre alguma coisa. O nível de certeza de que existe um computador em minha frente neste exato momento é altíssimo ao ponto de, excluindo a possibilidade de eu ser vítima de uma conspiração dos meus sentidos, o que é uma hipótese sem valor prático, eu poder dizer que sei que há um computador em minha frente.
Pois é. Só acho isso bastante equivalente a afirmar que não existem deuses, fadas e etc, ou, numa aproximação das suas situações, que o seu pc não funciona graças a um exército de pequeninos duendes que na verdade estão por trás dos processos que geralmente atribuímos à interpretação "fundamentalista-materialista" do que permite esse tipo de tecnologia. A "crença" ou conhecimento de que o seu computador existe e é apenas o que "parece ser", e portanto não tem nada a ver com esse hipotético exército de duendes, é tão "fé" quanto a descrença em deuses, fadas e etc.
E com isso quero dizer que em nenhum dos casos "fé" seria o termo mais adequado para definir essa "crença", levando em conta o uso comum do termo, que seria para crença na existência de seres como esses mencionados ou fenômenos diversos, sob um grau de incerteza muito mais elevado do que o da existência do computador "puro".
Os pesos e medidas diferentes são, em analogia com um tópico recente, quando se constata que não são tão raras afirmações como "ceticismo aplicado ao ateísmo", enquanto é virtualmente inexistente gente falando sobre "ceticismo aplicado à hipótese da inexistência de duendes". Ao mesmo tempo, a comparação é freqüentemente acusada de injusta, de ser um tipo de espantalho. Duendes e outras coisas "todos sabem" que não existem, quando poderiam ser protegidos por ad hocs similares aos que fazem com que deus não seja um cara barbudo sentado num trono suspenso numa nuvem no céu.
Usar raciocínios ad hoc realmente são uma coisa muito feia. É praticamente trapacear. Mas é exatamente isso que torna esses seres sobrenaturais coisas irrefutáveis. Não se pode provar que Deus e duendes não existem. Mas e daí? Você não é obrigado a acreditar nessas coisas, muito pelo contrário, afinal, o sentido de nós nos definirmos como céticos não é justamente nos reservarmos a não acreditar em alegações até que nos sejam apresentadas evidências que as sustentem? Se você simplesmente soubesse que duendes, sem sombra de dúvidas, não existem, você não seria um cético, você simplesmente seria uma pessoa informada - da mesma forma que saber que o céu azul, não faz de você um cético quanto à possibilidade de ele ser verde.
Bem, gostei da analogia, muito embora eu usaria no outro sentido. Acho que geralmente não somos céticos na inexistência de duendes (fadas, deuses, etc), da mesma forma que não somos céticos sobre a Terra ser plana e o céu ser azul, e não no sentido de "fé".
Bem, não acho que é um "salto de fé" maior para isso do que para minha "crença' em não existir um dragão invisível na minha garagem, ou que estou digitando num teclado de computador, no mundo real e não numa simulação ou no sonho de uma borboleta. Se "fé" aqui significar simplesmente "confiança", "convicção", tenho "fé"; não considero que qualquer uma das conclusões sobre as inexistências desses seres (e em não ser tudo um sonho duma borboleta) tenha sido um "salto", de qualquer forma, significando algo precipitado.
Estamos falando sobre ateísmo forte aqui. Uma coisa é você não acreditar que há um dragão invisível em sua garagem até que provas convincentes do contrário sejam apresentadas. Outra é você declarar que acredita que não há um dragão em sua garagem - isso não é ceticismo, é uma postura dogmática.
Não sei. Como disse, considero que na prática são muito mais parecidas do que esse tipo de distinção tenta fazer parecer. Acho que seria diferente se de alguma forma houvesse algum modo de demonstrar a existência desse dragão invisível e ainda assim se continuasse acreditando que ele não existe. O que pode até ocorrer, o que seria mais ou menos análogo ao caso de criacionistas e negacionistas da ciência de modo geral, que negam apesar das confirmações.
Mas de modo geral penso que quem diz que acredita que não existem deuses, fadas e etc, está bem mais para quem diz que acredita que a Terra não seja chata ou que a aparente superfície não seja o interior. O que por sua vez também são coisas que julgo que podemos assumir que são verdades sem que isso seja algum tipo de "fé" por uma acepção usual, justa, do termo.
Bem acho meio estranho isso de crença ser "facultativa", mas fora isso. Esse comportamento de "agnosticismo complacente" de modo geral ignora dúvida sobre qualquer outra coisa, e se foca especificamente na dúvida sobre a dúvida em um super-cara.
Somos pessoas livres, temos direito a crer no que quisermos.
Não digo no sentido que não há ou que não devesse haver liberdade de crença nesse sentido político, apenas que não se escolhe crenças. Não se pode acordar num dia e dizer, "bem, hoje vou acreditar em sete deuses criadores. Pronto, acredito". Como se escolhesse uma roupa.
Todo mundo tem o direito de estar errado. Uma pessoa racional, porém, deve no mínimo estar consciente de suas ignorâncias.
Quanto à dúvida específica quanto ao super-cara, nada mais natural, pois no contexto em que é usado, agnosticismo geralmente se refere a metafísica, ao sobrenatural, àquilo que está além da aplicação do método científico. Daí ser mais freqüente os agnósticos se declararem em dúvida quanto à existência de Deus com mais freqüência do que quanto à existência de Nessie. Nessie ao menos é testável. Provavelmente a maioria dos agnósticos que você encontrar serão céticos, embora isso não seja obrigatório, mas eu vejo o agnosticismo uma continuação natural do ceticismo; mas o ceticismo científico, aquele tão defendido por Carl Sagan, como o nome já diz, se refere a afirmações científicas, isto é, a falseáveis. Eu sou cético com relação a Nessie, mas não sou cético nesse mesmo sentido com relação a Deus, pois a existência de Deus não é uma proposição científica, é metafísica. Com relação a Deus eu sou agnóstico.
Bem, acho a distinção nublada entre essas coisas. No mínimo você deveria ser agnóstico quanto a existência de Nessie ou qualquer coisa, pois por extensão do agnosticismo de deuses e os seus poderes e motivos desconhecidos, talvez algum deles, talvez o único que existisse, estivesse mantendo Nessie viva até hoje e oculta de todas as procuras, através de milagres. Talvez seja o
Jesussauro por trás disso. Se achar que não, é porque tem fé, está em negação.
De certa forma acho que talvez até o posicionamento inverso seja mais justificável; agnosticismo quanto a Nessie, talvez uma população de plessiossauros pudesse ter sobrevivido por lá e eventualmente desaparecido, de forma que já não existem mais e talvez mesmo que existissem não tenham deixado qualquer rastro, e ceticismo quanto a deuses, ou um deus javeóide, que o Dawkins diz ser uma hipótese científica como outra qualquer, ainda que falha. Não conheço exatamente a argumentação dele sobre isso, mas consigo imaginar versões de uma argumentação assim com as quais talvez concordasse.
É um bom momento para mencionar a nossa velha amiga Navalha de Ockham
(...)
A ciência, diga ou não diga respeito à realidade última das coisas é útil, pois ela traz informações acuradas sobre a "realidade" tal como nós a percebemos.
Melhor dizendo, de um ponto de vista agnóstico, é o que se costuma crer...
Não entendi essa observação.
Mais uma espécie de brincadeira com isso de que qualquer coisa seria fé por não se poder refutar o irrefutável, como hipóteses solipsistas. Se é tudo um sonho, ou tudo uma conspiração, a utilidade da ciência é questionável mesmo que ela tenha bastante poder preditivo sobre aspectos diversos do sonho ou dessa situação armada para fazer parecer com que a realidade seja isso que parece.
Enfim, o meu ponto não foi exatamente questionado aí. Era que os "ateus-fortes" são praticamente um espantalho. Como se fossem "ateus fanáticos" com uma fé inabalável na inexistência de deuses, que não seria perturbada pela evidência mais cientificamente perfeita, qualquer que pudesse ser a evidência de algo assim.
Mas é isso que ateus fortes são. Se não forem isso então não faz o menor sentido em se diferenciar ateus entre fortes e fracos, pois são a mesma coisa. Pode-se argumentar nesse caso é que ateus fortes não existem.
Só uma definição mais "irracional" dessas justifica essa crítica, se o ateu-forte é igual ao "afadista" forte, apenas trocando fadas por deuses, tudo bem; mas aí voltamos ao ponto original de que não se vê por aí gente questionando os afadistas fortes por serem meio apressados em concluírem ou crerem que não existem fadas apesar de no fundo não podermos realmente saber de praticamente qualquer coisa.
É a discussão sobre o sentido de ceticismo. Alguém que acredita que fadas não existem não é cético. Alguém com mentalidade científica se manifestaria com ceticismo com relação à existência de fadas até que surgissem evidências em contrário.
Já que estamos voltando ao assunto do ceticismo científico, gostaria de fazer uma observação no mesmo nível das suas de "não se vê por aqui as pessoas falando nisso" que é a seguinte: Todo mundo adora tecer loas a Carl Sagan por sua defesa da ciência e da razão e por propagar os valores do ceticismo. O Mundo Assombrado pelos Demônios é leitura obrigatória para os membros deste fórum que orgulhosamente chamamos de cético. O ceticismo é a filosofia que realmente une as pessoas aqui, não o ateísmo ou o agnosticismo. As pessoas se esquecem, porém, que Carl Sagan nunca falava em ceticismo separado de outro conceito que ele considerava importantíssimo: aquilo que ele chamava de "adimiração". Sagan falava não em ceticismo, ele falava em "ceticismo e adimiração" como contrapontos que precisavam ser equilibrados, o primeiro para não nos enganarmos com falsas verdades e o segundo para não perdermos o senso de mistério e deslumbramento diante do desconhecido. O sujeito mal-humorado que diz arrogantemente que fadas não existem e pronto não é o que Sagan tinha em mente ao falar em ceticismo.
Bem, não ter um sentimento de admiração despertado por coisas como fadas ou Saci, não achar importantes viagens pós-modernistas/relativistas que acham que é igualmente fé afirmar que os humanos ou as pedras são os seres mais inteligentes conhecidos, não significa que se seja um ateu do tipo do "bode resmunguento" daquele site de paródia de crentes cujo nome não me lembro. Se não for o que Sagan tinha em mente quanto pensava em ceticismo, ainda estou tranqüilo sobre essa minha postura, pois Ele é piedoso e compreensivo.
O ateu "de verdade", sem o espantalho, só vai até o que seria o sexto dan, ou "sexto-e-meio", praticamente não existindo esse sétimo, ao menos nessa versão um pouco mais descritiva e explicitamente estufada com palha que eu coloquei aí. Da mesma forma que não existe a mesma coisa para outros deuses e questões além de deuses. Praticamente todo mundo têm "100%" de certeza para fins práticos de uma porção de coisas que numa discussão sobre natureza da realidade teria que admitir que não sabe mesmo, o que não significa que não possa estar sujeito a revisão ou algo assim.
Nesse caso podemos afirmar num grau 6 de certeza que ateus fortes não existem. Não sei, sou agnóstico com relação a isso
Sei lá, não é nem que não pudessem existir, existe de tudo, mas não acho que seja uma posição a ser levada em consideração quando se fala em ateísmo da mesma forma que não é de ser levado em consideração sobre "evolucionistas" pelos que afirmam que os humanos/bípedes são vertebrados basais e o restante são formas mais derivadas (em outras palavras, que "o peixe" deu origem "ao homem", que se diversificou em "macaco" e esses em primatas, mais ou menos na ordem "inversa").
Bem, parte do problema é uma acepção mais pragmática dos termos, onde existe o "saber" versus uma acepção mais filosófica, onde praticamente todo mundo, (ou ao menos todos ateus, e boa parte dos teístas e deístas, imagino) teria que admitir ser agnóstico "forte" e que não se sabe de nada, tudo é possível, e a ciência e o que pensamos ser o "conhecimento" proveniente dela talvez seja só um tipo de tautologia que não tem nada a ver com uma hipotética realidade absoluta, mas ainda pode ser que a tautologia em si esteja errada, que estejamos passando por uma espécie de "burrice" análoga a achar por um momento que 2+2=5.
Acho que na prática quase todos os ateus e deístas e boa parte dos teístas são de fato agnósticos, ainda que não se dêem conta disso nem declarem abertamente. Eu mesmo me considero ateu e agnóstico. E justamente por ser agnóstico me permito não me preocupar com as ciências e a matemática serem tautologias e que não descrevam uma realidade absoluta - essas são considerações de ordem metafísica para as quais não posso obter resposta e por isso as ignoro - nos dois sentidos da palavra, confiando na ciência e na matemática pelo fato de elas trazerem conhecimentos que são úteis ao estilo de vida que levamos.
Nesse sentido mais ou menos literal/estrito, também sou, apesar de ter dado a entender algo como uma "crítica ao agnosticismo" generalizada.
Só acho que ao mesmo não sou agnóstico tão "forte" a ponto de praticamente dizer que é a mesma coisa, fé, se dizer que acredita que deuses não existem ou que existem; que existe uma conspiração ET com tecnologia super-ultra-hiper-avançada, que sejam deuses para fins práticos de detecção, mantendo Bush no poder nos EUA através de tecnologia de controle mental adicionada no fast-food e outras coisas inconspícuas, e que não, na realidade não tem uma conspiração dessas; os governos são só gente, umas trapaças eleitorais aqui e ali, e no máximo as redes de fast food fazem pressões por meio de lobbies, suborno e o "controle mental" tem mais a ver com o prazer natural dos alimentos devido ao nosso histórico evolutivo aliado também aos efeitos não tão fantásticos da propaganda sobre a mente. E algo equivalente para um universo sem deuses no sentido mais literal também; apenas as coisas como parecem ser, com alguns aspectos não conhecidos, mas nada do tipo de super-caras onipotentes ou muito próximos disso.
Talvez isso seja tudo só "crença" em vez de conhecimento, já que por definição não se tem como saber se qualquer afirmação é verdade, uma vez que sempre podemos propor afirmações antagônicas irrefutáveis, mas acho meio inapropriado chamar isso de "fé".