Medicina alternativa, algo mais do que as outras coisas (acho que talvez a maioria dos religiosos ainda assim vai no médico se puder, toma aspirinas, em vez de confiar só no poder da oração, muito embora os espíritas tenham os doutores Fritzes e aparentemente mais comumente os evangélicos, falem sobre curas e dentes de ouro aparecendo milagrosamente), tem uma importância mais palpável na vida das pessoas. Mesmo que muitos dos procedimentos de medicina alternativa sejam inócuos ou até tenham algum efeito placebo, que possam de certa forma tratar o que uns chamam de "sintomas da vida", pequenos episódios de mal-estar passageiros sem significância médica, imagino que a crença no funcionamento real dos "mecanismos" propostos prepare o terreno para incursões no alternativo quando começarem a aparecer pequenos sintomas de coisas realmente graves.
Ao mesmo tempo, a maior parte das pessoas, inclusive as que cada um de nós deve conhecer, não é exatamente "cética" no sentido dessa sub-cultura cética desses fóruns e listas de céticos, ateus e simpatizantes. As pessoas são geralmente mais abertas, não só à religião e fenômenos sobrenaturais, parapsicologia, astrologia e visitas extraterrestres, mas a coisas como medicina alternativa.
O nosso "ceticismo"* não é algo exatamente muito palatável para a maioria. Discutir assuntos "céticos" com alguém com quem nos importamos, é algo que imagino que procuramos ou evitar completamente, ou fazer com maior cuidado do que geralmente fazemos por aqui, amarrando almofadas e embrulhando tudo com aqueles plásticos cheios de bolhas para que não sobre nenhuma quina. Uma comparação que nos seja completamente válida por sua lógica, pode ser simplesmente insultante. Procuramos uma dessas duas alternativas tanto por não gostarmos de insultar as pessoas de quem gostamos, quanto por que ofender não é geralmente o melhor caminho para convencer uma pessoa de que ela está errada. Imagino que ao contrário, estimule a resistência. As piadas e ridicularizações que fazemos podem ser engraçadas entre nós, mas isso é só o ato inútil de "pregar para o fiéis"; para quem acredita nas coisas que ridicularizamos, provavelmente, na maior parte do tempo, ou essas ridicularizações são simplesmente irritantes, ou são ridídulas mas no sentido oposto, da mesma forma que acharíamos ridícula uma eventual ridicularização sobre algo cientificamente bem estabelecido, sólido.
Os psicólogos afirmam que, quando uma pessoa tem ameaçada uma crença que considerava importante, a tendência não é simplesmente aceitar os fatos, a lógica, como vier. O normal é sentir um desconforto com a implicação de que esteve errado sobre algo importante durante esse tempo todo; talvez ache que estar errado sobre algo tão importante implique que não é tão inteligente quanto pensou que fosse. Não só isso, mas a crença pode ser muito agradável, que ofereça conforto, enquanto a outra "opção" para a realidade oferecida, costuma no mínimo lhe tirar isso, além de talvez trazer outros aspectos mais desagradáveis juntamente.
Por esses motivos, penso que é importante desenvolvermos uma retórica consideravelmente mais "amigável" do que comumente temos por esses círculos na internet. Acaba não só sendo melhor para esses casos de importância mais particular, como convencer as pessoas que conhecemos a optar pela ciência médica de verdade em vez de alternativas que fazem promessas muitas vezes mais sedutoras, como para a promoção do pensamento crítico e detrimento de pseudo-ciências de modo geral. Torna a "pílula vermelha" um pouco menos difícil de engolir.
Por enquanto eu só tenho duas idéias gerais sobre essa argumentação menos agressiva. A primeira é "simplesmente" não ser ofensivo, o que não é tão simples assim. Michael Shermer disse algo bem interessante, acho que foi em um dos livros dele, mas talvez tenha sido em outro lugar. Algo como que "pessoas inteligentes são ótimas em imaginarem razões para acreditarem naquilo que não é verdade". Acho que é um ponto interessante a ser feito, ou um ponto importante a ser levado em consideração. As pessoas não são burras por acreditarem em diversas dessas coisas. E de certa forma, há, por trás das defesas, mesmo das defesas "amadoras" dessas crenças uma certa engenhosidade, ainda que salpicada com ingenuidades estrategicamente localizadas, com pontos-cegos.
Outro ponto seria para dar conta do outro aspecto psicológico em jogo, sobre a crença que destruímos ser algo ao qual a pessoa está apegada, algo que fornece alguma espécie de conforto. Dois jornalistas, Matthew Nisbet e Chris Mooney vêm falando recentemente da importância da "abordagem" ou "enquadramento" da ciência na divulgação científica, eles abordam mais especificamente coisas como ensino da evolução e conscientização sobre mudanças climáticas, e como seria uma melhor divulgação científica dessas áreas, mais focados no jornalismo. Acho que generalizando esse princípio pode-se conseguir roupagens mais atraentes para verdades científicas importantes. Não é ser desonesto, ou exatamente tendencioso, apenas uma questão de imagem ou marketing; reforçar os aspectos positivos e tentar minimizar os negativos.
O artigo "framing science" de Nisbet e Mooney:
http://www.soc.american.edu/docs/science1.pdfE então... a idéia do tópico é essencialmente pensar no assunto... comentar casos pessoais, de uma forma em que algumas vez apresentaram algo "cético", "chato" de forma convincente e até atraente, em comparação com a "alternativa", numa situação onde a rejeição seria o mais esperado. Ou mesmo simplesmente idéias de como abordar, contextualizar esses tipos de assuntos, desde os mais importantes aos temas um pouco mais "afastados", de forma a se tornarem mais facilmente aceitáveis para um grupo maior de pessoas.
* - estou adquirindo uma leve aversão ao termo, daí as aspas. Acho que "ceticismo" sem aspas seria mais apropriado para algo que fosse menos duvidoso, algo realmente não se pudesse afirmar com segurança ser desprovido de bases, como é o caso com a maior parte das coisas que esse "movimento" cético "questiona". Resvalando nos recentes debates sobre agnosticismo, sobre diversos dos assuntos sobre os quais muitas vezes nos dizemos "céticos", na verdade simplesmente
sabemos, temos como saber, além de dúvida razoável, que uma coisa é ou não é verdade, não apenas duvidamos que seja.