Sofri uma cirurgia ano passado e, devido a algumas complicações, até hoje estou sem poder me locomover direito. Às vezes recebo algumas visitas e ouço coisas do tipo:
Tenha fé;
Fé em Deus é só o que importa;
Vou rezar para você, etc.
Eu fico quieto, não falo absolutamente uma palavra, a não ser que me perguntem, daí eu respondo que não acredito na existência de Deus. Depois do choque inicial, alguns vem com argumentos do tipo:
- Mas você é tão inteligente;
- Vou te levar na minha igreja;
- No fundo você acredita;
- Vou rezar e você verá que logo estará melhor, etc.
Isso sem falar nos conselhos para ler ou assitir O Segredo, Quem somos nós, fazer simpatias, beber cházinhos, enfim, tudo que vocês possam imaginar que possa servir de alento para um doente. Se bem que, pela quantidade de conselhos, começo a pensar que estão me achando moribundo.
É claro que a maioria das pessoas que vem até a minha casa, faz isso de muito boa vontade, e como estou recebendo poucas visitas (nunca mais conserto computador de graça para ninguém) eu tomo o maior cuidado para não ofender alguém. Como vocês devem notar, pelo menos os que leêm o que eu escrevo, até aqui no CC eu procuro não pegar pesado nas discussões.
Eu jamais agi assim antes, só que com passar do tempo acabei ficando mais ponderado, além de tomar o devido cuidado para não atingir um amigo em algo que, por mais que eu deteste, seja muito importante para ele, que é a sua fé.
Essa mudança teve início no momento em que um amigo soube que o seu pai tinha câncer, já em estágio terminal, e me disse o seguinte:
- Tua ciência não fez nada.
Eu repliquei na hora:
- Teu Deus não fez diferente
Depois disso eu fiquei pensando em como todos nós, ou pelo menos a maioria, ficamos fragilizados com a perda de um ente querido. Para alguns, a fé, principalmente nesses momentos, é o bálsamo necessário para minimizar e suportar a dor. O problema é que muitos tem na fé o complemento necessário para tornar a sua rotina diária menos penosa, pois sem ela, a vida torna-se um fardo insuportável.
Para estas pessoas, eu evito usar quaisquer argumentos que tenham como intuíto trazê-la a razão, em parte por ser inútil, mas também para evitar que eu seja rotulado como pedante e arrogante.
A propósito, o pai desse meu amigo faleceu cerca de dois meses depois daquela nossa conversa. Como ele já tinha perdido a mãe e outros dois irmãos, achei por bem me desculpar com ele.